O Facebook é um ambiente fechado. Ou seja, para acessá-lo, é preciso fazer login. Ao contrário do Google, que tem várias fontes de receita, a rede social depende exclusivamente de publicidade digital. Logo, quanto mais tempo ficarmos lá dentro, assistindo a vídeos, dando likes ou dislikes, publicando e compartilhando, mais dólares entram no bolso de Mark Zuckerberg. Hoje, o Facebook é a sexta empresa mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 158,9 bilhões.
No mercado de internet, quem tem mais cliques ganha mais. E o Facebook tem 2,3 bilhões de clientes em potencial, volume que exibe para atrair patrocinadores. Um dos motores do crescimento da empresa foi o convencimento de anunciantes de que as pessoas estão assistindo a mais vídeos em sua rede social. Só que parte dos dados vendidos estava errada. Em outubro de 2018, um tribunal federal de Oakland, na Califórnia, abriu processo contra o Facebook acusando-o de ter informações inflacionadas sobre as métricas de visualização de vídeos que compartilhava com anunciantes meses antes de divulgá-las. Por dois anos, o cálculo da média de tempo que os espectadores passaram assistindo a vídeos estava errado.
O assunto tornou-se público pela primeira vez em 2016, a partir do vazamento de um relatório da própria empresa, dirigido a profissionais de marketing, que descrevia o problema. Nesse processo, movido pela agência de marketing online Crowd Siren, o Facebook foi acusado de ter seus ganhos inflados em até 900%. Há ainda outra queixa, apresentada pela Cohen Milstein Sellers e Toll, de que o gigante da internet não alcança o público estimado que apresenta aos anunciantes.
O Facebook nega as acusações. Em sua página, a empresa informa mudanças nas métricas e relatórios: “Ter acesso a métricas confiáveis é essencial para as milhões de marcas que usam nossas plataformas”.
– Eles são tão poderosos que definem as métricas. Eles criam a definição de como se mede engajamento, retorno, eficácia de uma publicidade online. E o anunciante adota. Não é necessariamente o fato de que manipulem a informação em si. É pior do que isso: eles criam as métricas que lhes interessam. E o mercado publicitário acaba acreditando – avalia Rodrigo Borer, ex-CEO da Buscapé.
Por sua parte, o Google informa que tem realizado esforços para coibir os “anúncios ruins”. Na soma de 2018, a empresa diz ter bloqueado 2,3 bilhões desses anúncios Adwords (mecanismo de publicidade dirigida controlada pela plataforma).
Os veículos de comunicação produzem conteúdo, e as plataformas vão se apropriando e ganhando com isso, mas não foram elas que produziram esse conteúdo. Ao mesmo tempo, agem com sua vantagem tecnológica de tal forma que estão drenando as fontes de recurso da mídia. É um abuso de poder econômico e um golpe na pluralidade que a democracia deve ter.
ARTHUR BARRIONUEVO
Ex-conselheiro do Cade
A categoria de anúncios ruins inclui uma série de práticas tidas como nocivas pelo Google: são peças publicitárias que levam internautas para páginas clonadas que roubam dados, aplicam golpes e conseguem realizar “cliques” em si próprios. Se os 2,3 bilhões estão corretos, conclui-se que o Google bloqueou uma média de 6 milhões desse tipo de anúncio por dia no ano passado – em uma operação realizada em parceria com a White Ops, empresa de cibersegurança, o FBI e outros representantes da área.
O fato de Google e Facebook estabelecerem suas próprias métricas gera uma lógica segundo a qual qualquer desenvolvedor que quiser lançar uma ferramenta de internet está nas mãos de ambos.
– Posso ter o produto melhor do que o Google, só que, se não tenho os dados do Google para testar meu algoritmo e fazê-lo começar a pensar, nunca vou ser minimamente eficiente – exemplifica Rodrigo Zingales, advogado especialista em direito da concorrência.
Na Europa, uma das muitas medidas para impedir o domínio de Google e Facebook é a chamada Platform-to-Business Regulation, que exige mais transparência das plataformas de busca no que diz respeito ao ranqueamento de seus algoritmos. Trata-se de algo importante porque elas agem ao mesmo tempo como mercado e concorrentes diretos das empresas.
