Ex-secretário nacional de Comércio Exterior, cargo que ocupou entre 2007 e 2011, Welber Barral afirma que ainda é cedo para definir qual será o tamanho da atenção dada pelo novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao Brasil. Na avaliação de Barral, sócio da BMJ Consultores Associados, o país corre o risco de sofrer pressões devido a questões ambientais e acabar isolado. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
Quais devem ser os efeitos da posse de Joe Biden nos negócios entre EUA e Brasil?
A primeira coisa a notar é que Biden já adotou várias medidas importantes, entre elas a decisão de voltar ao Acordo de Paris. Isso já é um indicativo de que ele vai desfazer muita coisa que foi feita por Donald Trump e que vai reorientar a política externa norte-americana. Quanto ao Brasil, a relação econômica entre os dois países é muito estável. Nos últimos 10 anos, não houve grande oscilação. Nesse sentido, a intervenção de uma nova administração não deve ter grande efeito.
Então a sua avaliação é de que vai ficar tudo igual?
Aí é que vêm as ressalvas. Quando você trata de política comercial, temos mudanças importantes para o Brasil. No ano passado, foi assinado um acordo de facilitação de comércio entre os dois países, que diminui a burocracia. Esse acordo tem de ser implementado. Agora, até que ponto o governo Biden vai dar prioridade para o Brasil ainda é uma incógnita. Tem um segundo ponto que é a guerra comercial entre EUA e China.
A disputa entre EUA e China pode seguir beneficiando o Brasil?
Sim. O Brasil aumentou muito a exportação de soja e de carne para a China justamente porque eles adotaram retaliações contra produtos americanos. A disputa vai continuar, ainda que sem a agressividade de Trump. Outro ponto é a ação dos Estados Unidos na OMC (Organização Mundial do Comércio) e na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Na OMC, o governo Trump foi extremamente negativo. A expectativa é de que Biden destrave a OMC. Na OCDE, houve um acordo para os Estados Unidos apoiarem a entrada do Brasil no órgão. Ainda não sabemos como será a postura de Biden.
A carta enviada por Bolsonaro a Biden pode significar uma mudança de tom do governo brasileiro? É positiva?
A carta foi muito equilibrada. Foi um tom mais clássico da diplomacia brasileira. Realmente é uma mudança de tom. Agora, precisamos de um certo realismo. A América Latina como um todo não é exatamente prioridade da política externa norte-americana. O Brasil é o país mais importante da região, e os EUA sabem disso. Mas quando você olha o espectro de prioridades deles, a América Latina está lá embaixo. Não dá para exagerar e achar que Biden está muito preocupado com o Brasil. Não é uma carta melhor escrita que vai mudar tudo. Além disso, o Brasil era o interlocutor dos EUA pela capacidade de influência na região, mas o país perdeu protagonismo na política externa e ainda tem a questão ambiental.
Até que ponto a postura ambiental pode prejudicar o Brasil?
A questão ambiental pode virar um elemento de pressão que pode isolar o Brasil. O segundo efeito, de médio prazo, é a eventual criação de barreiras comerciais baseadas em temas ambientais. Hoje, na Europa, já há uma consulta sobre desmatamento e sobre emissão de carbono que pode afetar as exportações brasileiras.