Boa parte do mundo celebrou na quarta-feira (20) a posse de Joe Biden e Kamala Harris como o retorno dos Estados Unidos ao cenário internacional, depois de quatro anos de retraimento do papel americano no globo.
Desde o primeiro dia, a nova administração democrata trouxe de volta a América ao Acordo de Paris e à Organização Mundial de Saúde (OMS), dois passos importantes que demonstram o respeito ao multilateralismo.
É difícil imaginar o sistema internacional sem a presença dos americanos, construtores e garantidores eles próprios desse arranjo no pós-Segunda Guerra Mundial. Donald Trump com seu "America First" adotou um isolacionismo sem precedentes - afastando o país de aliados históricos na Europa, enfraquecendo a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e retirando tropas de várias regiões, como Afeganistão, Iraque e Síria, muitas vezes deixando as populações dessas nações vulneráveis a extremistas ou abrindo um vácuo político que foi ou será ocupado por outras potências: caso da Rússia na Síria, por exemplo, e do crescimento do Irã xiita como um todo no Oriente Médio.
Em termos de visão global, Biden deve unir forças com outros parceiros, aplicando uma abordagem multilateral que incentiva os aliados tradicionais dos EUA a participarem de esforços conjuntos.
Historicamente, a política externa americana se alterna entre períodos de maior isolacionismo, como o de Trump, e de engajamento/intervencionismo, como os anos George W. Bush na presidência, para ficarmos em dois exemplos republicanos.
Mas nem sempre o retorno dos EUA à arena mundial é algo tão positivo para o mundo como se pode pensar a um primeiro olhar. Há um outro lado, obscuro e temerário, que é o da figura da potência americana como "xerife do mundo", aquela ideia de que, onde reina o caos, os EUA desembarcam com seus marines para levar supostamente a paz. Ou o chamado "destino manifesto", expresso nos fundamentos da nação pelos Pais Fundadores (Founding Fathers): um país munido de uma missão quase divina de levar a bandeira da democracia aos grotões do planeta - noção, que, aliás, já causou muitos danos mundo afora. Afeganistão e Iraque são, de novo, exemplos.
George W. Bush usou como poucos a estrela de xerife no peito. Bill Clinton teve suas guerras particulares, como na Somália e na ex-Iugoslávia. Mesmo Barack Obama, lembrado em geral como um pacifista, se embrenhou em aventuras militares, ainda que a uma distância segura, como na Líbia, ou com assassinatos seletivos com o uso de drones.
E até Trump, que se gabava de ser isolacionista e ultranacionalista, foi seduzido a mexer as peças do xadrez global, ordenando o bombardeio que levou à morte do general iraniano Qassem Soleimani, negociando com a Coreia do Norte e no rearranjo de forças no Oriente Médio, com a entrega de maior influência e poder à Arábia Saudita e às petromonarquias do Golfo.