Essas preocupações chegam no momento em que um relatório da empresa de segurança online Checq, divulgado no mês passado, aponta que os anunciantes perderão mais de US$ 23 bilhões globalmente em fraudes de anúncios digitais em 2019. Além disso, afirma que, para cada dólar investido em publicidade, de 10% a 15% vão para empresas que dizem proteger as marcas fraudulentas.
Predação jornalística
Para coibir a apropriação de conteúdo produzido por terceiros por parte de Google e Facebook, o parlamento europeu aprovou em março deste ano uma reforma sem precedentes que concede aos editores de imprensa o direito exclusivo de autorizar ou não os agregadores de notícias a usarem seus conteúdos online e obrigar plataformas como o YouTube a criarem filtros contra a pirataria. Após a publicação da diretiva, os países-membros da UE têm agora dois anos para transpor as determinações para as respectivas legislações nacionais. Alguns países já começaram esse processo, em especial a França.
A Polônia, por outro lado, desafiou a regra, argumentando que o requisito de filtro poderia levar à censura e, portanto, seria antidemocrático. Esse reconhecimento já era garantido em outros setores criativos, como música e cinema, e basicamente permite que os veículos de notícias protejam seus investimentos online.
– A diretiva é um passo importante para ajudar o setor de notícias a alcançar um modelo de negócios mais sustentável – afirma Wout van Wijk, diretor da News Media Europe.
O diretor da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Cristiano Flores, entende que a discussão no Brasil deve ser feita em torno de como essas plataformas se apresentam na descrição da atividade econômica:
– Elas são empresas de tecnologia, porém, para fins de atuação no nosso mercado doméstico e mundial, são também veículos de divulgação.
Para os defensores do modelo europeu apresentado na diretiva, cobrar de Google e Facebook pelo conteúdo protege o jornalismo, evitando o desaparecimento de veículos de comunicação, fenômeno conhecido como “desertos de notícias” – locais que não contam com nenhum órgão de imprensa.
– O direito das empresas de comunicação protege o investimento dos editores e jornalistas profissionais, permitindo que lucros gerados pela exploração do conteúdo fluam de volta para quem investe em jornalismo de qualidade e, assim, pode seguir investindo – aponta Wijk.
Um estudo da Universidade da Carolina do Norte mostrou que cerca de 1,8 mil jornais impressos deixaram de circular nos EUA de 2004 a 2018. Os jornais que enfrentam mais dificuldades ficam no interior – onde hoje 77% das receitas publicitárias vão para Google e Facebook, segundo reportagem do The Wall Street Journal.
A News Media Alliance, que reúne as empresas de mídia em território americano, pressiona para aprovar no Congresso dos EUA o Journalism Competition and Preservation Act. O projeto isenta, por quatro anos, as companhias de produção de conteúdo jornalístico de sanções antitruste, de modo que elas possam barganhar coletivamente junto a Google e Facebook na direção de uma divisão na receita obtida com as notícias. O projeto tem apoio dos dois principais partidos americanos, o Democrata e o Republicano, tanto no Senado quanto na Câmara.
Às vésperas do debate na Câmara, a associação divulgou que o Google ganhou cerca de US$ 4,7 bilhões em 2018 graças a sites de notícias, mas sem compensá-los. O estudo foi criticado por pesquisadores porque os dados seriam imprecisos e baseados em cálculos defasados. O Google afirmou que o levantamento ignora que, a cada mês, seus serviços redirecionam mais de 10 bilhões de cliques para sites de notícias e geram assinaturas e receitas de publicidade. Presidente da Associação Mundial de Jornais, o espanhol Fernando de Yarza, pondera:
– Não é a primeira vez que se produz uma investigação de monopólio nos EUA. Isso já ocorreu no setor de telecomunicações, no energético, na informática. Mas, de fato, sua visão aberta da concorrência, menos do que na Ásia, mas muito mais do que na Europa, permitiu que nos EUA nasçam e se desenvolvam as principais empresas do mundo. Nesse sentido, o grande desafio dos órgãos reguladores será entender como essas empresas operam nos mercados definidos e como podem beneficiar os consumidores.
