Vacinas para a covid-19 foram um dos grandes assuntos desta semana. As pessoas querendo entender como se faz a vacina, como se testa, por que demora. Querendo saber como e por que vão testar no Brasil. Escrevi textos, participei de debates, dei entrevistas. E aí aconteceu algo inusitado.
Em uma das entrevistas, com uma jovem repórter de um jornal de São Paulo finalizou perguntando: “Então, tendo uma vacina, resolve a maioria dos problemas, certo?”. E eu me ouvi respondendo imediatamente “Claro que não!”.
Ficamos – as duas – ali, surpresas com a afirmação. Eu mesma pensei, antes que ela perguntasse – por que não? E foi aí que começou uma entrevista diferente das outras. Perguntei o que ela como repórter identificava como o pior aspecto da pandemia. Imediatamente ela respondeu: a desigualdade. Todo dia ela acompanhava como as comunidades pobres de São Paulo vêm sendo dizimadas – é desproporcional, ela falou, emocionada. Comentei que, durante a semana, uma aluna da nossa universidade (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, UFCSPA), de 23 anos, falecera de covid-19. Havia sido chamada de volta para trabalhar com a família, num bairro simples de São Paulo. A pressão para “reabrir a economia”, a falta de opção para uma família pobre, custou a vida da menina.
Como ela, quantos mais? Não existe opção para quem foi abandonado no meio da maior crise de saúde publica da história. Estamos sendo sistematicamente sacrificados sem nenhum remorso por quem deveria estar nos liderando e protegendo. Em nome do quê? Não existe plano de retomada econômica. Não existe estrutura de saúde publica para quem adoecer. Os ministérios da Educação e da Saúde, que funcionavam bem apesar de constantes trocas políticas, devido a funcionários de carreira competentes, estão sendo sistematicamente implodidos. Não há orientação segura de procedimentos para que as pessoas protejam a si e as suas famílias – pelo contrário, há uma campanha bem estruturada para gerar confusão e desinformação.
Não é só o governo atual que participa disso: muitos, no setor privado, apoiam. Dentro dessa lógica particular de destruição do país, de que adianta haver uma vacina? Vacinas só funcionam dentro da premissa de viver harmoniosamente em grupo – todos se vacinam, para que os mais frágeis estejam protegidos. Existe vacina para sarampo, mas há quem acredite que vacinar é infringir a sua liberdade pessoal. Não vacinam seus filhos, resultando nos surtos de sarampo em uma época em que a doença já poderia ter sido erradicada.
Qual é o limite para esse tipo de pensamento? Pagar imposto, talvez? Usar roupa, quem sabe? A situação do mundo hoje reflete a popularização de um pensamento de que o outro não importa: mesmo existindo recursos para amparar a todos, apenas “eu” ou “os meus” valem a pena. Usar ou não máscaras virou uma afirmação política sobre se importar ou não com o bem comum. Gerir um grupo, uma cidade ou um país com esse pensamento é impossível. Não, vacinas não vão resolver o problema.