Uma medida provisória (MP) editada pelo presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de "favorecer o ambiente de negócios" no Brasil, passou a permitir a emissão de licenças "sem análise humana", ou seja, de forma automática, a partir da solicitação do interessado.
A MP 1040, publicada na última terça-feira (30) alterou a lei de 2007 que trata da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). O licenciamento robotizado, porém, foi incluído no texto, que faz referência a licenças que envolvam temas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio.
"O alvará de funcionamento e as licenças serão emitidos automaticamente, sem análise humana, por intermédio de sistema responsável pela integração dos órgãos e das entidades de registro, nos termos estabelecidos em resolução do Comitê Gestor da Redesim", afirma o texto da MP.
Segundo a medida provisória, o alvará de funcionamento de estabelecimentos comerciais "será emitido com a assinatura de termo de ciência e responsabilidade do empresário, sócio ou responsável legal pela sociedade". Caberá ao empreendedor "observar os requisitos exigidos para o funcionamento e o exercício das atividades econômicas constantes do objeto social" de sua empresa, de forma que atende às "normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio".
O prazo de vigência de uma MP é de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período. Como a MP é instrumento com força de lei que pode ser adotado pelo presidente da República, ela passa a ter efeito imediato, ou seja, ela já vale, enquanto tramita no Congresso, embora dependa da aprovação da Câmara e do Senado para que seja transformada definitivamente em lei, com sanção presidencial. Teoricamente, MPs deveriam ser usadas apenas em casos de relevância e de urgência para o País.
Para a especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima, Suely Araújo, a MP impõe uma "aberração jurídica" ao processo de licenciamento ambiental nacional.
— O governo acaba de editar mais uma aberração jurídica, ao prever uma MP que libera alvarás de funcionamento e licenças emitidas automaticamente, sem análise humana. Não fica claro exatamente o que isso significa nem a amplitude de aplicação, mas o texto faz referência expressa a normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio — comenta a especialista.
Araújo, que deixou a presidência do Ibama logo que Bolsonaro assumiu o governo, chama a atenção para catástrofes que já ocorreram em ambientes com problemas de alvará de funcionamento e falhas de fiscalização.
— Somente em um governo que tem muito pouco apreço pela vida humana e pela proteção do meio ambiente poderia ser editada uma regra desse tipo. Não aprendemos nada com tragédias como a da Boate Kiss em Santa Maria, na qual morreram 242 pessoas, ou com o rompimento da barragem de Brumadinho, com perda de 259 pessoas e desaparecimento de outras 11? Quanto vale a vida humana e o equilíbrio ambiental neste país? — questionou.
O Estadão questionou a Presidência da República sobre o alcance dessa proposta e qual o seu objetivo. Não houve posicionamento até o fechamento deste texto.
Em 2019, o governo tentou aprovar, também por MP, um dispositivo que permitia aprovação automática de licenças ambientais. O item constava no texto original da MP da Liberdade Econômica, que acabou se tornando lei (13.874/2019). O trecho que fazia referência à aprovação automática de licenças, porém, acabou sendo vetado pelo próprio Bolsonaro. Na ocasião, o governo justificou que o "dispositivo não contempla de forma global as questões ambientais, limitando-se a regular apenas um tipo de licença específica, o que o torna inconstitucional".
No ano passado, o PSB ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6528) contra dispositivos da Lei, sob alegação de que um de seus artigos estabelece que, "transcorrido o prazo máximo definido e apresentados os elementos necessários, será concedida aprovação tácita do pedido de liberação da atividade econômica, mesmo no caso de haver impacto socioambiental". O PSB afirmou que a aprovação tácita, no Direito Ambiental, viola os princípios do desenvolvimento sustentável, da preservação do meio ambiente e da proibição do retrocesso em direitos fundamentais socioambientais, entre outros impactos.