Em fevereiro deste ano, o Facebook debutou. A rede social, que conta com 2,3 bilhões de usuários ativos por mês — conforme dados da própria empresa divulgados em 2019 —, comemorou seu 15° aniversário justamente no momento em que se encontra no olho do furacão. Os diversos escândalos envolvendo o vazamento de dados para grandes empresas, como Netflix, Microsoft e Amazon, como revelou o jornal americano The New York Times, e o acesso a milhares de senhas de usuários por parte dos funcionários da companhia — fato confirmado pelo Facebook em seu próprio blog — foram episódios que macularam a imagem e a credibilidade do Facebook frente ao seu público.
E os efeitos de tantos descasos com as informações pessoais dos usuários, aos poucos, começam a aparecer. Pesquisa realizada pelo Datafolha, em abril de 2019, revelou que 56% dos brasileiros afirmaram ter um conta nesta rede social. Apesar de corresponder a mais da metade dos entrevistados, o dado mostra que a participação dos usuários daqui apresenta uma retração, isso porque este número era de 61% em novembro de 2017.
Até mesmo figurões das mídias digitais estão fechando cerco, virando as costas, cobrando respostas consistentes e ações concretas de Mark Zuckerberg. Brian Acton, cofundador do Facebook e ex-CEO do WhatsApp, chegou a utilizar sua conta no Twitter para demonstrar sua insatisfação com a empresa da Zuckerberg. Na mensagem, "#deletefacebook."
A guinada contra a plataforma social mais popular aconteceu em 2018, logo depois que a Cambridge Analytica, empresa britânica de assessoria política que comandou a campanha digital de Donald Trump na corrida presidencial de 2016, nos Estados Unidos, usou um aplicativo do Facebook para coletar, sem o consentimento das pessoas, informações confidenciais de 87 milhões de usuários. Posteriormente, estes dados foram utilizados para manipular a opinião pública contra a então candidata Hillary Clinton.
Elizabeth Saad, professora titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e coordenadora do grupo COM +, que estuda as mídias digitais, acredita que o movimento de êxodo da rede de Zuck é uma onda.
— As campanhas contra o Facebook são de momento, vão e voltam. Porém, as pessoas precisam ficar atentas aos rastros deixados nesta rede e as suas configurações de privacidade, porque sempre existe a possibilidade de quebra de segurança — diz a pesquisadora.
Elizabeth ressalta que esta plataforma está na berlinda justamente por concentrar um grande número de comercialização de dados. Leonardo Fagundes, professor e coordenador do curso de graduação em Segurança da Informação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), segue a mesma linha de raciocínio dizendo que os serviços e produtos digitais estão sujeitos a vulnerabilidades.
— Não deveríamos desistir de usar um serviço se ele é bom e cumpre seus objetos. Para isso, essas instituições precisam entender a segurança como um requisito do negócio e implementá-la desde a sua concepção. Porque, quando o produto ou serviço gera danos e apresenta falhas, a tendência é de que os usuários deixem de usá-lo — pontua.
Os dados pessoais são a moeda da era moderna
Para acessar o Facebook, não é preciso pagar uma mensalidade. Mas você "paga" por sua permanência e mantém os cofres de Mark Zuckerberg cheios por meio dos dados fornecidos, a partir do momento em que são aceitos os termos de uso da plataforma. Já que as informações dos indivíduos são o principal ativo de Mark. Uma vez cadastrado, o usuário agrega a cada curtida, comentário, foto e texto postados informações sobre suas preferências. As informações dos bilhões de pessoas que fazem uso do Facebook são aglomeradas — sem sua identificação — e comercializadas junto às marcas para que estas desenvolvam suas ações de marketing digital, destaca a professora titular da ECA/USP.
— Facebook depende da comercialização de dados para sobreviver. Esse mar de informações pode ser organizado das mais diferentes maneiras. Por exemplo, eles podem ofertar para uma determinada marca um público formado por um conjunto de usuários que tenha entre 25 e 30 anos, more na cidade de São Paulo e que tenha formação de nível técnico. É assim que a plataforma ganha dinheiro — explica Elizabeth.
O professor de Segurança da Informação da Unisinos afirma que o Facebook conhece os hábitos de compras, a lista de amigos e as informações dos lugares frequentados pelos usuários e que, quando essas informações vêm à tona, por meio de vazamentos, a privacidade dos indivíduos é exposta na web.
— E estes vazamentos têm ocorrido com frequência, porque as empresas não tomam o devido cuidado com estes dados, que têm um valor altíssimo para quem os detém, já que, por meio deles, tu tens como saber as preferências e necessidades das pessoas — diz Fagundes.
Críticas ao Facebook partem dos próprios acionistas da empresa
Porém, este modelo de negócio caracterizado pelo uso indiscriminado de dados de terceiros é criticado até mesmo por quem é acionista da empresa. Roger McNamee, um dos mais conhecidos investidores do setor de tecnologia do mundo, escreveu um artigo em janeiro deste ano para a revista norte-americana Time afirmando que o Facebook prejudica a economia, os consumidores e a democracia em busca do próprio sucesso financeiro. No ensaio, ele diz que o modelo baseado na publicidade, ou seja, retenção da atenção das pessoas apela para a indignação e o medo. Elizabeth Saad diz que esta série de escândalos somada ao posicionamento de grandes nomes do mundo tecnológico rói a credibilidade da companhia.
