Na mais nova série do universo Star Trek, desenvolvida neste ano para a Netflix, um dos personagens centrais desenvolve a capacidade de agir como um "motor" especial, transportando a nave através do tempo e do espaço. (Atenção: a partir daqui, spoilers!) Ele teve o seu DNA, seu material genético, misturado com o de um ser alienígena. De algum modo, o novo ser híbrido adquiriu essa habilidade, podendo levar a nave Discovery (em inglês, "descoberta") onde – e quando – ninguém jamais esteve.
Enquanto alguns acham que ficção científica é o mesmo que fantasia, outros criam DNA alienígena em nosso planeta. Nosso DNA é um texto em código, em que estão escritas nossas características. Esse código tem quatro letras (as bases A,T,G e C). Elas trazem informações para centenas de milhares de proteínas, que formam os seres vivos. Combinações de três letras, AGC, por exemplo, querem dizer o aminoácido serina; CGA quer dizer arginina. Do código, inferimos a sequência dos aminoácidos; e a sequência nos dá cada proteína. As plantas fazem os aminoácidos a partir do ar; nós comemos as plantas, e refazemos alguns aminoácidos para montar nossas proteínas. Assim tem sido desde que a vida surgiu na Terra: os mesmos aminoácidos, as mesmas proteínas, o mesmo DNA.
Isso até alguns anos atrás, quando cientistas desenvolveram novas letras e novos aminoácidos. Na semana que passou, o químico Floyd Romesberg, do Instituto Scripps, na Califórnia, achou um jeito de incorporar esse novo DNA em um ser vivo. Ele e seus colegas manipularam células da bactéria Escherichia Coli para incorporar dois tipos novos de bases – ou letras – em seu DNA. As bactérias leram então essa nova informação e a traduziram, incorporando aminoácidos sintéticos para formar uma proteína fluorescente. Essa é a biologia sintética, expandindo as fronteiras do que conhecemos como vida.
Os cientistas chamaram isso de DNA alienígena, um nome descolado, mas que não fica longe da verdade. As novas bases e os novos aminoácidos são sintéticos. Mas o fato de que hoje já funcionam em uma bactéria evidencia o que poderia acontecer com esses compostos se fossem originários de outro planeta. O híbrido Tenente Stametz de Star Trek faz a nave viajar no tempo-espaço; a bactéria híbrida californiana fica fluorescente.
Penso no grupo da Califórnia, penso nos meus colegas cientistas no Brasil e no resto do mundo. Esses indivíduos, mesmo numa época cheia de retrocessos e crueldades que testemunhamos diariamente, não deixam de sonhar.
Um ser tão pequeno levando a humanidade a desbravar mais uma fronteira. Num futuro próximo, isso nos possibilitará criar novos e melhores medicamentos e alimentos, tratar doenças genéticas e, certamente, fazer outras coisas que sequer imaginamos. Penso no grupo da Califórnia, penso nos meus colegas cientistas no Brasil e no resto do mundo. Esses indivíduos, mesmo numa época cheia de retrocessos e crueldades que testemunhamos diariamente, não deixam de sonhar. E o mais bonito é, apesar de todas as dificuldades, trabalhar para ir sempre além do sonho. Quisera todos pensássemos assim: em frente a algo que parece imutável, pensar diferente e, literalmente, reescrever o alfabeto.