A 29 dias do fim, o inverno já apresenta sinais de primavera: dias mais quentes do que o normal, árvores floridas e cantoria de pássaros estão entre os sinais clássicos da próxima estação em Porto Alegre. Especialistas ouvidos pela reportagem de GZH dizem que o cenário é consequência de estações desreguladas observadas nos últimos anos. Isso causa a adaptação de plantas e animais ao calor fora de época.
A expectativa para os próximos dias é de uma "pausa" na primavera antecipada e de dias mais frios. Segundo a Climatempo, no fim de semana, o Estado pode registrar as temperaturas mais baixas de 2023. Até o momento, a marca é de -2ºC, registrada em Vacaria, na Serra, no dia 19 de junho. A expectativa é de que São José dos Ausentes, também na serra gaúcha, e Pedras Altas, no Sul, batam esse recorde no sábado (26), com -3ºC. Já no domingo (27), o amanhecer pode alcançar -4ºC na cidade serrana.
Ainda que ocorra queda nas temperaturas nos próximos dias, o balanço até o momento é de um inverno atípico, afirma Henrique Repinaldo, meteorologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
— Realmente vemos um inverno mais quente do que o normal no Rio Grande do Sul. Junho e julho foram mais quentes, e a tendência é que agosto seja assim também. O El Niño também está associado a esse maior aquecimento no inverno da nossa região — diz.
Porém, segundo ele, a sensação de estar na primavera é comum para este momento do inverno: a expectativa, agora, é de temperaturas mais baixas no Estado, mas com a elevação gradual até a chegada da próxima estação.
— Já estamos na transição entre massas de ar frio, que chegam de regiões polares, e massas de ar quente, de latitudes mais baixas. É esse choque entre massas de ar que provoca tempestades com granizo que tivemos nos últimos dias. Isso é típico da primavera. Manhãs mais frescas e tardes com temperaturas elevadas dão essa sensação de que estamos em dias de primavera, mas é uma fase de transição — explica.
Influência no ciclo biológico
Segundo Natalia Soares, professora do curso de Ciências Biológicas da Universidade Feevale, o cenário vivido em Porto Alegre tem origem no fato de que as estações do ano têm se mostrado irregulares na comparação com décadas anteriores. Por isso, a data do calendário, por vezes, não reflete o que é observador na natureza.
— As estações estão desreguladas por consequência das mudanças climáticas, do efeito estufa que está mudando todo o clima no planeta e repercutindo em todas as formas de vida, sem exceção. Isso acaba impactando no ciclo biológico das plantas, forçando que elas iniciem a fase reprodutiva — resume a professora.
A floração dos ipês na Capital pode ser um indicativo dessa alteração no clima global, argumenta Natalia. Ela explica que o momento comum de ocorrer esse processo é em meados de setembro, mas foi antecipado neste ano.
— Primeiro começa a floração do ipê rosa em setembro, depois vem o ipê amarelo e, por último, o ipê branco. Mas a natureza tem o seu relógio biológico baseado nas condições do clima e do tempo. Nessas últimas semanas, observamos temperaturas de primavera e mesmo parecidas às do verão, que induzem o florescimento mais cedo dos ipês. Isso tem sido recorrente nos últimos anos — acrescenta.
Nesta semana, ouvintes relataram ao programa Gaúcha Hoje da Rádio Gaúcha o início mais cedo da cantoria de sabiás na Capital. A percepção pode estar ligada ao fato de um inverno com temperaturas mais altas do que a média, segundo Jenny Alexandra Angarita Báez, doutoranda em Biologia Animal no Laboratório de Ornitologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Algumas aves procuram lugares mais altos para cantar, para abranger um melhor espaço acústico, principalmente quando a temperatura aumenta. Sabe-se que algumas delas podem diminuir sua atividade acústica por conta das chuvas.
Ela agrega que a variação na temperatura - no caso de invernos mais quentes - influencia não apenas as plantas, como citado anteriormente: o ciclo também muda o calendário biológico dos animais.
— Se temos mais oferta de frutos, flores e insetos em épocas em antes não acontecia, as aves também vão mudar seus ciclos de vida para aproveitar esses recursos e, portanto, alteram alguns dos seus comportamentos. Algumas dessas aves podem "acordar" antes do normal e adiantar seu ciclo reprodutivo — acrescenta Jenny.