Sento-me pra escrever e penso: quem vai ler isto? As pessoas que me escreveram pedindo que eu explicasse se vacina de mRNA altera o nosso DNA? Ou quem avisa que não vai tomar vacina chinesa porque muda de sexo? Ou ainda, pessoas que divulgam que vacinas não são seguras?
Penso mais um pouco. Quem lê jornal quer informação. Lê coisas com as quais concorda e coisas com as quais não concorda. Não cancela assinatura porque discordou do colunista, ou dos próprios fatos. Quem lê, hoje, o jornal? Depende do jornal, você pode dizer. Acho que não. Quem lê tem pensamento crítico. Gosta de debater ideias, exercitando o cérebro como a gente exercita os músculos. Está acompanhando, e não negando, os fatos.
E os fatos são, hoje, preocupantes. Os fatos são que o mundo parou por causa de uma pandemia. Que morrem milhares de pessoas todos os dias. Que a comunidade científica mergulhou profundamente no estudo desse vírus e encontrou soluções com uma velocidade impressionante. Que a população está – compreensivelmente – insegura. E que alguns se aproveitam dessa insegurança, negando os fatos, para seu próprio benefício.
Isso sempre vai ser incompreensível para mim, pois meu trabalho é educar as pessoas. Mas esses são os fatos. Não os nego – só não compreendo.
Para quem quer saber, posso contar aqui que há dezenas de anos o RNA mensageiro é estudado, e sabemos que é uma das moléculas mais instáveis que existem. No meu laboratório, a gente nem olha muito para ele, com medo de que degrade. Nunca levei muita fé em vacinas feitas com mRNA por causa disso. E o fato de que diferentes grupos acharam maneiras de estabilizar o RNA dentro de nanopartículas de gordura por tempo suficiente para ele entrar nas células e mandar a mensagem é um avanço formidável.
Ao entrar nas células, o RNA dura alguns minutos; a célula faz o pedacinho de proteína do vírus que a mensagem instrui. O RNA fica no citoplasma e nunca chega ao DNA, que está protegidíssimo dentro do núcleo celular. O sistema imune reconhece as proteínas novas e, a partir daí, essa vacina não é diferente das feitas com proteínas, como a da Hepatite B.
As vacinas, depois da água potável, são o mecanismo mais seguro e eficiente de manter a saúde pública. Vacinas não serão liberadas antes de passarem por estudos de segurança e eficácia – e as pessoas estão aprendendo agora como se faz isso, em tempo real. Foi possível completar tantos estudos rapidamente pela abundância de casos; os prazos regulatórios estão sendo abreviados pela ampla necessidade. Pessoas com reações adversas existem, como existem para qualquer medicamento – inclusive os vendidos sem receita. Essas nós acompanharemos. Precisamos das vacinas para a covid-19, e precisamos agora. É nosso direito como cidadãos, e é dever dos gestores públicos promover a vacinação.
Esses são os fatos. Não importa se alguém não acredita neles.