A União Europeia lidera as tentativas de limitar a voracidade de Google e Facebook no mercado. Em março, o Parlamento Europeu aprovou uma diretiva que tem o objetivo de combater a pirataria e a distribuição de conteúdo online que implique violação aos direitos de autor. De dois anos para cá, o bloco econômico também tem aplicado pesadas multas às duas gigantes por atos comerciais anticompetitivos.
As denúncias de prática de monopólio surgem, em grande parte, do News Media Europe, o principal órgão representativo dos veículos de comunicação do continente, com mais de 2,4 mil jornais, emissoras de TV, rádios e sites de notícias. Nesta entrevista, o diretor-executivo da entidade, Wout van Wijk, explica por que as novas regras garantem, no seu ponto de vista, conteúdo jornalístico de qualidade e evitam a proliferação de "desertos de notícia" – como são chamadas regiões que não contam com nenhum veículo jornalístico local.
O Parlamento Europeu aprovou em março a nova diretiva de direitos autorais que pode ter grande impacto sobre Google e Facebook. Como esse tema está agora? E qual foi a resposta das empresas?
Após a publicação da diretiva no Digital Single Market (política da União Europeia para mercado digital, comércio eletrônico e telecomunicações), os países membros têm agora dois anos para transpô-la para as respectivas legislações nacionais. Algumas nações já começaram esse processo, em especial a França. A Polônia, por outro lado, desafiou a diretiva no Tribunal de Justiça Europeu, argumentando que o requisito de filtro poderia levar à censura e, portanto, seria antidemocrático. Além disso, trata-se de uma das muitas medidas que a UE adotou para impedir o domínio de Google e Facebook. Outra é a chamada Platform-to-Business Regulation, que exige mais transparência das plataformas de busca no que diz respeito ao ranqueamento de seus algoritmos. Isso é importante, pois as plataformas agem ao mesmo tempo como mercado e como concorrentes diretos das empresas, criando um risco de abuso de posição dominante, ou monopólio.
O artigo 15 exige que as plataformas digitais, como Google e Facebook, paguem aos meios de comunicação para exibir seus conteúdos, como resumos de notícias, por exemplo. Por que isso é importante?
É um pouco mais complicado do que isso. Atualmente, as empresas de busca e agregadores online podem explorar comercialmente a propriedade intelectual de veículos de comunicação em suas plataformas sem fornecer qualquer forma de pagamento por isso. É basicamente investimento gratuito em conteúdo original. A diretiva é, portanto, um passo importante para ajudar o setor de notícias a alcançar um modelo de negócios mais sustentável. Talvez isso não seja tão inovador quanto alguns pensam — as plataformas já pagam licenças e royalties para os produtores de música com conteúdo em suas plataformas —, mas elas não estão dispostas a pagar pelo conteúdo quando se trata de notícias. O artigo 15, sobre o "direito das editoras", fornece às empresas de notícias o reconhecimento legal como detentoras dos direitos autorais. Esse reconhecimento já era garantido em outros setores criativos, como música e cinema, e basicamente permite que os veículos de notícias protejam seus investimentos online. Com esse direito, podem chamar as plataformas para discutir em que termos seus conteúdos podem ser usados, incluindo taxa de licenciamento. Isso é importante porque a maneira como o ecossistema online funciona atualmente é que terceiros, como Facebook e Google, obtêm enormes lucros com o uso de conteúdo pelo qual não pagam. Por exemplo, eles ganham publicidade em torno do conteúdo, coletam dados que podem ser usados para desenvolver melhores produtos e serviços antes dos concorrentes e para impulsionar a inovação e fazer com que as pessoas passem mais tempo em suas plataformas. Só que esse conteúdo é das empresas de notícias. Precisamos ter em mente que a publicação de notícias é um negócio. Se os investimentos não renderem, isso afetará o papel das editoras de notícias. A falta de investimento em produtos de notícias de qualidade prejudica o papel fundamental que o jornalismo desempenha na facilitação do debate democrático.
O senhor acredita que Google e Facebook vão mesmo instalar filtros para bloquear material protegido por direitos autorais?
Essas plataformas obtêm enormes lucros com o uso de conteúdo pelo qual não pagam. E, infelizmente, quase não há alternativas.
As plataformas de compartilhamento precisarão implementar medidas técnicas para garantir que os conteúdos protegidos por direitos autorais que não estejam licenciados e que estejam sendo enviados para suas plataformas não sejam comunicados ao público. Nos termos do Artigo 17, The Value Gap ("A lacuna de valor"), as plataformas podem ser responsabilizadas se não cumprirem a regra, a menos que possam demonstrar que fizeram os melhores esforços para obter autorização, garantir a indisponibilidade (dos direitos autorais), remover e impedir upload desses conteúdos após notificação por parte do detentor dos direitos. Existe uma exceção para provedores de compartilhamento de conteúdo online com menos de três anos de existência, volume de negócios até 10 milhões de euros e com 5 milhões de visitantes únicos mensais.
Como essa medida protege o jornalismo e evita o deserto das notícias?
O direito das empresas de comunicação protege o investimento dos editores, permitindo que alguns dos lucros gerados pela exploração do conteúdo fluam de volta para as empresas de comunicação, que, assim, podem continuar investindo em jornalismo de qualidade.
