Fui ver quais restaurantes de Porto Alegre são mais velhos do que eu.
Encontrei onze com mais de cinquenta anos:
Conheço um por um. Mais do que conhecer, frequento os estabelecimentos desde pequeno. Seus proprietários me viram crescer, acompanhando integralmente as fases da minha formação: criança, adolescente, universitário, formado, trabalhando, casado, com filhos.
Não preciso receber o cardápio. Eles me servem telepaticamente pelo olhar.
É estranho e emocionante pensar que eles testemunharam os meus mais diferentes estilos, as cascas da minha metamorfose, do guaraná até a cerveja, da cabeça de penugem de bebê até a careca de adulto, da cadeirinha alta até a cadeira de cabeceira daquele que paga a conta.
Não tenho o que esconder. Entrar pelas suas portas é o equivalente a me ajoelhar num confessionário.
Alguns garçons são os mesmos da minha infância. De minhas babás, viraram conselheiros amorosos e padrinhos do meu apetite.
Não preciso receber o cardápio. Eles me servem telepaticamente pelo olhar. Nosso silêncio é ensaiado. Sequer posso pedir algo diferente. É o lombinho com queijo do Barranco, é a salsicha Bock com queijo da cozinha alemã do Walter, é o a la minuta acebolado do Alfredo, é a dobradinha do Naval, é o peixe do Gambrinus, é o filé ao alho e óleo do Santo Antônio, é o camarão à milanesa com arroz à grega do Pampulhinha, é a almôndega do Tuim, é o entrecôte com molho de mostarda do Chalé, é o bolinho de aipim recheado com carne seca e requeijão do Rock’s, é o xixo do Komka.
Trata-se de um time de onze restaurantes heroicos, resilientes e épicos. Meu time dos sonhos.
Onze lugares acompanhando namoros que se transformam em matrimônios, celebrando amizades com as bolachas de chopp e cantando os aniversários de seus clientes.
Onze milagres que não sucumbiram nem com as portas fechadas da pandemia.
Onze fortalezas da teimosia com mais de meio século de anedotas e casos. Para uma capital que tem 250 anos, correspondem a uma grande média de preservação histórica.
São onze endereços tombados pela paixão do público, cartões postais da família, pontos de encontro de três gerações.
São onze casas que jamais deixaram de atender com qualidade, não importando a carestia ou a bonança dos governos. Sobreviveram ao Milagre Econômico, ao Plano Nacional de Desenvolvimento, ao Plano Cruzado e fiscais do Sarney, ao Plano Collor de confisco da poupança, ao Plano Real.
Adaptaram-se aos tempos bicudos, acolheram as personalidades e bichos das cédulas, migraram das velhas caixas registradoras ao Pix.
Em suas mesas, passamos pelo regime militar, pelas Diretas Já, pela redemocratização do país, pelo impeachment de dois presidentes, pela polarização política.
Eu queria agradecer a cada um deles. Eles têm toda a minha vida.