Pesquisadores de diferentes partes do mundo correm contra o tempo e batalham para tentar lançar o quanto antes no mercado uma vacina contra a pandemia que já vitimou mais de 300 mil pessoas no planeta: o coronavírus. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece 136 estudos clínicos desenvolvidos no mundo, sendo que 10 deles estão em fase de testes em humanos, segundo a entidade que divulgou o balanço mais recente no último dia 9.
A que desponta como a favorita a ser a primeira liberada, por ser a única com testagem em massa, é a vacina de Oxford, que inclusive já está sendo produzida em grande quantidade em fábricas da Índia, da Suíça, da Noruega e do Reino Unido.
Quem também está na disputa são as cinco imunizações chinesas que estão em processo de testagem.
Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Epidemiologia Paulo Petry, o alto investimento que a China injeta em tecnologia tem mostrado resultado agora:
— Nos últimos anos, temos visto muitas pesquisas e artigos chineses, porque eles têm muito dinheiro e investem na ciência e no aprimoramento de tecnologias. Por isso, é normal e natural que eles tenham mais vacinas em teste neste momento. Diferentemente do Brasil, que vem tendo sua produção científica sucateada ao longo dos anos.
O professor destaca ainda que dá para ficar esperançoso com os avanços feitos, porque eles seguem métodos de pesquisa.
— São estudos sérios, que estão obedecendo o rigor científico de cada etapa clínica. Está sendo tudo muito rápido, quando comparamos com a produção de outras imunizações que levaram até 10 anos para ficarem prontas. Mas essa rapidez não deve ser motivo de preocupação, porque os protocolos estão sendo seguidos — pontua.
Saiba mais sobre as 10 vacinas mais adiantadas
AZD1222, Universidade de Oxford e AstraZeneca
Desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca, esta vacina é feita com um vírus (adenovírus) enfraquecido da gripe comum que infecta macacos. Esse vírus serve de vetor para levar ao organismo humano uma cópia produzida em laboratório de uma proteína presente no coronavírus, a proteína spike. O objetivo é fazer com que o organismo comece a produzir anticorpos capazes de reconhecer e atacar o vírus verdadeiro em caso de infecção real.
Recentemente, teve início a fase III, com a vacinação de 10 mil pessoas para averiguar a eficácia do produto, incluindo testes em brasileiros dentro de uma parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A expectativa é de que a vacinação comece ainda este mês já que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou os testes no último dia 2.
Adrian Hill, um dos líderes do estudo, revelou ao Telegraph que “o objetivo da equipe é ter cerca de um milhão de doses até setembro, quando tivermos os resultados de nossos testes de eficácia”.
Segundo um comunicado no site da AstraZeneca, a companhia possui capacidade total de um bilhão de doses até 2021.
Ad5-nCoV, CanSino
Um dos resultados mais recentes foi divulgado no último dia 22 de maio, na revista norte-americana The Lancet. A vacina, desenvolvida pela CanSino Biological e pelo Instituto de Biotecnologia de Pequim, foi testada em 108 adultos saudáveis, com idades entre 18 e 60 anos, de Wuhan, na China – cidade que foi o epicentro do coronavírus.
Essa imunização usa uma versão de um adenovírus, o vírus que causa o resfriado comum, como vetor. Esse vetor, por sua vez, transporta o gene da proteína da superfície do coronavírus e, assim, tenta provocar a resposta imune para combater a infecção.
A investigação apontou que a vacina chinesa fez com que o corpo passasse a produzir anticorpos para a covid-19 14 dias após a imunização, apesar dos efeitos colaterais, como febre, dor de cabeça e fadiga.
De acordo com o comunicado de imprensa do The Lancet, os pesquisadores iniciaram um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo em Wuhan, na China, para testar ainda mais a vacina para pesquisas clínicas. A companhia espera iniciar sua produção no quarto trimestre deste ano e afirma que tem capacidade de manufaturar 100 milhões de doses até 2021.
mRNA-1273, Moderna e Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID)
Uma promissora iniciativa vem da América do Norte. Uma imunização testada em humanos mostrou que as pessoas desenvolveram resposta imune à covid-19. A vacina que mostra resultados esperançosos é desenvolvida pela empresa Moderna e pelo Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (Niaid, sigla em inglês), dos EUA.
