Na gíria televisiva, há uma expressão para aquele momento em que uma série (ou novela), depois de perder definitivamente o rumo, lança mão de algum recurso absurdo e desesperado com o objetivo de voltar a atrair a atenção da audiência. O termo "jump the shark" ("pular o tubarão") foi inspirado em um episódio da série americana Happy Days, fenômeno de audiência nos anos 1970. A certa altura da história, Fonzie (Henry Winkler), protagonista da série, é desafiado a pular por cima de um tubarão enquanto está esquiando. A cena tornou-se emblemática porque, além de não fazer qualquer sentido, contrariava tudo o que se sabia sobre o personagem até ali. Desde então, no mundo das séries, "pular o tubarão" significa rolar ladeira abaixo, desandar, perder a conexão com o público – e, em alguns casos, até mesmo com o bom senso.
Nos últimos tempos, na política brasileira, fomos nos acostumando a pular criaturas cada vez maiores e mais feias, sempre com aquela sensação de que o roteirista – se houvesse algum – já andava exagerando nos lances desesperados e absurdos para chamar nossa atenção. Começamos pulando golfinhos e orcas, passamos pelos tubarões e pelos cachalotes, e a esta altura estamos pulando toda a família do Monstro do Lago Ness. Em fila indiana.
Na vertical.
Uma pesquisa do Datafolha divulgada no último domingo revelou que o presidente Michel Temer alcançou a mais alta taxa de reprovação da história do instituto desde 1985, quando o índice começou a ser medido, com sólidos 82% dos entrevistados afirmando que o governo é "ruim" ou "péssimo". Com índices como esses, o que não faltam, nos últimos dois anos, são momentos em que pulamos tubarões nunca dantes ultrapassados. (Você, como eu, deve ter os seus preferidos...)
A greve dos caminhoneiros, por exemplo, forneceu cardumes deles para os livros de História. Mas estamos chegando ao ponto em que já se tornou possível eleger o "tubarão do dia": o fato absurdo, descabido, revoltante que parece elevar nosso mal-estar cotidiano a um novo patamar – a cada meras novas 24 horas de noticiário.
Na terça-feira, a caminho da Redação, ouvindo o comentário da Rosane de Oliveira sobre uma nova operação da Polícia Federal, pensei que Cristiane Brasil, a deputada ex-quase futura ministra do Trabalho, investigada por supostas fraudes exatamente na área que iria assumir, era uma bela candidata a tubarão da terça-feira. Não que alguém tenha ficado surpreso com os indícios de corrupção no ministério ou com o envolvimento da deputada, mas pela ironia, quase poética, de flagrar uma raposa com as chaves do galinheiro ainda na mesinha de cabeceira.
Mas nossos dias andam longos e agitados, e antes do final da tarde de terça veio a notícia de que o governo, via medida provisória, estava transferindo recursos da Cultura para o recém-criado Sistema Único de Segurança Pública (Susp). De novo: o gesto não é surpreendente ou incompatível com o conjunto da obra deste governo (quatro ministros da Cultura em dois anos e uma tentativa fracassada de extinguir a pasta), mas pela triste ironia de imaginar que o dinheiro que celebrava a vida e a esperança através da arte e da cultura vai ser transformado em munição na ciranda da violência.
E então, qual será o tubarão da quarta-feira?