Na semana passada, enquanto o país debatia o dólar e o corte de gastos públicos, um retrocesso contra os direitos da mulher ganhou força na Câmara dos Deputados. Trata-se da chamada PEC do Aborto, proposta de emenda à Constituição que, na prática, proíbe a interrupção legal da gravidez no Brasil, mesmo nos casos já autorizados em lei ou por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Por 35 votos a favor e 15 contrários, o texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. Agora, antes de chegar ao plenário, será debatido por uma comissão especial. Se aprovado, seguirá para exame do Senado.
No caso do aborto, o Brasil já possui uma legislação bem restritiva: a gestação só pode ser interrompida nos casos de risco de vida da gestante, estupro ou má-formação cerebral do feto (anencefalia)
É a segunda investida contra o aborto legal em pouco tempo. Em 12 de junho, foi aprovado o regime de urgência para o Projeto de Lei 1904/2024, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que visa equiparar o aborto a um crime de homicídio simples em gestações com mais de 22 semanas, mesmo nos casos em que a suspensão da gravidez é autorizada pela legislação. Com a definição da urgência, a proposta está pronta para ser votada pelo plenário, o que só não aconteceu ainda porque não foi pautada pelo presidente da Câmara.
O patrocínio dessa ofensiva é da ala religiosa do Congresso Nacional, em especial da Frente Parlamentar Evangélica, composta por cerca de 230 deputados e senadores, que age no Legislativo para estender sua pauta de costumes ao restante da sociedade. Nada contra os religiosos. A Constituição Federal, em seu Artigo 5º, garante a liberdade de credo, regulamentando a pluralidade religiosa como um direito fundamental. Essa garantia, no entanto, exige reciprocidade: nenhuma opinião deve ser imposta a terceiros. Todas as formas de pensamento devem ser respeitadas. Infelizmente, muitas correntes não levam isso em conta e tentam transformar seus pontos de vista em regras universais.
No caso do aborto, o Brasil já possui uma legislação bem restritiva: a gestação só pode ser interrompida nos casos de risco de vida da gestante, estupro ou má-formação cerebral do feto (anencefalia). Mas, por entenderem que a vida é inviolável desde a concepção, os líderes evangélicos não se contentam em fiscalizar a regra junto aos seus simpatizantes. Querem transformá-la em obrigação para toda a sociedade brasileira, o que não pode ser tolerado. É preciso proteger nossas mulheres dessa cruzada moralista e retrógrada.