A imunização utiliza o RNA mensageiro, ou seja, um pequeno segmento do código genético do vírus, que conseguiram criar em laboratório, e esperam criar uma resposta do organismo para combater o vírus e prevenir doenças. Todos os 45 participantes do estudo - saudáveis, entre 18 e 55 anos – que receberam uma ou duas doses da vacina desenvolveram uma forte resposta imune ao vírus.
Os pesquisadores mediram anticorpos que reconhecem vírus em 25 voluntários e detectaram níveis semelhantes ou superiores aos encontrados no sangue de pessoas que se recuperaram da covid-19.
De acordo com a Reuters, a Moderna começou, no dia 29 de maio, o estudo de fase II envolvendo 600 participantes. A empresa espera iniciar um teste de eficácia de fase III -estágio final, em julho, para testar se a vacina pode prevenir doenças em grupos de alto risco, como profissionais de saúde e pessoas com comorbidades.
A Moderna diz ser capaz de ampliar a escala em 10 milhões a cada mês até chegar a uma taxa de 1 bilhão de doses por ano na metade de 2021
Sinopharm
Desenvolvida pelo Instituto Wuhan de Produtos Biológicos e pela Sinopharm, essa vacina chinesa utiliza vírus que perderam sua capacidade de se reproduzir, mas que forçam o organismo a desenvolver resposta imune, ou seja, anticorpos contra a covid-19. Em abril, 96 pessoas em três faixas etárias entre 18 e 60 anos foram imunizadas. De acordo com o estudo, a vacina mostrou boa segurança até agora e os receptores ainda estão sob observação.
O estudo da fase 2, estágio no qual se encontra o teste, visa a não apenas testar a segurança da vacina, mas também a descobrir os procedimentos de vacinação, incluindo quantas doses e quanto de cada uma é necessária.
A vacina também passará pela terceira fase de ensaios clínicos, que testará principalmente a eficácia e a segurança, disse a empresa. A empresa prevê produção anual de 100 a 120 milhões de doses, mas a imunização pode ficar pronta para produção somente no final deste ano ou no início de 2021.
Sinopharm II
A expectativa do Instituto de Produtos Biológicos de Pequim, em parceria com a Sinopharm, é de que a vacina feita por eles possa estar pronta para o mercado no final deste ano ou no início de 2021.
A imunização também faz uso de vírus que perderam a capacidade de se reproduzir, mas que forçam o corpo humano a desenvolver anticorpos de defesa.
Até o momento, mais de duas mil pessoas receberam a vacina, segundo a agência Reuters. A linha de produção do Instituto de Produtos Biológicos de Pequim terá uma capacidade de produção anual de 100 a 120 milhões de doses.
CoronaVac, Sinovac Biotech e Instituto Butantan
O Instituto Butantan, do Brasil, entrou como parceiro do laboratório chinês Sinovac para produzir e testar a vacina contra o coronavírus. O anúncio foi feito na quinta-feira (11) pelo governador de São Paulo, João Doria.
Segundo o mandatário, a expectativa é de que a vacina possa estar disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) em junho de 2021. Serão selecionados dois mil voluntários que estejam na linha de frente do combate ao coronavírus. Esses participantes não podem ter contraído a doença anteriormente.
Em maio, o laboratório chinês Sinovac Biotech estava no estágio intermediário de testes em humanos de sua vacina experimental contra o coronavírus. Batizada de CoronaVac, ela faz uso de vírus sem capacidade de reprodução, mas que forçam o corpo humano a desenvolver anticorpos de defesa. Segundo a Reuters, a vacina se mostrou, até o momento, promissora em macacos que receberam três doses.
A empresa anunciou que pretende fazer até 100 milhões de doses por ano se a vacina se mostrar eficaz.
O ensaio clínico de fase II avalia a imunogenicidade e a segurança do CoronaVac em uma população maior, a fim de definir dosagem, regime e esquema de imunização.
A Sinovac está construindo uma planta comercial de produção de vacinas que deve fabricar até 100 milhões de doses de CoronaVac anualmente, mas não informou quando começaria a produção.
NVX-CoV2373, Novavax
Em 25 de maio, foi iniciada a primeira fase de testes em humanos de um novo candidato à vacina contra o coronavírus. A empresa norte-americana de biotecnologia Novavax, líder do projeto, afirma que os compostos presentes na vacina visam a aumentar a resposta imune e fornecer uma proteção mais duradoura contra infecções.
A Novavax informou que a primeira fase dos testes na Austrália envolve cerca de 130 participantes saudáveis com idades entre 18 e 59 anos e que os resultados desta etapa devem ser divulgados em julho.
