Em um mundo conectado, o conhecimento está acessível para muito mais gente do que alguns anos atrás e a evolução tecnológica tende a se equiparar no mercado. Por isso, o serviço acaba sendo alternativa para as empresas que buscam posição de destaque. O fenômeno não é exclusividade do agronegócio. É só pensar nas marcas mais valiosas do mundo. Em 2018, pela primeira vez, o Spotify, serviço de música por assinatura, figurou na lista divulgada pela consultoria Interbrand e encabeçada pelas gigantes de tecnologia Apple, Google, Amazon e Microsoft.
Em comum, oferecem diversidade de facilidades por meio de planos de assinatura; algumas vendem também produtos, outras exclusivamente serviços.
– Uma operadora de celular não comercializa mais o aparelho, vende o uso de dados e aplicativos. Guardadas as proporções, é o que estamos vendo no setor agro – afirma Maurício Menezes, gerente de marketing tático da John Deere.
Para Menezes, a John Deere pode ser encarada como uma empresa de tecnologia. Neste ano, passou a comercializar um projeto anunciado em 2018 em parceria com a Trópico, empresa de telecomunicações. A promessa é levar conectividade a áreas sem sinal de celular.
O serviço por assinatura é conveniente para todos. Quem vende tem receita recorrente, e quem compra usa enquanto precisa e tem flexibilidade para trocar o serviço.
MAURÍCIO MENEZES
Gerente de marketing tático da John Deere
Instalada na propriedade, uma torre de transmissão com receptor mais forte do que o de um smartphone capta o sinal mais próximo e o amplifica. Como opcional, um modem pode ser instalado em uma máquina agrícola para disponibilizar o sinal no meio da lavoura.
Há uma taxa pelo uso do serviço que varia de acordo com as necessidades do cliente. Não é a primeira vez que a John Deere cobra por serviço. Oito anos atrás, começou a vender acesso a sinal de GPS mais refinado por meio de contratos que podiam ser anuais ou de três meses.
– O serviço por assinatura é conveniente para todos. Quem vende tem receita recorrente, e quem compra usa enquanto precisa e tem flexibilidade para trocar o serviço – diz Menezes.
Hoje, diferentes empresas oferecem outros tipos de serviços por assinatura ou pacotes, como imagens aéreas das lavouras feitas por satélites ou drones. Há ainda o monitoramento remoto de máquinas que possibilitam um suporte proativo. No caso do serviço da norteamericana John Deere, o técnico é informado sobre eventual problema antes mesmo de o operador percebê-lo.
– É possível diagnosticar a necessidade de um conserto à distância. Quando o técnico vai a campo, já leva a peça correta – explica Menezes.
A onda de apostas em serviços chega atrasada no campo porque o tempo de adesão a novidades do marketing e da tecnologia de informação é mais longo, explica Mariangela Albuquerque, diretora-executiva da Agromarketing:
– Estamos falando de um setor com foco em produção de bens, commodities, e de lucratividade baixa. Mas, finalmente, as empresas estão buscando se diferenciar por serviço, o que tende a se acelerar.
Melhorar gestão para ampliar produtividade
Oferecer informações ao produtor, que resultem em melhor gestão dos recursos e, por fim, em maior produtividade é a chave para um serviço ser bem-sucedido no agronegócio. Mariangela defende que é preciso colocar o cliente no centro do negócio e fazê-lo enxergar o diferencial do serviço. O conceito de customer experience – ou experiência do cliente – é novo no Brasil, mas já difundido no Exterior. Pelo menos duas marcas do setor de máquinas e implementos agrícolas – John Deere e AGCO – já têm executivos dedicados ao tema. Para a consultora, as empresas precisam entender as necessidades do produtor.
Foi a partir de uma demanda da clientela que a Silo Verde virou a chave do seu negócio para os serviços. A startup de São Leopoldo recebeu, neste ano, investimentos do grupo Triel, líder no segmento de logística agroindustrial no Brasil e América Latina. Cinco anos atrás, a marca nasceu com um produto inovador: silos feitos com módulos fabricados a partir de garrafas pet. Há cerca de dois anos, passou a oferecer também assessoria, independente da venda dos silos.
Com um software que analisa condições de armazenamento como umidade, temperatura e consumo, é possível coletar e analisar dados. Manolo Machado, sócio-fundador da startup, conta que chegou um momento em que a consultoria começou a chamar mais a atenção dos clientes e foi naturalmente ultrapassando a receita dos produtos. Hoje, o serviço representa cerca de 70% do faturamento da Silo Verde.
– Processamos os dados e entregamos informações que, muitas vezes, vão além do que os clientes esperavam. Assim, eles descobrem padrões que desconheciam e vamos aprendendo o que é valor para cada um deles. É uma mudança de modelo do próprio mercado – explica Machado.
Operador poderá ser dispensável
Máquinas coletam um volume de dados cada vez maior em diferentes fases da produção. Mas nem sempre o agricultor tem capacidade técnica para analisá-los. A indústria passou a ver nos serviços uma oportunidade de oferecer algo a mais, aproveitando a credibilidade da empresa que já entrega o produto. As inovações estarão presentes cada vez mais na inteligência das máquinas, em um futuro onde os veículos serão totalmente autônomos: leem o ambiente e tomam decisões dispensando o operador.
