Reverenciado em prosa e verso pelos gaúchos, o Pampa ganhou atenção internacional durante a COP28 realizada em Dubai, nos Emirados Árabes. Ao declarar ter descoberto somente agora que o ambiente pampiano constitui um bioma, a exemplo da Amazônia ou do Cerrado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ilustrou o fato de que muitos brasileiros desconhecem que os campos sulistas têm alta relevância ecológica. A falta de uma maior conscientização sobre seu papel ambiental também explica por que é o ecossistema com o maior nível de ameaça em todo o país atualmente.
A acelerada perda de vegetação nativa por conta da expansão da fronteira agrícola e da disseminação de espécies exóticas, associada à tímida implantação de áreas protegidas, deixa sob risco uma riquíssima biodiversidade. Um estudo liderado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) revela que mais de 12,5 mil espécies vivem entre as coxilhas verdejantes típicas do Estado – 9% de todo o tipo de vida encontrado no Brasil, embora o sistema represente apenas 2,3% do território nacional.
Tamanha importância biológica é muitas vezes ignorada, na avaliação do professor do Departamento de Botânica da UFRGS Gerhard Overbeck, pelo fato de que esse bioma é caracterizado por uma vegetação mais rasteira e menos exuberante do que a de uma floresta.
— Há um desconhecimento geral de que a vegetação do Pampa é nativa, e menos ainda se sabe que esses ecossistemas são extremamente ricos em biodiversidade. Biodiversidade, para muitos, existe nas florestas tropicais como Mata Atlântica ou Amazônia, mas não nos campos que, de longe, parecem ser uniformes e pouco diversos — analisa Overbeck.
No sábado passado, em um evento com representantes de organizações civis, Lula confirmou essa confusão frequente ao discursar:
— Descobri até que o Pampa é um bioma, eu nunca tinha tratado o Pampa como bioma (...). A gente se preocupa muito com a Amazônia, a gente se preocupa muito com a Mata Atlântica, mas a gente tem que se preocupar com o Pantanal, com a Caatinga, com o Cerrado, e com o Pampa.
O presidente acertou ao citar a necessidade de se preocupar com a preservação do cenário que corresponde a 70% da área do Estado e, no Brasil, é exclusivo do Rio Grande do Sul. Um levantamento da organização MapBiomas, que reúne pesquisadores de todo o país para monitorar a preservação ambiental, revela que o Pampa gaúcho perdeu 32% de seu campo nativo entre 1985 e 2022 — pior desempenho proporcional em comparação a Uruguai e Argentina, por onde ele também se espalha.
Em termos absolutos, a perda desses 2,9 milhões de hectares de vegetação original em menos de quatro décadas equivale a 58 vezes a área de Porto Alegre. Uma das razões para essa deterioração galopante é o avanço da agricultura sobre terrenos onde antes era mais comum a produção pecuária — atividade que, bem manejada, preserva a natureza. O relatório do MapBiomas aponta para um crescimento de 39% na cobertura agrícola em solo pampiano ao longo do mesmo período, puxada principalmente pela soja.
— Não condeno a agricultura, recentemente tivemos também a expansão da silvicultura, mas a agricultura é a principal responsável pela diminuição do campo nativo. Um pouco por conta do arroz, cuja área cresceu e depois estabilizou, mas principalmente pela soja, que segue avançando. O problema não é a atividade em si, mas é preciso ter um equilíbrio — analisa o biólogo Eduardo Vélez, integrante da equipe do Pampa do MapBiomas e da empresa Geokarten.
Vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) em nível estadual e nacional, Décio Teixeira afirma que existe uma “preocupação permanente” dos sojicultores de tornar a atividade cada vez mais sustentável, e defende sua importância econômica.
— Primeiro veio o arroz, depois entrou a soja, que deu dinamismo econômico ao Estado. As lavouras trazem progresso, emprego, tudo é questão de equilibrar. Há uma preocupação permanente de contar cada vez mais com dados técnicos, usar mais insumos biológicos do que químicos e reduzir o impacto ambiental — sustenta Teixeira.
Mas Vélez chama atenção para o fato de que o sumiço do campo nativo está em aceleração, em vez de frear. Nos últimos 10 anos, segundo o biólogo, a perda média anual dessa vegetação saltou de 75 mil hectares para cerca de 120 mil hectares. Gerhard Overbeck afirma que as consequências disso são bastante danosas.