Uma segunda fase será realizada em vários países e focará na imunidade, segurança e redução da covid-19 em uma faixa etária mais ampla.
Em testes pré-clínicos, a vacina da empresa demonstrou alto nível de imunidade à doença e de anticorpos neutralizadores. A Novavax prevê a produção de 100 milhões de doses em 2020 e 1 bilhão de doses até 2021, informou a empresa à CNN.
BNT162, Pfizer e BioNTech
O laboratório estadunidense Pfizer e a empresa alemã BioNTech trabalham juntos na confecção da vacina BNT162.
No início de maio, foram testadas diferentes dosagens de quatro possíveis candidatos à vacina em 360 voluntários saudáveis divididos entre voluntários saudáveis mais jovens e um grupo de idosos. A imunização em teste usa o material genético do vírus, o RNA mensageiro, que carrega as instruções para as células produzirem proteína spike, que é a que infecta o nosso corpo.
Ao injetar um RNA mensageiro enfraquecido no organismo humano, esse material poderia comandar as células a produzir a proteína spike sem deixar o indivíduo doente.
A Pfizer planeja expandir o teste nos Estados Unidos no início de julho. De acordo com as empresas, se a vacina provar ser segura e eficaz, ela poderá estar pronta para produção em outubro e a expectativa é de que sejam feitas 500 milhões de doses em 2021.
Instituto de Biologia Médica da Academia Chinesa de Ciências Médicas
Desenvolvida pelo Instituto de Biologia Médica da Academia Chinesa de Ciências Médicas, a vacina apresentou bons resultados em macacos ao desencadear a produção de anticorpos sem causar nenhum tipo de problema aos animais.
O candidato à vacina, induziu anticorpos neutralizantes de alto nível que podem impedir o vírus de infectar células em macacos, ratos, porquinhos-da-índia e coelhos, disseram pesquisadores em um artigo publicado na revista médica Cell, no último sábado (6).
Os resultados surgem em paralelo à fase 1 de teste, que imunizou mais de mil participantes. A fabricante não informou quantas doses pretende fabricar.
INO-4800, Inovio
Em maio, a Inovio anunciou que seu candidato à vacina produzia respostas de anticorpos em camundongos e porquinhos-da-índia. Contudo, já antes deste resultado ser divulgado, em abril, a empresa iniciou testes em humanos.
O ensaio em duas etapas da imunização, avaliará a segurança, tolerabilidade e imunogenicidade da vacina candidata em 40 adultos saudáveis com idades entre 19 e 50 anos e expandirá para mais 120 pessoas entre 19 e 64 anos. Os resultados preliminares desses testes devem ser revelados ainda em junho.
Se bem-sucedidos, os funcionários da Inovio disseram que esperam passar para os testes de Fase 2 e 3 em julho ou agosto. Para a Reuters, a companhia afirmou que “os esforços de vacinação da Inovio são financiados por uma coalizão global e a empresa pode fabricar 1 milhão de doses até o final do ano para testes adicionais e uso emergencial”.
As fases de uma vacina
1) Laboratorial
É uma das fases mais demoradas, na qual os pesquisadores precisam definir qual parte daquele micro-organismo, vírus ou bactéria será usado no imunizante. Neste momento, os cientistas precisam encontrar a parte do vírus que vai provocar a melhor resposta quando em contato com nossas células de defesa.
2) Pré-clínica
Nesta etapa, são feitos testes em animais como camundongos, coelhos e macacos.
3) Ensaios clínicos
Quando todos os passos anteriores são bem-sucedidos, começam os testes em humanos. A fase é dividida em três etapas. Na primeira, feita com poucas pessoas (de 50 a cem), é testada a segurança da substância. Em paralelo, também se avalia a eficácia da vacina. Aqui, já se pode começar a definir dosagens ou esquemas de imunização (uma ou mais doses, por exemplo).
Quando essa primeira fase do ensaio clínico é aprovada, passa-se para a fase 2, na qual a testagem de segurança e eficácia é ampliada para um número maior de pessoas, com um esquema de dosagem já definido.
Por fim, ao alcançar a fase 3, o ensaio testa mais de mil pessoas (os cálculos de número de pessoas testadas são estatísticos para ter representatividade na população). Se houver bons resultados em todas as fases, o dossiê completo com os dados é submetido às agências regulatórias, que aprovam os registros. Só a partir desse momento, em posse do registro, é que vacinas ou medicamentos podem ser comercializados ou fornecidos à população.