Fracassada a tentativa de derrubar o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a ala ideológica do governo de Jair Bolsonaro agarrou-se à cloroquina como tábua de salvação, atropelando os cientistas e tratando a droga como passaporte para acabar com o isolamento social. Sim, a hidroxicloroquina, no Brasil usada para tratamento da malária, é um dos medicamentos que estão sendo testados em pacientes da covid-19. Em geral, combinada com outras drogas como a conhecida azitromicina, um antibiótico de amplo espectro.
Os médicos que prescrevem a cloroquina relatam casos de pacientes curados, mas não têm elementos suficientes para afirmar que foi essa substância ou outras usadas em associação que garantiram a cura. Nem mesmo têm como precisar os efeitos colaterais, já que a reação difere de paciente para paciente. O ministro Mandetta tem dito que a cloroquina pode provocar arritmias cardíacas e problemas nos rins, daí a orientação de que seja usada com moderação e, jamais, por conta própria.
Além da cloroquina e hidroxicloroquina, em combinação a azitromicina, outras substâncias estão sendo analisadas. Entre elas, Lopinavir e Ritonavir, usados contra o HIV, em conjunto com o Interferon beta-1b, usado no tratamento de esclerose múltipla, e o antiviral Remdesivir, para o ebola.
O Ministério da Saúde está enviando cloroquina e azitromicina para as secretarias estaduais de Saúde, mas com a ressalva de que os testes ainda são inconclusivos.
Na segunda-feira (6), Mandetta voltou a afirmar que é cedo para o ministério recomendar o uso amplo da cloroquina na fase inicial da covid-19, mas que os médicos podem prescrever o medicamento se assumirem os riscos.
Instalado em Brasília, mesmo sem ter cargo no governo, o vereador Carlos Bolsonaro tornou-se, nas redes sociais, um dos principais propagandistas da cloroquina como contraponto ao isolamento social. Seu pai, o presidente da República, queria que Mandetta avalizasse um decreto autorizando a prescrição generalizada do medicamento para pacientes com sintomas da covid-19. O ministro não aceitou, alegando que falta base científica para a utilização massiva.
A mais recente vítima da campanha bolsonarista é o médico David Uip, um dos infectologistas mais conhecidos do Brasil. Diagnosticado com a covid-19, Uip se recuperou e, a par de relatar o que sofreu no período em que esteve hospitalizado, vem recomendando o isolamento social, contestado pelo presidente.
Até o general Augusto Heleno, que também testou positivo mas não teve maiores complicações, quer que Uip “confesse” que foi curado pela cloroquina. O médico já disse que recebeu um coquetel de medicamentos, mas o bolsonarismo quer que atropele os protocolos científicos e dê seu aval à droga que virou panaceia.
É possível que as pesquisas venham a comprovar a eficácia da cloroquina e de outros medicamentos que estão sendo testados, mas a garantia precisa vir dos pesquisadores, que trabalham dia e noite em busca da cura e da vacina. A ciência não pode ser atropelada pela política.