— O Pampa é o bioma que mais perde, atualmente, vegetação nativa. A consequência é a perda local de espécies, a homogeneização biológica dos ecossistemas remanescentes e a perda e redução de serviços ambientais importantes. Os ecossistemas nativos cumprem uma série de funções de alta relevância, como proteger o solo e os recursos hídricos, contribuir para o sequestro de carbono, além de serem habitat para polinizadores importantes para culturas agrícolas.
Questionada, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado (Sema) informou que utiliza como sistema principal o Brasil Mais, que traz um sistema de monitoramento e alertas. Ainda segundo a Sema, são disponibilizadas imagens de toda área do Rio Grande do Sul atualizada diariamente, dando subsídio aos agentes de fiscalização para operação mais rápida em caso indicativo de desmatamento.
Os ecossistemas nativos cumprem uma série de funções de alta relevância, como proteger o solo e os recursos hídricos, contribuir para o sequestro de carbono, além de serem habitat para polinizadores importantes para culturas agrícolas.
GERHARD OVERBECK
Professor do Departamento de Botânica da UFRGS
Soluções para o Pampa
Equilíbrio entre atividades
Hoje o campo nativo recua, enquanto atividades como agricultura e silvicultura seguem ganhando terreno. Especialistas defendem um maior equilíbrio entre os diferentes usos do solo.
Estímulo à pecuária sustentável
A pecuária, com manejo adequado (evitando sobrecarga de animais em uma determinada área, por exemplo) é considerada uma atividade econômica adequada ao Pampa, com preservação do ambiente nativo.
Combate a espécies invasoras
A proliferação de espécies exóticas de rápida disseminação, como o capim-annoni, suprime a vegetação nativa e reduzem a biodiversidade. Há iniciativas capazes de conter o avanço dessas espécies, como um projeto desenvolvido por UFGRS, LaSalle e Emater/RS na Fronteira Oeste.
Aumento de unidades de conservação
Hoje, o Pampa é o bioma menos representado entre as áreas de preservação de todo o país. Uma forma de aumentar a proteção do ecossistema é estabelecer uma maior quantidade de unidades de conservação.
Legislação específica
O professor da UFRGS Gerhard sustenta que “até hoje, não existe legislação específica de proteção do bioma, diferente do que ocorre com a Mata Atlântica”.
— O Pampa tem uma baixíssima cobertura de unidades de conservação, tornando o mais vulnerável às perdas da vegetação nativa, e programas importantes como o Programa de Recuperação Ambiental (PRA), que deve tratar da restauração ecológica de áreas degradadas, não são implementadas — complementa o especialista.
Confira nota da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura na íntegra
A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura informa que utiliza como sistema principal o Brasil Mais, adquirido através de convênio com a Polícia Federal, o mesmo utilizado para monitorar outros biomas brasileiros, como o bioma Amazônico. Assim como o MapBiomas, o Brasil Mais traz um sistema de monitoramento e alertas. No entanto, disponibiliza para a secretaria imagens de toda área do Rio Grande do Sul atualizada diariamente, dando subsídio aos agentes de fiscalização para operação mais rápida em caso indicativo de desmatamento.
Adicional a isso, a Sema atua de forma conjunta com os demais integrantes do Sistema Estadual de Proteção Ambiental – Fepam, Brigada Militar, Ibama e municípios - na fiscalização do desmatamento ilegal dos seus dois biomas.
A Sema acredita que somente a conscientização e os programas de incentivo à manutenção do Pampa são capazes de garantir a sua perpetuação, por isso, trabalha constantemente no desenvolvimento de políticas públicas de proteção e preservação, utilizando-se de programas como o Campos do Sul, que beneficia quem realiza o manejo sustentável; o Recuperação de Biomas, que só este ano já destinou mais de R$15 milhões para a recuperação do Pampa; e o Pagamento por Serviços Ambientais, que prevê recursos para quem mantiver a fisionomia do bioma.
Por fim, acrescenta que a gestão foi a responsável pela inclusão do bioma no Código Estadual de Meio Ambiente, o que trouxe reconhecimento oficial e que, a partir deste, está trabalhando em uma regulamentação específica para a conservação e uso sustentável do bioma.