Grandes indústrias aliam-se a empresas de tecnologia para oferecer soluções de análise de dados para a tomada de decisões. Neste ano, pelo menos duas marcas lançaram serviços de agricultura de precisão que prometem maior embasamento na gestão. Dados coletados são analisados em tempo real, vantagem oportuna à medida em que as janelas de plantio são cada vez mais apertadas.
Em parceria com as empresas brasileiras Tecgragf e InCeres, a AGCO apresenta o pacote de soluções Farm Solutions. Uma das facilidades é a criação de projetos de linhas de tráfego a serem executadas no campo por máquinas com piloto automático. A novidade promete menor compactação do solo e ampliar o aproveitamento da área disponível para plantio.
A Case IH traz soluções desenvolvidas em parceria com a Farmers Edge, empresa de agrotecnologia canadense.
Entre os serviços estão imagens de satélite e acesso ao suporte de um agrônomo na propriedade para desenvolver planos sob medida. De acordo com a fabricante, é possível conectar frotas de máquinas atuais e antigas no novo sistema.
Governo estuda plano de conectividade na área rural
Para que esses serviços sejam utilizados em todo seu potencial, é preciso vencer a barreira da baixa conectividade no campo. Pouco mais de 40% da população nas zonas rurais acessou a internet em 2017, segundo o IBGE. Resolver esse problema é prioridade do Ministério da Agricultura, afirma Fabricio Juntolli, coordenador do Departamento de Apoio à Inovação para Agropecuária. De acordo com ele, um plano nacional de conectividade nas zonas rurais está em gestação. Ainda em 2018, o ministério encomendou estudo à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), para analisar a abrangência do sinal no campo.
Para Juntolli, a internet permite desde o acesso facilitado à assistência técnica remota até capacitação à distância. Uma das possibilidades é a utilização dos chamados white spaces, espaços em branco nas frequências de radiodifusão, que se tornaram obsoletos com o fim da televisão analógica e estão presentes em lugares onde hoje a banda larga não chega. A regulamentação do uso do espectro ocioso faz parte do Plano Estratégico 2015-2024 da Anatel, que já concluiu a Análise de Impacto Regulatório.
Startup faz diagnóstico da mastite
Um minilaboratório montado na fazenda promete diagnosticar a causa da mastite em 24 horas. Depois de um teste no leite baseado em diferenciação de cores, a imagem da solução é carregada no aplicativo do smartphone e entrega na mão do produtor o resultado que levaria dias para chegar do laboratório.
Não existe mais segredo de produção, a informação está aí para todo mundo. E quando o preço não é mais um diferencial, o serviço se torna essencial.
EDUARDO PINHEIRO
Sócio-fundador da Onfarm
A smartlab não tem nada de revolucionária: é um armário branco de 80 centímetros por 80 centímetros, com duas portas, onde estão a estufa para incubação do leite coletado e apetrechos como tubos e luvas. A Onfarm, startup de Uberlândia (SP) oferece o kit em comodato. O que eles vendem? A possibilidade de reduzir o uso indiscriminado de antibióticos. Ou em bom português, serviço. O projeto venceu, em 2018, o Ideas for Milk, competição nacional de startups promovida pela Embrapa e voltada para a produção do leite.
– Não existe mais segredo de produção, a informação está aí para todo mundo. E quando o preço não é mais um diferencial, o serviço se torna essencial – diz Eduardo Pinheiro, sócio-fundador da Onfarm.
A partir de sinais clínicos do processo inflamatório que atinge a glândula mamária, como a presença de grumos no leite, inchaço no úbere e febre, o produtor pode coletar o leite para o teste. Mais de cem bactérias podem causar a mastite, sendo que cerca de 20 são as mais comuns. Com base no diagnóstico, o aplicativo sugere protocolos de tratamento. Ou até mesmo a opção de não intervir, já que, dependendo do agente causador da doença, o próprio sistema imune do animal pode curá-lo, dispensando o uso de antibiótico.
Para driblar falta de conectividade no campo, o aplicativo funciona offline. Cristian Martins, sócio-fundador da Onfarm, diz que mais de 70 propriedades brasileiras já contam com o serviço por planos de assinatura. Ao adquirir o pacote, o cliente recebe treinamento de quatro horas na fazenda para aprender a operar o laboratório móvel e o aplicativo. Além disso, conta com suporte técnico.
No Rio Grande do Sul, os smartlabs estão presentes em duas propriedades. Uma delas é a Granja Scherer, em Três Passos, com um rebanho de 370 vacas. O objetivo ao contratar o serviço, explica Karen Scherer, é reduzir custos e agregar valor ao produto final.
Uma vaca com mastite pode custar até R$ 390 a cada três dias doente, de acordo com a estudante de farmácia que trabalha na propriedade da família. Além do leite descartado, gasta-se com medicamento e produtos para higienizar o sistema de ordenha. Karen explica que um tratamento inadequado da mastite compromete o sistema imunológico do animal, portanto, destaca, há também ganho na qualidade do leite.