- Nos primeiros cinco meses deste ano, foram 69 vítimas de homicídio na Capital – no mesmo período do ano passado, tinham sido 116.
- Com 5,17 assassinatos por 100 mil habitantes de janeiro a maio, a cidade está abaixo da média mundial de 5,8, segundo a ONU.
- Um protocolo foi montado para enfrentar o crime organizado, que inclui a presença policial na região do assassinato, operações e investigações de crimes conexos.
Porto Alegre alcançou em 2024 um marco histórico: o menor número de homicídios já registrado, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado. Os indicadores colocam a cidade nos últimos três meses numa posição nunca antes ocupada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera epidêmicas taxas superiores a 10 homicídios para cada 100 mil habitantes. Com população de 1.332.570 pessoas, segundo o Censo de 2022, para estar abaixo deste patamar, a Capital deve ter no máximo 11,08 assassinatos por mês (ou 133 no ano). Março e abril tiveram os menores números de vítimas de homicídio num mês, com oito em cada – em maio, mês em que a catástrofe climática atingiu o RS, foram 11.
O cenário vivido agora é diverso do que se apresentava há oito anos. Em 2016, a Capital alcançou o pico dos assassinatos, num período marcado pela guerra entre facções criminosas. Invasões de territórios, sequestros de rivais, decapitações e esquartejamentos eram recorrentes, num contexto de ostentação da barbárie. Aquele ano se encerrou com 792 vítimas de homicídio. Num janeiro de terror, em 2017, 105 pessoas foram assassinadas num único mês – numa média de, pelo menos, três executados por dia. De lá para cá, série de medidas foi implantada na tentativa de frear essa onda de violência. Em fevereiro de 2019, foi lançado o programa RS Seguro, que mirou nas cidades com a maior parte dos crimes letais, como Porto Alegre. Entre as premissas está a integração entre as forças de segurança e o mapeamento constante de dados.
Ao longo dos últimos anos, o número de homicídios começou a cair na Capital. Em 2019, foram 330 mortes – menos da metade de 2016. Na sequência, 2020 e 2021 tiveram quedas, enquanto 2022 apresentou aumento, com 336 vítimas. Naquele ano, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Nacional de Segurança Pública, Porto Alegre foi a capital das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste que registrou maior taxa de assassinatos, com 30 mortes por 100 mil habitantes.
Em 2023 e 2024, a Capital voltou a ter redução nos assassinatos. Nos primeiros cinco meses deste ano, foram 69 vítimas – no mesmo período do ano passado, tinham sido 116, e em 2016, por exemplo, foram 342 vítimas em cinco meses. Com 5,17 assassinatos por 100 mil habitantes, a cidade está abaixo da média mundial, de 5,8, segundo o Estudo Global sobre Homicídios 2023, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Secretário da Segurança Pública do RS, Sandro Caron, recorda que quando assumiu a pasta, em janeiro do ano passado, traçou como uma das metas reduzir os assassinatos na Capital.
— Chegar nesse índice ONU dos homicídios sempre foi nosso grande objetivo. Conseguimos em POA alcançar isso em três meses seguidos: março, abril e maio. Os indicadores de junho também estão muito bons. Isso mostra que estamos no caminho certo. E temos que seguir evoluindo. É um dia de cada vez, e um mês de cada vez — afirma.
Não vamos aceitar grupo criminoso determinando a prática de homicídios.
SANDRO CARON
Secretário da Segurança Pública
A redução na criminalidade na Capital é observada em outras áreas. Além dos homicídios, que caíram 44% até o último dia 17 de junho, no comparativo com o mesmo período do ano passado, Porto Alegre teve redução de 48% nos roubos a pedestres e 46% nos roubos a veículos.
— Existe todo um trabalho pensado para Porto Alegre. Em relação aos homicídios, a estratégia envolve série de ações, que atribuo à integração, ações de inteligência e investigações com foco no crime organizado. A maioria dos homicídios se dá em decorrência das disputas entre grupos criminosos que traficam. Não vamos aceitar grupo criminoso determinando a prática de homicídios. Isso envolve muitas investigações da PC, ações ostensivas da BM, prisões de lideranças, armas apreendidas, o que também reduz o crime violento. Todo trabalho com foco em estratégia, indicadores, com inteligência e investigação — afirma Caron.
Dissuasão focada: foco nas lideranças
No primeiro semestre do ano passado, um estudo do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) confirmou que oito em cada 10 assassinatos ocorridos em Porto Alegre foram cometidos pelo crime organizado. Esse tipo de monitoramento é feito até hoje. Isso serviu de base para a aplicação de medidas que tem como principal alvo as lideranças dos grupos criminosos. A nova estratégia foi colocada em campo para buscar nova redução na Capital.
— Um protocolo foi montado para enfrentar o crime organizado, que é o responsável por ordenar a maior parte das mortes. Existe uma avaliação contínua das inteligências para analisar o comportamento dessas lideranças. As sete medidas ocorrerão sempre que for disparado o gatilho de ativação, que é o homicídio. Quem insistir em matar será punido. A base teórica desse protocolo é a dissuasão focada — explica o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.
Quem insistir em matar será punido.
MARIO SOUZA
Diretor do DHPP
Esse protocolo segue uma escala de medidas, que se inicia com a saturação da área onde ocorre o crime, que é realizada por meio da presença policial, as operações policiais voltadas àqueles grupo que estão por trás das execuções, com investigações direcionadas aos assassinatos e também crimes conexos, como a lavagem de dinheiro, e a responsabilização dos mandantes e lideranças. Integram ainda essa estratégia as revistas realizadas nas casas prisionais. São responsáveis por executar as medidas a Brigada Militar, a Polícia Civil e a Polícia Penal, com apoio do Ministério Público e Poder Judiciário.
