Tem uma aula do currículo de Imunologia que é uma das mais espinhosas, mais complexas, ninguém gosta de dar. Sobre como as células processam o que vai ser reconhecido pelos linfócitos T, que depois formam a memória imune. Como as descobertas foram feitas nos anos 1990, e meu doutorado se relacionava com isso, acabei acompanhando de perto a evolução desse conhecimento. Talvez por isso eu achava que, quando dava essa aula, eu arrasava.
Um belo dia, muitos anos atrás, uma aluna de Medicina esperou eu terminar o que eu achei que era uma aula máster e desabafou: "Parece que alguém desenhou tudo isso e colocou no livro pra gente decorar. Parece tudo... inventado". E, desde então, penso no que ela disse quase todos os dias. Na hora, claro, fiquei chocada — falei "mas como, pra chegar neste resumo que desenhei foram mais de 30 anos de pesquisa, vários laboratórios, inúmeros problemas pra resolver, uma centena de artigos, milhões de dólares"... Nada. Não havia registro de compreensão nos rostos daqueles, então jovens, que hoje certamente já têm anos de prática clínica. Mas ela não desistiu: "Que problemas eles tiveram que resolver? Quem eram eles?".
Sentei e comecei a contar as histórias que eu sabia, de uma garotada não diferente deles, que quebrara a cabeça no laboratório todos os dias pra entender como aquilo acontecia —processos que hoje usamos pra desenhar vacinas e medicamentos. O clima na sala imediatamente mudou — dava pra sentir a onda de interesse. Naquele dia, a aluna deu a aula máster: não podemos ensinar ciência dissociada do processo de pensamento e da prática com que construímos o conhecimento.
A pandemia do SARS-CoV-2 tornou-se a maior aula prática de ciências, um grande experimento, que precisa ser entendido e aproveitado por todos aqueles que ensinam, hoje, as gerações futuras. Mesmo quem não faz ciência hoje acompanha o processo de descobertas, os debates científicos, como vão sendo encontradas as soluções para cada impasse. As pessoas querem saber. Para quem faz ciência, este é o momento definitivo para virar um jogo que anda parado. Nunca foi tão necessário ensinar a pensar e resolver problemas. Porque todo mundo pode fazer isso, se tiver treinamento e ferramentas.
Essa é a reforma educacional necessária. Qualquer outro jeito de ensinar favorece a crença em soluções mágicas, salvadores míticos, conspirações veladas, informações fabricadas. Esta é a única maneira de retroceder da beira do abismo em que nos encontramos, em que "líderes" que as pessoas sustentam com impostos simplesmente as abandonam à própria sorte frente a um problema evitável — e safam-se, pois não há cobrança. Cientistas não vão inventar, prometer o impossível ou o agradável. Nosso objetivo não é a popularidade; é a verdade. Você, que acompanha hoje em tempo real como trabalhamos, já pensou se todos pensassem assim? Por favor, lembre disso sempre que for votar.