Caro Dr. Mauricio Rocha e Silva,
Infelizmente, para mim, não nos conhecemos. Em 1983, quando o senhor nos deixou, eu me preparava para cursar Biologia. Quando me formei, devia ter mais ou menos a sua idade quando se formou em Medicina, pela UFRJ, e aceitou uma oferta da USP para montar um laboratório no recém-inaugurado Instituto Biológico, em 1934. O senhor sempre foi apaixonado por ciência – queria fazer pesquisa. Mas isso pouco existia no Brasil. Imagino sua ansiedade, que o fazia corresponder-se com pesquisadores da Rockefeller e do University College de Londres, ávido pela troca de ideias.
Enquanto o senhor ajudava a construir o que seria uma das nossas grandes universidades, o mundo estava entrando em guerra. Os corpos humanos eram destruídos por bombas. Uma demanda que surgia era como recuperar os soldados. Imagino o senhor tomando um café com Gastão Rosenfeld, do Instituto Butantã, e estudando antídotos para venenos de cobra. E os dois entusiasmando-se com a ideia de tentar isolar, na saliva da jararaca, algo que modulasse o fluxo sanguíneo, pois, quando a cobra mordia, a pessoa sangrava sem parar. Mas, quando o seu aluno Wilson Beraldo lhe ajudou a montar o sistema de cilindros para medir o efeito do veneno no sangue das cobaias, e depois no intestino, a surpresa deve ter sido grande, né? Porque o resultado foi que os músculos se contraíam, só que de maneira mais lenta. Por isso vocês chamaram de bradicinina – movimento lento. Silvia Andrade e Elaine Prado isolaram a bradicinina pura, que tinha e feito de baixar a pressão arterial. E vocês foram mapear o que se tornaria o primeiro caminho fisiológico para controlar a hipertensão. Sempre desbravador, o senhor foi para Ribeirão Preto e ajudou a construir um dos principais centros de farmacologia do país.
O trabalho de Mauricio Rocha e Silva e sua equipe viraria filme na Inglaterra ou nos EUA.
Onde, em 1960, Dr. Sergio Ferreira descobriu o princípio da droga conhecida hoje como o captopril – um inibidor da enzima que controla a pressão arterial. Hipertensão é a segunda principal causa de morte no mundo, e a maioria das pessoas com mais de 40 anos toma diariamente esse medicamento.
Dr. Mauricio, o senhor e seu grupo foram gigantes. Pouca gente sabe disso, porque o Prêmio Nobel foi para um inglês (JohnVane) e a patente do captopril ficou com uma indústria farmacêutica grande (a BMS). Na sua época, os cientistas careciam de apoio do governo e de empresários, e ninguém se preocupou em reivindicar a primazia das suas descobertas.
Preciso lhe dizer que isso não mudou. Muitos acham que cientistas brasileiros não fazem pesquisa de qualidade, de impacto. Seu trabalho viraria filme na Inglaterra ou nos EUA, mas, aqui, não se valorizam essas histórias. As pessoas podem achar que, se o senhor não ficou rico, ou famoso, seu trabalho não é importante. Olha, se depender de mim, vão saber. Vou contar.