No Brasil, 51% dos municípios estão no “deserto de notícias”, segundo levantamento Atlas da Notícia, feito pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), em parceria com a agência Volt Data Lab. São 64 milhões de brasileiros vivendo nesses locais.
– Os veículos de comunicação produzem conteúdo, e as plataformas vão se apropriando e ganhando com isso, mas não foram elas que produziram esse conteúdo. Ao mesmo tempo, agem com sua vantagem tecnológica de tal forma que estão drenando as fontes de recurso da mídia. É um abuso de poder econômico e um golpe na pluralidade que a democracia deve ter. Se você não tiver veículos independentes, a democracia não funciona. Não se confia em redes sociais. Quem está interessado em informação qualificada precisa de uma mídia que tenha credibilidade – diz Arthur Barrionuevo, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Posso ter o produto melhor do que o Google, só que, se não tenho os dados do Google para testar meu algoritmo e fazê-lo começar a pensar, nunca vou ser minimamente eficiente.
RODRIGO ZINGALES
Advogado especializado em impactos concorrenciais das companhias digitais
Em resposta a GaúchaZH, a assessoria de comunicação do Google negou que manipule o algoritmo para beneficiar seus serviços em detrimento de concorrentes: “Nossa missão é a mesma em todas as trilhões de buscas que acontecem no Google diariamente: fornecer respostas relevantes para as consultas que recebemos”, afirmou por e-mail. Sobre as novas regras da UE, a empresa repetiu as palavras da CEO do YouTube, Susan Wojcicki: “Estamos preocupados com os requisitos vagos e não testados da nova diretiva, que podem criar sérias limitações para os criadores de conteúdo do YouTube”. A respeito das acusações de práticas anticompetitivas, a empresa afirmou que “nenhuma indústria é tão competitiva e dinâmica como a de tecnologia” e que “os usuários se movimentam facilmente entre serviços como mídia social, aplicativos, mecanismos de busca e sites de referência”. O Google disse ainda que trabalha de perto com veículos de mídia para ajudá-los “nos maiores desafios e dificuldades que enfrentam de forma global”.
A ssessoria de comunicação do Facebook informou que após o ataque na Nova Zelândia, a empresa tomou uma série medidas para combater a disseminação de vídeos do atentado e informações: "O Facebook removeu imediatamente a conta pessoa do autor do ataque do Facebook e do Instagram, bem como identificou ativamente e removeu todas as conta impostoras que apareceram na plataforma". A respeito de vazamento de dados, informou: "Proteger as informações das pessoas é a coisa mais importante que fazemos no Facebook. O que aconteceu com a Cambridge Analytica foi uma violação à confiança depositada pelo Facebook. Mais importante ainda, isso foi uma violação à confiança que as pessoas têm no Facebook em proteger seus dados quando eles são compartilhados. Destacou ainda: "Nós temos a responsabilidade com todos as pessoas que estão no Facebook de assegurar que sua privacidade está protegida. É por isso que estamos anunciando medidas para prevenir abusos".
O Facebook também esclareceu que tornou seus anúncios e páginas mais transparentes: "Acreditamos que quando você visita uma página ou vê um anúncio no Facebook, deve ficar claro quem é o responsável por aquele conteúdo". Sobre as acusações de práticas desleais de concorrência, repetiu um comunicado do vice-presidente de Assuntos Globais e Comunicações do Facebook, Nick Clegg: "O Facebook aceita que, com sucesso, vem a responsabilidade. Mas você não impõe a responsabilidade exigindo o rompimento de uma empresa americana bem-sucedida. A responsabilidade das empresas de tecnologia só pode ser alcançada através da introdução meticulosa de novas regras para a internet. Isso é exatamente o que Mark Zuckerberg pediu". Com relação às acusações de números inflacionados nas métricas de audiência, a companhia afirmou: "O Facebook trabalha próximo de agências e clientes para definir quais métricas são relevantes para nossos clientes. Além disso, contamos com uma série de parceiros externos como Nielsen, ComScore, entre outros, que podem ser contratados por clientes que querem análises de terceiros para validação dos relatórios que fornecemos".