— A liderança que cometer homicídios na sua área de influência, vai sofrer as medidas do protocolo, inclusive as mais duras, que são as transferências estaduais ou para penitenciárias federais. Para a aplicação, tivemos sempre a sensibilidade do Ministério Público e do Poder Judiciário — afirma o delegado Souza.
A dissuasão focada, já aplicada nos Estados Unidos, tem como uma das premissas fazer as ordens de execuções nas ruas, muitas vezes vindas de dentro das cadeias, cessarem. Para isso, é preciso que as lideranças estejam cientes das penalidades que sofrerão caso os crimes continuem acontecendo. A técnica foi criada por David Kennedy, professor de Criminologia da Universidade de Nova Iorque. Há 25 anos, o criminologista desenvolveu com colegas a Operação Cessar Fogo, em Boston, que levou à queda dos homicídios por lá.
— A dissuasão focada é uma ideia antiga e muito simples: se uma pessoa sabe que algo que está pensando em fazer vai ter um custo, é menos provável que faça. Essa é uma ideia muito simples — explicou Kennedy em entrevista à Plataforma de Evidências do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no ano passado.
Aqui no RS, uma estratégia baseada na mesma técnica foi adotada em Pelotas, dentro do programa Pacto pela Paz, em 2017. No município do sul do RS, despencaram os assassinatos, e especialmente as mortes daqueles de menor idade. Até então, adolescentes e jovens figuravam dos dois lados da mesma guerra, entre os que mais puxavam o gatilho e os que mais morriam. Consultor em Segurança Cidadã no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e diretor-executivo do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke participou da aplicação do Pacto em Pelotas e agora acompanha os resultados em Porto Alegre com entusiasmo. Ele reforça que a medida permite às forças de segurança controlarem os conflitos envolvendo os grupos criminosos.
— É a estratégia para combater homicídios com a melhor evidência no mundo. É um trabalho concentrado sobre líderes das facções para puni-los por homicídio. A escala que estão fazendo aqui é muito maior. É um trabalho de inteligência mais avançado. Todo mundo continua respondendo a tudo que responde, todos crimes, mas se o grupo cometer homicídio, o líder paga imediatamente. É punido. Isso que muda o jogo. É uma grande novidade. Nunca tinha sido feita no país, nesse nível. É isso que a gente fala que é segurança pública moderna. Está tudo interligado à regra do jogo que é “não pode matar”. Então, aí os homicídios despencam. É muito importante registrar essa estratégia para que ela seja permanente — avalia.
Retirada de armas
Retirar armas, munições, drogas e prender integrantes desses grupos criminosos, especialmente foragidos e envolvidos em homicídios e no tráfico, e descapitalizar os grupos, por meio de operações contra a lavagem de dinheiro, estão entre as estratégias empregadas para enfraquecer as organizações. Neste ano, somente a Brigada Militar apreendeu 2.277 armas de fogo no RS. Dessas, 24 eram fuzis e 11 submetralhadoras, armas com alto poder de fogo. A média é de 450 armas retiradas das ruas por mês.
Essa tendência da Capital também se multiplica no Estado inteiro.
CORONEL CLÁUDIO FEOLI
Comandante-geral da BM
— Esse resultado é fruto de um trabalho continuado de integração com a BM e Polícia Civil, e também na rapidez das perícias feitas pelo IGP (Instituto-Geral de Perícias), que permitem que o homicida seja rapidamente identificado e preso. A BM tem trabalhado de forma muito dura nas zonas de calor, indicadas pelo nosso sistema de gestão de resultados. O Comando de Policiamento da Capital tem atuado de maneira científica, alocando recursos humanos e materiais nos locais onde tinha maior incidência de homicídios. Isso tem se demonstrado eficaz. Essa tendência da Capital também se multiplica no Estado inteiro — afirma o comandante-geral da BM, coronel Cláudio dos Santos Feoli.
Chefe da Polícia Civil, o delegado Fernando Sodré também ressalta que o indicador é resultado de ações integradas, de combate ao crime organizado, e do controle diário dos índices para que se possa manter o controle e acompanhamento das organizações criminosas.
Nunca antes na história conseguimos chegar nesse índice, e junho está indicando no mesmo sentido.
FERNANDO SODRÉ
Chefe da Polícia Civil
— Nós estamos alcançando o que a gente pode chamar de índice ONU, chegando a menos de 10 homicídios para cada 100 mil habitantes, o que é uma marca histórica, resultado de um trabalho que já vem há bastante tempo. Se acentuou muito a queda de crimes em geral, mas a redução dos homicídios, que é o que temos a referência internacional, está nos deixando muito satisfeitos. Todo esse trabalho integrado, inclusive dentro dos presídios, pela Polícia Penal, tem nos dado um resultado muito positivo para a segurança pública do RS. Nunca antes na história conseguimos chegar nesse índice, e junho está indicando no mesmo sentido — afirma.
O crime organizado ainda é o responsável pela maior parte das mortes na Capital. Nos últimos três meses, por exemplo, das 27 mortes, 18, segundo a Polícia Civil, estão vinculadas ao crime organizado. Isso representa 66% dos assassinatos e indica, na ótica das forças de segurança, que é necessário seguir atacando esses grupos. Dessa forma, entendem que é possível continuar reduzindo o indicador, até restarem somente os homicídios envolvendo outros tipos de conflitos.
As sete medidas
- Saturação da área do crime
- Ações pontuais e responsabilização das lideranças por crimes
- Operações especiais e de lavagem de dinheiro
- Revistas em casas prisionais
- Responsabilização de lideranças por homicídios
- Transferências de líderes para penitenciárias estaduais
- Transferências de líderes para penitenciárias federais