Um lobo solitário conseguiu revitalizar todo um ecossistema depois de cruzar uma ponte de gelo que temporariamente conectou o Canadá à remota Ilha Royale, no norte dos Estados Unidos, ao largo da costa de Michigan, no Lago Superior, em 1997, de acordo com um estudo publicado nesta quarta-feira (23).
Sua chegada reavivou a sorte da população de lobos na área, afetada por doenças e endogamia, e desencadeou uma cascata de efeitos que melhoraram a saúde geral do ecossistema, de acordo com a pesquisa publicada na revista científica Science Advances.
— Questões como a endogamia e a baixa diversidade genética são uma preocupação significativa para os cientistas — disse Sarah Hoy, ecóloga da Universidade Técnica de Michigan, à AFP.
— Mas este é o primeiro estudo que mostra que quando você tem esses problemas genéticos, eles não afetam apenas a população específica e aumentam o risco de extinção: eles também têm esses efeitos em cascata realmente grandes em todas as outras espécies — acrescentou.
"O Velho Cinzento"
Os primeiros lobos chegaram à ilha no final da década de 1940, e sua principal presa eram os alces, o que levou ao estudo mais longo do mundo sobre um sistema predador-presa. Mas nos anos 1980, os lobos estavam em apuros devido à chegada de uma doença, o parvovírus canino, que reduziu seu número de 50 para cerca de 12 exemplares.
Embora a doença tenha desaparecido, a população não se recuperou imediatamente. O motivo foi a grave endogamia, que resultou em menor sucesso reprodutivo, bem como piores sequelas para a saúde, como deformidades na coluna vertebral do tipo geralmente vista em cães de raça pura.
— Se você é um lobo selvagem e precisa derrubar uma presa como um alce, oito vezes maior que você, a vida na natureza pode ser muito difícil — explicou Hoy.
Foi nesse momento que chegou o "imigrante", identificado como "M93" pelos cientistas, mas carinhosamente apelidado de "O Velho Cinzento". M93 não tinha parentesco com a população existente e também era excepcionalmente grande, uma vantagem para defender seu território de rivais ou abater ungulados, mamíferos quadrúpedes de casco, com mais de 350 quilos.
Ele rapidamente se tornou o macho reprodutor de uma das três alcateias de lobos da ilha e teve até 34 filhotes, o que melhorou significativamente a saúde genética da população e a taxa de mortalidade de suas presas.
Restabelecer o equilíbrio
Os alces são herbívoros vorazes que consomem até 14 quilos de vegetação por dia. Ao reduzir seu número, os lobos ajudaram a restabelecer o equilíbrio da floresta, o que foi notado principalmente nas árvores de abeto-balsâmico, uma espécie frequentemente usada como árvore de Natal.
Com menos alces, as árvores começaram a crescer a ritmos não vistos em décadas, o que é vital para a renovação da floresta e para a grande quantidade de espécies vegetais e animais que dependem dela. Os benefícios trazidos pela chegada de M93 duraram cerca de uma década. Depois, a situação voltou a piorar, ironicamente devido ao seu extremo sucesso reprodutivo.
Em 2008, dois anos após sua morte, 60% do acervo genético da população de lobos era proveniente de M93, o que levou a um retorno do declínio genético. O próprio M93 começou a se reproduzir com uma de suas filhas após a morte de sua companheira.
Felizmente, um programa de restauração iniciado em 2018 reequilibrou o sistema e atualmente há cerca de 30 lobos e um pouco menos de mil alces na ilha. Para Hoy, uma ideia-chave é que o mesmo princípio de inserir apenas um pequeno número de indivíduos poderia ser aplicado a outras populações de predadores em perigo que sofrem de endogamia, como leões ou chitas.
William Ripple, professor de ecologia da Universidade Estadual do Oregon, que não participou da pesquisa, explicou à AFP que este era um "estudo importante" que avança na compreensão "ao demonstrar que os processos genéticos podem limitar os efeitos ecológicos de uma espécie-chave, o lobo cinzento".
* AFP