O primeiro final de semana sem as tendas de apoio a visitantes foi de críticas de familiares de presos no Complexo Prisional de Canoas. Zero Hora esteve no local na manhã deste domingo (1º).
Entre a quinta (28) e sexta-feira (29), o governo removeu do local trailers e tendas que serviam de apoio às necessidades diversas desse público, com a venda de lanches, água, aluguel de roupas e calçados — para o caso da pessoa ser barrada por estar usando item fora das regras —, espaço para guardar bolsas e celulares — que não entram na prisão — e até locação de colchões para quem vem de outras cidades e opta por passar a noite no local para garantir lugar cedo na fila de entrada.
Potes de comida preparada por mães e esposas também ficavam armazenados nesses locais para não estragar em dias de muito calor e durante as horas em que os visitantes ficam aguardando para entrar. Agora, depois de mais de sete anos de funcionamento dessas estruturas dentro do terreno do complexo, visíveis para todas autoridades que por ali passavam, tudo foi retirado.
A ação foi motivada pela execução de Jackson Peixoto Rodrigues, 41 anos, o Nego Jackson, líder de uma facção criminosa. O crime ocorreu no sábado (23) dentro da Pecan 3. O matador usou uma pistola para atingir Jackson com mais de sete disparos. Como a arma ingressou na prisão está sob investigação, assim como as demais as circunstâncias do fato, que envolveu criminosos de facções rivais que haviam sido colocados no mesmo espaço.
Neste domingo (1º), a assessoria da Polícia Penal disse "que o comércio organizado ao redor do complexo era ilegal. Há suspeita de que pessoas utilizavam barracas e tendas montadas em frente à unidade para transmitirem sinal de celular para apenados, além de fazerem a venda de produtos sem autorização da prefeitura".
— O crime que os presos cometeram eles estão pagando do portão para dentro. Nós estamos aqui para ajudar as famílias. Estamos há seis anos fazendo isso, com autorização da Susepe (Superintendência dos Serviços Penitenciários) — destacou Débora Rocha, dona de tendas.
Os comerciantes que mantinham estruturas no local informaram que em 2023 houve notificação do Ministério Público (MP) a respeito da situação.
— Queriam que a gente saísse. Conversamos com o MP, com a prefeitura junto. Foi dito que não podia ter estruturas fixas. Nós tínhamos espécie de galpões, de madeira. Tiramos tudo e colocamos as tendas móveis. Disseram que a prefeitura ia construir espaços para os comércios e que podíamos ficar enquanto isso. Depois disso, nunca mais nos chamaram. Agora, nossas coisas foram tiradas, soubemos pela imprensa e não sabemos nem onde estão os materiais — diz a filha de um proprietário de trailer, que preferiu não se identificar.
A decisão do governo repercutiu nos visitantes de final de semana.
Fabrício da Silva Borges saiu de São Jerônimo às 4h. Usando bermuda, por causa do calor, e carregando um pote de comida e um ventilador para o irmão. Foi impedido de entrar para a visita. O uso de bermuda é proibido. Ele pretendia, como sempre faz, alugar uma calça em uma das tendas.
Luciane Brosovitzki Dutra de Lima visita o irmão há mais de um ano. Neste domingo, acompanhada da mãe de 65 anos, lamentava a total falta de estrutura: sem água, sem lanche, sem lugar adequado para escapar do sol. A mãe, idosa de 65 anos, se conformou em sentar sobre pedras:
— Podendo visitar meu filho, já está bom — desabafou.
David Lopes Melo, que foi ao complexo ver um irmão, serviu de apoio a outros visitantes. Como estava de carro, permitiu que outros guardassem bolsas e telefones celulares no seu veículo:
— Daí combinamos o horário de saída para todo mundo pegar seus pertences.
Uma das tantas mães que aguardavam na fila, temia pelo tamanho do pote de comida que estava levando.
— Não temos nada a ver com o que aconteceu aí dentro (a morte de Jackson), mas somos punidas o tempo todo. Se o pote tiver um centímetro a mais do que eles definem, a comida não entra, vai para o lixo e levamos advertência. Eu hoje não tinha pote menor, ia ver aqui nas tendas. Agora, não sei como vai ser. Também descobrimos hoje que foi proibido o envio de cartas — desabafou a mulher, que preferiu não se identificar.
