Entidades setoriais e analistas acompanham com atenção e perspectivas distintas os efeitos da mudança de poder nos Estados Unidos sobre as relações comerciais com o Brasil — e, por tabela, com o Rio Grande do Sul. Otimistas, representantes de federações acreditam que o presidente Joe Biden será menos protecionista do que o antecessor e apostam em uma mudança de tom do governo brasileiro para realinhar interesses. Especialistas não têm tanta certeza disso.
O mercado norte-americano é o segundo maior destino das exportações brasileiras, atrás apenas da China. O mesmo vale para o Rio Grande do Sul. Em 2020, as vendas gaúchas para o país somaram US$ 1,23 bilhão, o equivalente a 8,8% do total (veja os detalhes abaixo).
Na avaliação do coordenador do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Aderbal Fernandes Lima, os números são positivos e podem ser ampliados. O empresário lembra que Donald Trump “fechou os Estados Unidos para o mundo e também não facilitou as coisas para o Brasil”. Ele projeta novas oportunidades.
— Estamos otimistas. Não acreditamos que a situação vai piorar, considerando que já não estava muito bem em grande parte do governo Trump. Ao mesmo tempo, a gente já nota um discurso mais ameno do presidente Jair Bolsonaro, o que é positivo — avalia Lima.
Na última quarta-feira, o mandatário brasileiro parabenizou Biden pela posse e enviou uma carta ao colega, destacando o desejo de “continuar nossa parceria em prol do desenvolvimento sustentável”.
— Sabemos que Biden vai levantar a bandeira ambiental, até para atender aos anseios dos seus eleitores, mas não acredito que irá impor penalidades ao Brasil por causa disso. A questão será mais retórica — opina Lima.
Para o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz, mesmo que Biden decida estabelecer sanções ao Brasil, os efeitos, ao menos para o agronegócio, seriam limitados. Em contrapartida, o fim da política nacionalista de Trump poderia favorecer os brasileiros.
— Em 2020, o setor vendeu para 202 países ou regiões. No contexto global de compras de produtos brasileiros, os Estados Unidos são importantes, mas não são os únicos. Por outro lado, Trump foi extremamente protecionista, abrindo uma concorrência desleal. Biden tende a reduzir os subsídios diretos ao produtor americano, o que, para o produtor brasileiro e gaúcho, é bom — pondera o economista.
As projeções de analistas ouvidos por GZH são mais reticentes. Coordenador do grupo de pesquisa em Competitividade e Economia Internacional da Unisinos, o economista e professor Marcos Lélis avalia que, ao retomar o Acordo de Paris (que prevê a redução da emissão de gases de efeito estufa), Biden deve se reaproximar da Europa. Com isso, tende a se elevar a pressão em bloco sobre o Brasil, em especial em relação ao desmatamento da Amazônia.
— A carta de Bolsonaro foi enviada tarde demais. Já se acumulou um passivo muito grande na relação com os Estados Unidos, que pode, sim, causar problemas à frente. Vivemos uma crise de imagem — resume Lelis.
Professor de Relações Internacionais da ESPM-Porto Alegre, Roberto Uebel reforça as incertezas e lembra que, além de tudo, o Brasil vem perdendo protagonismo.
— É difícil prever o que vai acontecer. A carta de Bolsonaro, de fato, surpreendeu, por ser um discurso que foge totalmente do padrão que vinha sendo adotado até então. A questão é que Bolsonaro é instável. Se em algum momento ele decidir retomar o tom de contestação e de não preservação do meio ambiente, não é impossível que Biden crie uma tarifa ou sobretaxe produtos que os EUA importam do Brasil. Isso seria ruim para a nossa economia — afirma Uebel.
Diretor da Câmara Americana no RS vê oportunidade de relações benéficas
Por meio de nota, o diretor da Câmara Americana de Comércio no Rio Grande do Sul (Amcham-RS), Marcelo Rodrigues, diz que a entidade encoraja os governos do Brasil e dos Estados Unidos “a construírem relações pragmáticas e mutuamente benéficas, que levem ao adensamento de seus laços bilaterais”.
Conforme a nota, o presidente Jair Bolsonaro “fez o seu primeiro gesto” na carta enviada ao colega norte-americano, expressando “o desejo de o Brasil de continuar mantendo relações como estávamos desenvolvendo”. Rodrigues lembra, no comunicado, do acordo de facilitação comercial assinado entre os dois países no fim de 2020, que, segundo ele, “precisa ser implementado”.
O que muda, a partir de agora, na avaliação do representante da Amcham-RS, “é que, se conseguirmos estabelecer uma relação positiva e pragmática, teremos um número amplo de campos para explorar com os Estados Unidos, o que beneficia o Brasil e, inclusive o Rio Grande do Sul”.
Principais destinos das exportações do RS em 2020
- China - 31%
- EUA - 8,8%
- Argentina - 5,8%
- Bélgica - 3,1%
- Uruguai - 2,6%
Exportações do RS para os EUA, em 2020
Valor: US$ 1,23 bilhão (8,8% do total)
98,7% das vendas envolvem produtos que passaram por processos na indústria de transformação, de químicos e madeiras até itens com alta tecnologia embarcada
Principais produtos exportados para os EUA pelo agronegócio gaúcho em 2020
Produtos florestais
- US$ 190,9 milhões
- 16,8% do valor das exportações do setor no mundo
Couros e derivados
- US$ 101,9 milhões
- 22,5% do valor das exportações do setor no mundo
Fumo e seus produtos
- US$ 98,1 milhões
- 7,4% do valor das exportações do setor no mundo