Como a News Media Europe está liderando essa briga com Google e Facebook?
A News Media Europe tem liderado o debate sobre a liberdade de imprensa, tanto no sentido político quanto no econômico, na UE. Lutamos por um ambiente regulatório que apoie a sustentabilidade do ecossistema de mídia de notícias e a concorrência justa. Os direitos autorais são um dos campos em que atuamos, mas também trabalhamos em questões como privacidade e proteção de dados, impostos, notícias falsas, desinformação e política de concorrência. Os europeus estão consumindo mais notícias do que nunca, mas as receitas das editoras continuam a cair. Para cada euro gerado com notícias online, o setor perde 3,50 euros em receita. O ecossistema online traz enormes oportunidades, mas o setor sofre com um desequilíbrio existente e inerente ao ecossistema digital. Essa é a questão que estamos abordando, pressionando por uma igualdade de condições para todos os atores envolvidos. A Europa e o mundo precisam de um ecossistema de mídia saudável e próspero para garantir que os cidadãos sejam informados e aqueles que estão no poder possam ser responsabilizados. Por isso é importante que as marcas de jornalismo permaneçam adequadamente financiadas e independentes das pressões políticas e financeiras.
Recentemente, a UE anunciou multa ao Google de 1,49 bilhão de euros (R$ 6,41 bilhões) por concorrência desleal em publicidades e violação de leis antitruste. O que está sendo discutido agora sobre regulamentações para que isso não se repita?
Essa foi uma de três multas aplicadas ao Google, somando 8,2 bilhões de euros para diferentes partes de seus negócios. Estamos discutindo com as instituições europeias a possibilidade de atualizar instrumentos legais para lidar com essas gigantes online em termos de política de concorrência. Os instrumentos regulatórios atuais disponíveis para a Comissão Europeia (poder executivo do bloco) não são mais suficientes, pois não atendem à realidade do mercado e são incrivelmente lentos e incômodos. Espero que a nova Comissão torne uma de suas prioridades a modernização da lei de competição da UE. Outra questão que está atualmente em discussão é a denúncia do Spotify contra a Apple que diz respeito à autopreferência: a empresa favorece a Apple Music enquanto coloca duros limites ao Spotify, forçando ao usuário o uso exclusivo do sistema de pagamento Apple Pay. Os usuários do Spotify se tornam clientes da Apple, e não do próprio Spotify, com a Apple recebendo 30% de todas as transações. Isso também é muito relevante para o nosso setor por conta do lançamento do serviço Apple News Plus (plano de assinatura que inclui centenas de revistas e jornais, em um pagamento mensal para veículos de notícias). Há também um caso sobre o uso de dados de terceiros pela Amazon. Há preocupação de que a Amazon possa estar usando sua posição dominante no mercado para acessar todos os dados, incluindo os de concorrentes, para otimizar seus negócios. Isso significa que a empresa poderia estar competindo com base em sua posição dominante, e não nos méritos de seus produtos e serviços.
Google e Facebook vão até onde podem ir, até que uma autoridade as empurre de volta. Elas sabem que os procedimentos legais levam muito tempo. Então, quando há uma decisão ou uma multa, a maior parte do dano já foi cometido e elas já ganharam seus lucros.
Google e Facebook continuam a desrespeitar as leis antitruste na Europa?
O desrespeito é inerente à maneira como essas plataformas fazem negócios. Elas vão até onde podem ir, até que uma autoridade as empurre de volta. Elas não fazem isso apenas em relação às leis antimonopólio, mas também, por exemplo, no campo da privacidade e da proteção de dados. Elas sabem que os procedimentos legais levam muito tempo, mais do que mudar um algoritmo ou uma prática comercial. Colocam em ação um enorme exército de escritórios de advocacia, consultorias e lobistas. Então, normalmente, quando há uma decisão ou uma multa, a maior parte do dano já foi cometida e elas já ganharam seus lucros. Cerca de 1,49 bilhão de euros (uma das multas aplicadas ao Google) pode parecer muito dinheiro, mas é uma fração do volume de negócios anual do Google. Estou convencido de que elas consideram essas multas como garantia para fazer negócios.
Em outubro do ano passado, o Facebook recebeu uma multa simbólica de 500 mil libras no Reino Unido, no caso da Cambridge Analytica. Dois meses depois, a empresa também foi multada na Itália, em 10 milhões de euros, pela venda de dados de usuários. A companhia pede desculpa, aceita a multa e continua violando leis?
Eles continuarão a ultrapassar os limites para garantir a liderança em determinados segmentos de negócios. E, infelizmente, quase não há alternativas. Há uma enorme dependência social dessas plataformas que dominam o espaço digital.
Por que na UE essas preocupações com direitos autorais e práticas ilegais por parte de Facebook e Google estão mais avançadas do que nos Estados Unidos, por exemplo?
A UE representa um enorme mercado de mais de 500 milhões de pessoas e é frequentemente pioneira em termos de legislação. Há muitos países no mundo que modelaram suas leis de proteção de dados após as legislações criadas pela UE. Como um bloco comercial e também como um parceiro global, a UE está bem posicionada para pressionar contra o domínio dos EUA, particularmente em áreas onde a UE não tem muitos campeões globais em plataformas online.