Perguntar a um imunologista se uma vacina pode ser liberada antes do final do estudo clínico é como perguntar a um engenheiro se é possível liberar o prédio para moradia tendo construído só a estrutura. Afinal, as pessoas precisam de casa. Ou a um chef se pode-se comer a omelete logo depois de quebrar os ovos. Afinal, as pessoas têm fome. Mas essas não são as melhores analogias. Talvez a melhor seja: perguntar a um cirurgião se podemos parar a cirurgia logo de pois de fazer a incisão. Afinal, já dá para ver o problema.
Essa é a melhor analogia, porque nas duas anteriores a probabilidade de as pessoas morrerem se comerem os ovos crus ou morarem no esqueleto do prédio ainda é baixa, comparada ao desfecho trágico que com certeza podemos prever na terceira situação. Estudos clínicos não são desenhados para obter respostas simplistas. Você pode me perguntar: mas nem mesmo em uma emergência? Eu responderia: especialmente em uma emergência.
Ao buscar uma vacina para algo que conhecemos, já sabemos de coisas que podem dar errado; o problema se complica com as imprevisibilidades de uma doença recente, cujos testes diagnósticos estão ainda em primeira geração. Primeira geração é o primeiro robô falante que aparece num celular para ajudar a buscar coisas na internet. Nas gerações seguintes, a tecnologia se aperfeiçoa para o robô gerenciar vários processos na sua casa. Aliás, mal posso esperar pelas próximas gerações – meu sonho de consumo é a geladeira que manda mensagem avisando que os ovos estão acabando.
Mas estou divagando. O ponto é que os testes da vacina, hoje, dependem de diagnósticos ainda não muito bons. E as informações mais importantes dos testes clínicos dessas vacinas só virão no fim de 2021 para a Coronavac, ou 2022, para vacina Oxford – baseados na gravidade da doença. Cujo diagnóstico também ainda está na primeira geração.
Nenhum cientista que se preze vai apoiar liberar uma vacina antes do tempo. Seria como, sei lá, um astronauta insistir que você tome um vermífugo para covid, mostrando que funciona num gráfico falso. Você não respeitaria um cientista que fizesse isso.
Para você ter uma ideia, algumas pessoas têm o que se chama hoje de covid longa: mesmo saindo do hospital, elas permanecem com sintomas por meses. Não sabemos prever quem vai apresentar esse quadro – é como adivinhar o escore do próximo Gre-Nal. Me surpreende o interesse na disputa entre governos como o de São Paulo com o federal sobre qual é a melhor vacina e sobre a obrigatoriedade de se comprar uma vacina. Essas pessoas não se baseiam em ciência para nenhum aspecto de suas administrações. Pelo contrário, desprezaram-na abertamente, atacaram, cortaram subsídios de pesquisa. É como ver vizinhos ensandecidos (quem não tem, hoje?) brigando por uma vaga de estacionamento, sendo que os carros ainda não foram fabricados – e nem sabemos ainda qual carro vai ligar.
E um deles nem acredita em carros. Nenhum cientista que se preze vai apoiar liberar uma vacina antes do tempo. Seria como, sei lá, um astronauta insistir que você tome um vermífugo para covid, mostrando que funciona num gráfico falso. Você não respeitaria um cientista que fizesse isso.