Quando se iniciaram os testes clínicos de vacinas para o SARS-CoV-2 no Brasil, alguns ex-alunos, todos profissionais de saúde, me escreveram perguntado o que eu achava de eles participarem do estudo como voluntários. Leciono Imunologia para as ciências da saúde há 23 anos. Tenho muito orgulho de todos os meus alunos – tive e tenho com vários deles parcerias de pesquisa. Respondi que, participando, um dia eles contariam aos netos que ajudaram a desenvolver uma vacina para a pandemia no Brasil.
Já contei aqui como, mais de uma vez, meus alunos foram meus professores, fazendo as perguntas mais curiosas e interessantes, coisas em que, no treinamento pesado do dia a dia do cientista, a gente muitas vezes não para para pensar. E se a vacina parar de funcionar e for preciso dar um reforço depois de alguns anos? Como se faz para desenhar uma vacina que proteja da infecção, e não apenas da doença? Por que não temos vacinas pro HIV? Essas são algumas das perguntas maravilhosas de alunos que me levaram a pesquisar e aprender, sempre. Até hoje digo a eles, francamente, quando algumas das perguntas ainda não têm resposta – e, quem sabe, ali naquele grupo está a pessoa que vai, um dia, descobrir como respondê-las.
Lembro do meu choque quando retornei ao Brasil do doutorado e fui dar aulas de imunologia em uma pós-graduação da Medicina: médicos formados não compreendiam princípios básicos dessa ciência. Criei a disciplina de Imunologia para Medicina na PUCRS, em 1999, e depois para os demais cursos de saúde. Não era culpa daqueles médicos não saberem imunologia: apenas não existia no currículo do curso. Isso não era exclusivo do Rio Grande do Sul – era um problema nacional. Diferentemente das escolas de Medicina da Europa e dos Estados Unidos, que tinham tradição no desenvolvimento de algo que sempre considerei a nossa maior contribuição: as vacinas. Isso não era um aspecto que o treinamento médico brasileiro almejava ensinar, e, portanto, a disciplina seguia sendo considerada algo menor para quem coordenava os cursos de Medicina.
Ensine-os a interpretar um diagnóstico por anticorpos, ou qual o calendário de vacinação, pediam. Sofri ao entender que, muitas vezes, o treinamento médico focava em aplicar, ao invés de desenvolver, qualquer terapia. Executar, ao invés de desenhar, estudos clínicos. Poucos lhes ensinaram que desenvolver vacinas nacionais era não apenas possível: era necessário. A alternativa é depender de tecnologia estrangeira. Mas já tem coisa demais para estudar, você pode dizer. Respondo: o conteúdo, hoje, é menos importante do que ensinar a resolver problemas. Treinar para criar, ao invés de apenas reproduzir protocolos.
A meus ex-alunos digo: nunca foi tão importante multiplicar o que vocês aprenderam. Eles sabem por que é fundamental a segunda dose numa imunização. Aos meus futuros alunos, posso prometer: as aulas de imunologia já estão, a partir de agora, muito mais interessantes.