— Pode ser que o Facebook perca valor e fique mais vulnerável com a chegada de empresas concorrentes que ofereçam a segurança que a plataforma do Zuckerberg não anda apresentando. E, na medida que uma companhia está sempre no foco dos problemas, sua credibilidade fica abalada. O choque não é proporcional aos estragos causados, mas desestabiliza — pontua a pesquisadora.
Em 2018, o Facebook anunciou que prevê para os próximos anos redução do lucro, menor crescimento no ritmo de usuários e investimento na proteção da privacidade das pessoas (algo que assustou os investidores). Com isso, a companhia acumulou uma desvalorização de US$ 119 bilhões em um só dia em julho daquele ano, na bolsa de valores de Nasdaq, relembra Fagundes. O especialista acredita que a companhia perdeu valor de mercado naquele momento, porque apresentou queda de credibilidade e de usuários.
— E, na era digital, e isso é crítico para uma organização, porque as pessoas começam a questionar o quão importante é aquele serviço para que elas assumam o risco de terem os dados vazados. Há um desgaste sobre a capacidade da liderança da empresa para reverter esse cenário. Há quem aposte que estamos presenciando a queda de um gigante. Eu não tenho certeza disso, mas seguramente para permanecer no mercado em uma posição de liderança será necessário rever processos, assumir uma postura responsável — avalia o professor de Segurança da Informação da Unisinos.
No contexto de criação e renovação constante do universo digital, Elizabeth acredita que pode ser que a rede do Mark sofra com a concorrência que virá.
— No futuro, a demanda por outros e diversos ambientes digitais pode fazer com que esta plataforma entre em decadência. Aí, eles terão de se reinventar, revitalizar e reduzir sua área de atuação — diz a professora titular da ECA/USP.
Punições legais
Na Europa, o Regulamento Geral de Proteção de Dados na União Europeia (GDPR, sigla em inglês) foi proposto em 2012, aprovado pelos países que compõem o bloco em 2016 e entrou em vigor em 2018. O GDPR é um conjunto de leis que prevê regras padrão sobre como empresas e órgãos devem lidar com as informações pessoais da população pertencente à comunidade europeia. Ali está apontado também que quando uma empresa for atacada por um criminoso digital, ela precisa comunicar o ocorrido aos usuários e à agência reguladora do país em menos de 72 horas. Em caso de desrespeito a essa e outras regras, as multas podem chegar a US$ 20 milhões, dependendo do faturamento da empresa.
Em dezembro passado, a Autoridade de Concorrência e Garantia do Mercado (AGCM), da Itália, comunicou que impôs duas multas ao Facebook, com valor total de US$ 10 milhões por fornecer os dados dos seus usuários para fins comerciais e sem informá-los.
No que tange a situação no Brasil, o advogado especialista em Direito Digital Marcos Eberhardt afirma que as punições previstas na legislação para o vazamento de dados pessoais são de cunho civil e administrativo. Qualquer operador responsável pela coleta, armazenamento e tratamento de dados pessoais deve observar a preservação da intimidade do usuário e o seu direito à privacidade.
— O Marco Civil da Internet prevê sanções que variam de advertência e multa até a proibição de exercício de operações que envolvam dados pessoais.
Confira a cronologia dos escândalos no Facebook
- Março de 2018: as Nações Unidas citam o papel do Facebook no massacre de muçulmanos Rohingya em Mianmar. A empresa tem sido culpada por permitir a disseminação de notícias falsas sobre os muçulmanos de lá que estão sendo assassinados.
- Março de 2018: os jornais The New York Times (NYT), dos EUA, e o The Guardian, da Inglaterra, levaram a público relatórios sobre como a Cambridge Analytica, assessoria política, coletou 87 milhões de dados de usuários sem o seu consentimento e usou estas informações para favorecer Donald Trump na corrida presidencial de 2016.
- Junho de 2018: novamente, o NYT trouxe a bomba de que o Facebook fechou acordos com fabricantes como Apple, Amazon, Microsoft e Blackberry e compartilhava dados pessoais dos usuários do Facebook com estas empresas.
- Setembro de 2018: a União Americana Pelas Liberdades Civis (ACLU) afirma que os anúncios no Facebook permitem que os empregadores favoreçam os homens em detrimento das mulheres. A entidade queixou-se junto à Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego, dos EUA, que as ferramentas de segmentação de anúncios do Facebook de emprego privilegiassem homens e determinadas etnias em detrimento de outras. O Departamento de Justiça apoiou uma ação contra o Facebook.
- Dezembro de 2018: o Facebook acabou expondo 6,8 milhões de fotos de usuários para até 1,5 mil aplicativos em função de uma falha no protocolo das fotos de sua plataforma.
- Dezembro de 2018: mais uma vez, o NYT revela que a rede social queridinha do Zuckerberg compartilha até mesmo as mensagens privadas de usuários com empresas 150 empresas e que entre elas estão a Amazon, a Microsoft, a Netflix e o Spotify.
- Março de 2019: Brian Krebs, jornalista de segurança cibernética, mostrou que funcionários do Facebook tiveram acesso a 600 milhões milhares de senhas armazenadas sem criptografia. A denúncia chegou a ser confirmada pelo próprio Facebook em um post.
- Abril de 2019: a empresa de segurança cibernética UpGuard fez o alerta de que milhões de registros de usuários do Facebook foram publicados nos servidores em nuvem da Amazon sem qualquer tipo de criptografia para proteção. Estima-se que 540 milhões de registros de usuários como números de identificação, comentários, reações e nomes de contas ficaram com livre acesso a qualquer pessoa com acesso à internet.