Outra visitante, que estava na fila compartilhando água com outras mães (o item foi um dos mais reclamados na manhã de calor intenso. O bar mais próximo do local fica a mais de um quilômetro, uma caminhada que exige subida e descida de lombas), falou de outra situação:
— E se estivesse a chuvarada que deu na previsão do tempo? Não podemos entrar com roupa molhada.
As tendas, além de vender também capas de chuva, servem de proteção para quem espera. Junto à Pecan 1, existe um prédio com bancos e banheiro. Mas distante dali, próximo às demais unidades, não há nenhuma espaço para proteção ou para sentar. Só há banheiros químicos.
O que disse a Polícia Penal:
A Polícia Penal informa que na madrugada da última sexta-feira (29) foi realizada uma operação de desarticulação do comércio ilegal no entorno do Complexo Prisional de Canoas. Além da irregularidade dos comerciantes, há suspeita de que pessoas utilizavam barracas e tendas montadas em frente à unidade para transmitirem sinal de celular para apenados.
A decisão de realizar o procedimento foi tomada em reuniões que ocorreram no gabinete do vice-governador Gabriel Souza, enquanto estava respondendo como governador em exercício, com a presença de autoridades estaduais e municipais. Entre as demais medidas imediatas de segurança estão o patrulhamento do local durante 24 horas por dia pela Brigada Militar e o incremento, pela Prefeitura de Canoas, do monitoramento por câmeras nas imediações do complexo prisional e a sua conexão com o cercamento eletrônico do Estado.
Vale destacar ainda que não cabe à Polícia Penal a responsabilidade pelos itens dos visitantes, nem oferecer lugares para pernoitar. Historicamente, o entorno dos presídios é ponto de apoio para familiares e visitantes. No caso do Complexo Prisional de Canoas, já existem, no lado externo, banheiros químicos para uso dos visitantes, que permanecem disponíveis. Além disso, há um abrigo de visitas em frente à Penitenciária Estadual Canoas (Pecan 1) que conta com cobertura, bancos e banheiros.
A Polícia Penal trabalha ainda em um projeto de construção de um abrigo de visitas para o complexo, com o objetivo de prestar melhor assistência às famílias de apenados. O espaço, nos mesmos moldes do que existe na Penitenciária Estadual de Charqueadas 2, com cobertura, banheiros e pias, garantirá a infraestrutura necessária para dar conforto aos familiares no período em que aguardam a hora de entrada no estabelecimento prisional. A proposta está em fase final de licitação, e uma empresa deve ser contratada nos próximos meses.
Por fim, informa ainda que a imprensa só pode acessar os espaços das unidades prisionais com autorização prévia. Em dias de visita, somente é permitida a entrada de familiares.
O que disse o Ministério Público:
O Ministério Público possui expediente para acompanhamento da situação, inclusive com a notificação dos comerciantes para desocuparem o espaço que é do Estado e pertence ao complexo prisional. Não houve qualquer tipo de autorização para que houvesse a permanência no local, até mesmo porque não cabe ao Ministério Público fazê-lo.
No ano de 2024, ocorreu um preocupante aumento de comércios irregulares, com estruturas que – mesmo precárias – estavam permanecendo dentro do espaço, e não sendo montadas apenas nos dias de visitas, impactando na segurança do estabelecimento, inclusive com notícias de que algumas poderiam estar sendo usadas para rotear sinal de wi-fi para o complexo prisional. Em razão disso, o Ministério Público solicitou uma avaliação por parte das forças de segurança e do Executivo municipal acerca da situação e está realizando o acompanhamento das medidas tomadas para que se garanta a segurança, mas também sejam viabilizadas condições adequadas para os visitantes, tendo sido noticiada pela polícia penal a construção de um abrigo de visitas, projeto em fase de licitação. Já existe, entretanto, estrutura de banheiros químicos e espaço destinado para visitas na PECAN 1 e possibilidade de se utilizar o comércio do entorno.