Em O Futuro de uma Ilusão (um dos títulos que fazem parte da seleta listinha de "livros que mudaram a minha vida"), Freud distingue três formas de autoengano. A primeira é a que ele chama de "erro". Uma pessoa mal-informada, convencida de que a Terra é plana ou de que as vacinas fazem mal para a saúde, está cometendo um erro. Esse tipo de equívoco tem cura, mas exige transfusão imediata de fontes de informação e alguma capacidade de autocrítica.
Já a "ilusão" não é necessariamente um erro, mas implica o forte desejo de acreditar em alguma coisa – mesmo contra todas as evidências em contrário. A donzela que espera encontrar um príncipe (ou vice-versa) com quem será feliz para sempre em doce e alegre harmonia cultiva uma das mais antigas e populares ilusões do mundo. Até pode acontecer, claro, mas amores de contos de fadas não são exatamente a regra na vida real. Também nos iludimos quando imaginamos que alguém (mais forte, mais sábio, mais poderoso) será capaz de resolver nossos problemas por nós. Acontece de vez em quando, é verdade, mas geralmente quando ainda somos crianças e nossos problemas estão ao alcance dos superpoderes de uma boa mãe.
Freud chama de "delírio" aquilo que apresenta uma contradição tão grande com a realidade que se aproxima da alucinação psiquiátrica. A donzela, nesse caso, não sonha com um príncipe no sentido figurado, mas com um membro da família real britânica em uma imaginária visita diplomática a Porto Alegre. Usuários de WhatsApp costumam ser abastecidos diariamente com "notícias" que se enquadram nessa modalidade olímpica de autoengano.
Freud escreveu O Futuro de uma Ilusão, em 1927, movido pelo desejo de demonstrar como o nosso irremediável desamparo, como espécie, pode nos levar a trocar a razão pelo alívio fácil do pensamento mágico. A razão nos diz que: 1) desastres acontecem e 2) a morte é incontornável. Não controlamos o destino e, mesmo que tenhamos a sorte de levar uma vida tranquila e sem grandes atropelos, nunca sabemos como essa história vai terminar. Diante dessa sensação de desamparo e fragilidade frente ao que não podemos controlar, uma das respostas humanas mais comuns é a de recorrer à fantasia infantil de que alguém mais forte vai aparecer para nos proteger e salvar. Para a alquebrada Alemanha da época de Sigmund Freud, a resposta veio logo em seguida, na figura de um ditador que se autoproclamava simplesmente "o líder".
Tornar-se adulto, ensina Freud, significa aceitar que quase nada que nos aflige seriamente será resolvido de forma simples e sem o concurso do nosso próprio esforço e sacrifício. Nos últimos dias, surgiram muitas vozes sensatas tentando entender as origens políticas e sociais da delirante campanha pela volta do regime militar que ganhou fôlego durante a paralisação dos caminhoneiros. Mas o tempo todo eu só me lembrava de Freud: "O ser humano não pode permanecer eternamente criança, tem de finalmente sair ao encontro da 'vida hostil'. Podemos chamar a isso de educação para a realidade".
O Brasil precisa crescer, sim, mas não apenas naquilo que pode ser medido pelo PIB.