Foi coisa de 10 dias o que impediu o produtor Itamar Piccolo, de Jaguari, na Região Central, de colher uma safra cheia no último verão. A água da enchente tomou a propriedade na fase final da colheita, levando com ela grãos que, especialmente naquela temporada, tinham tudo para ser de alta qualidade.
— Se tivéssemos tido mais 10 dias de tempo bom, teríamos escapado. Tudo pronto (para colher) e acontece isso. Mas a gente se criou assim, e faz parte. Os produtores vivem de altos e baixos, a vida é essa — relembra Piccolo.
Nem mesmo a pior perda desde que está na atividade fez o agricultor de 55 anos mudar de planos. Amarrado na resiliência que é própria da produção, encerrou na metade de dezembro o plantio da nova safra e nutre boas expectativas pelo que poderá colher nos 600 hectares de soja e nos 300 hectares de arroz que foram semeados para o verão.
Parte do otimismo vem já do plantio, feito este ano no calendário regular, ao contrário do ano passado, que teve atrasos.
— Comecei e terminei de plantar no tempo certo e a “nascidas” até aqui estão muito boas — observa o produtor.
Assistente de culturas da Emater, Alencar Rugeri diz que o primeiro indicativo para uma safra dentro dos conformes é a sua largada. Neste ciclo, apesar das dificuldades de crédito para implementar as lavouras ou do solo ainda prejudicado em algumas localidades, os produtores conseguiram manter o cronograma. Na soja, principal cultura da estação, a semeadura estava praticamente encerrada até a virada do ano.
— O plantio está acontecendo dentro de uma normalidade maior que o ano passado, e isso é um alento. O que nos resta agora é saber qual a qualidade deste plantio em função das safras passadas, pela dificuldade que se acumula — diz Rugeri.
Com as devidas ressalvas aos contratempos que ainda podem ocorrer durante o desenvolvimento das lavouras, as expectativas até aqui são de que a safra 2024/2025 seja satisfatória no Rio Grande do Sul.
A projeção inicial da Emater, referência para o ciclo, é de que a colheita some 35 milhões de toneladas de grãos no Estado, alta de 16,9% em relação ao ano passado. Já a Conab espera 38,29 milhões de toneladas de grãos, aumento de 3,3% sobre a safra anterior, o que configuraria um recorde de produção.
Em termos de condições para tal, seria a melhor safra desde 2021, quando o Estado atingiu recorde de produção (20,4 milhões de toneladas). O momento, no entanto, é de cautela:
— Não se espera uma safra extraordinária, mas boa dentro do que se tem. Não temos grandes expectativas de supersafra, mas sim de que será uma boa safra — pondera o extensionista e diretor técnico em exercício da Emater, Luis Bohn.
A Federação da Agricultura do RS (Farsul) também prefere ser prudente em relação às projeções e não arrisca uma estimativa própria. A federação entende que ainda não há condições de se calcular como será a safra em razão das quebras dos últimos anos, das incertezas climáticas e de como as lavouras estão sendo implementadas.
— A safra deve vir maior. Se colhermos — ressaltou o economista chefe da Farsul, Antônio da Luz, no balanço da entidade.
O economista traz ressalvas principalmente sobre as condições das áreas que estão sendo plantadas, seja pelo crédito disponível para investir em nível tecnológico ou pela condição da própria terra após a enchente. Além disso, há incerteza em relação às condições climáticas em janeiro e fevereiro, meses determinantes para as culturas. Os modelos indicam que pode haver chuva abaixo da média pela ocorrência de La Niña.
Boletim divulgado pelo Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado (Copaaergs), elaborado por especialistas em agrometeorologia e agricultura, lista uma série de cuidados para proteger os cultivos. Para os grãos de verão, as orientações incluem reserva de água para irrigação e controle de pragas. Já para a fruticultura e o cultivo de hortaliças e outras culturas, orienta-se o uso racional da água e o uso de estruturas que possam proteger as plantas das altas temperaturas.
Papel na economia
O peso que recai sobre a safra é também de ordem econômica. E vai muito além do campo. O desempenho da agropecuária, sobretudo da colheita de verão, é um balizador da atividade econômica no Rio Grande do Sul. Em 2024, mesmo não retomando o crescimento interrompido pela seca, o agro foi o setor que mais puxou o PIB gaúcho, conforme os dados divulgados na quinta-feira (2).
O tamanho da produção transborda na indústria, como no processamento de grãos e na fabricação de máquinas, e nos serviços, que giram a economia dos municípios. Na avaliação do economista chefe da Farsul, a combinação de resultados no agro e na indústria pode fazer PIB do RS crescer mais do que o do Brasil em 2025, por exemplo.
— O PIB de ambos cresce muito parecido, a diferença é justamente em anos de estiagem e de recuperações. Acreditamos que em 2025 possamos ter uma safra melhor do que a deste ano. A indústria, por outro lado, cresceu bem menos em 2024 do que a média do Brasil. Como é movida a grão, e vem de uma base fraca, que é 2024, acreditamos que também passe a ter um desempenho um pouco melhor em 2025 — disse Luz ao Campo e Lavoura da Rádio Gaúcha (ouça aqui).