Há alguns anos realizei um sonho de estudante de Biologia e fui conhecer a Grande Barreira de Corais da Austrália, aproveitando o convite de um colega para falar num congresso local. São 2,9 mil recifes espalhados por 900 ilhas, quase 400 mil metros quadrados de área total. O mosaico de cores, a beleza das praias e a biodiversidade às vezes feroz são amados por alguns apenas por existirem; por outros, que compreendem cientificamente a importância de preservar aquele ambiente; e, finalmente, por outros ainda, por constituir o principal alicerce do turismo da Austrália, a pedra fundamental na economia de um país cuja metade da área terrestre é deserto.
Tudo na Austrália lembra os recifes: símbolos de lojas, desenhos decorativos em estabelecimentos, publicidade dos mais diversos negócios. Nas lojas, são proibidas embalagens e sacolas plásticas – se for plástico, tem de ser biodegradável. Há muito tempo, todos os segmentos da sociedade entenderam que, apesar de suas diferenças filosóficas, preservar aquele patrimônio natural era defender a economia do país.
Lembro de pensar, na época, que, ao contrário dos turistas de outros países, eu já tinha visto na minha terra muita beleza que rivalizava com aquela – principalmente nas praias do nordeste brasileiro, onde os recifes se banhavam em águas mais quentes e a fauna era menos letal. Nunca havia visto, contudo, a proteção tão profundamente institucionalizada do patrimônio natural, que era como patrimônio econômico, tanto pela direita quanto pela esquerda, tanto por religiosos, como políticos, empresários e ativistas.
Comentando com colegas, um deles salientou que haviam sido criados pelo governo brasileiro – na época, 2013 – planos de proteção ambiental, que incluíam um Plano Nacional de Contingência para Poluição por Óleo. Esses planos foram construídos por comitês compostos por cientistas de diferentes especialidades: biólogos, químicos, engenheiros, administradores públicos. Ali se detalhavam as responsabilidades e ações em cada caso – seja qual for a origem ou causa do desastre, que vai sendo apurada em paralelo.
Quando surgiu a mancha de óleo que há dois meses se estende por algo como 200 praias, em nove Estados brasileiros, fiquei esperando a implementação do Plano, que não aconteceu até hoje.
Cientistas são provavelmente as criaturas mais céticas na face da Terra. Duvidamos, por treinamento, uns dos outros: críticas profundas de colegas são importantes para melhorar nosso trabalho. Duvidamos até dos dados que nós mesmos produzimos, repetindo testes cada vez mais rigorosos. Quando um grupo de cientistas concorda que um conjunto de medidas precisa ser tomado, trata-se de um momento raro, resultante de muito debate, teste e reflexão. Esse é o trabalho de uma sociedade civil, independentemente de preferências políticas e filosóficas: usar seus melhores recursos para proteger seus cidadãos e seu patrimônio – natural, cultural e econômico. Atribuir culpas é pretexto para não agir. Mais uma vez, depois dos incêndios amazônicos, essa inércia é cúmplice de um crime contra o país.