O que vale mais, um iate ou a educação universitária que forma um enfermeiro? Que profissional é mais essencial na sua vida, o diretor de um banco ou quem recolhe o lixo das ruas, mantém supermercados funcionando ou ensina crianças online? Provavelmente, a resposta de muitos mudou durante a pandemia, que nos forçou a reexaminar como atribuímos valor quando vidas estão em jogo. Mas não seriam sempre vidas o mais importante?
O que nos levou a estruturar a economia ignorando isso?
A visão deturpada que muitos governantes vendem hoje é a de que o Estado, que deveria garantir o bem público, não serve para nada. O modelo é a eficiência das empresas, cuja gestão visa sempre ao lucro. A ideia de uma economia saudável são as bolsas de valores em alta. Mas os acontecimentos dos últimos meses serviram como um alerta do valor de bens como saúde e educação. Atividades consideradas de alto risco e baixo retorno, como a pesquisa científica, subitamente são relembradas como necessárias. Contudo, que medidas estão sendo tomadas para que essa compreensão não se perca?
Ações de empresas (Moderna, Gilead, Sorrento) que, durante a pandemia, anunciaram possuir medicamentos e vacinas para o vírus aumentaram espetacularmente. Isso aconteceu sem que nenhuma evidência fosse apresentada. Até agora, nenhuma delas entregou nada que virasse o jogo, e o preço de suas ações vem baixando. Mas seus executivos ganharam milhões de dólares vendendo as ações na alta. Revelando não apenas pouca fé em seu próprio produto, mas maior habilidade em especular do que em concretizar o prometido.
Esse desprezo pela vida de pessoas que geram sua própria riqueza não pode ser recompensado. Costumamos dizer que bens comuns têm um valor imensurável, mas pandemias têm um jeito todo especial de nos ensinar a medir esse valor. O quanto vai valer a primeira vacina eficaz contra o novo coronavírus para a economia do país que a descobrir? O quanto vale para um país treinar e empregar cientistas que conseguem fazer isso em alguns meses? Porque são eles que estão desenvolvendo as vacinas, com verba pública; as empresas vão apenas produzir e ganhar dinheiro ao vender para governos e entidades privadas.
A economia não é a bolsa. As pessoas não vão esquecer das empresas que souberam se reinventar e valorizaram vidas. Alguns negócios ou empregos serão eliminados por causa da pandemia – mas provavelmente muitos deles já estavam em uma descendente. Cabe a legisladores e governantes compreenderem a importância do momento para a reconstrução de valores pessoais e econômicos. Atuar como líderes e unir indivíduos e empresas ao redor do bem comum. Pagar melhor as pessoas sem as quais a economia não gira! Priorizar políticas e leis que garantam investimento constante em ciência, definir metas a médio e longo prazos. Sem isso, pessoas não avançam e, sem pessoas, empresas não lucram. Precisamos planejar a reconstrução da economia entendendo que não existe separação entre um e outro. Não sairemos da crise pensando como antigamente.