Após pedido de vista do ministro Dias Toffoli, o Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu o julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Na tarde desta quarta-feira (6), votaram os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ambos contrários ao Recurso Extraordinário (RE) 635.659, que trata do tema.
Até o momento, o placar está em cinco votos a favor da descriminalização e três contra. Os ministros Gilmar Mendes, Luis Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Rosa Weber votaram a favor da medida. Já os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques votaram contra. Ainda faltam os votos de Luiz Fux, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
O julgamento foi iniciado em 2015 e voltou a plenário em agosto de 2023, mas acabou sendo interrompido após pedido de vista do ministro André Mendonça. O debate trata da aplicação do artigo 28 da Lei de Drogas, ou Antidrogas, (Lei 11.343/2006), que prevê sanções alternativas – como medidas educativas, advertência e prestação de serviços – para a compra, porte, transporte ou guarda de drogas para consumo pessoal.
Embora a lei tenha deixado de prever a pena de prisão, o porte continua sendo considerado crime passível de registro policial. Devido a isso, usuários de drogas ainda são alvo de inquérito e processos judiciais que buscam o cumprimento das penas alternativas.
GZH ouviu especialistas que têm opiniões divergentes a respeito do tema para explicar os argumentos a favor e contra a mudança na legislação.
A favor da descriminalização
O defensor público, dirigente do Núcleo de Defesa Criminal da Defensoria Pública, Andrey Régis de Melo, é favorável à descriminalização. Ele afirma que o modelo adotado pelo Brasil no enfrentamento ao consumo das drogas é “fracassado”.
— Esse modelo gerou um grande encarceramento no Brasil por intermédio de um único tipo penal, que é o artigo 33 da Lei de Drogas. Ele criou uma verdadeira tragédia que é o encarceramento de mulheres a partir de 2006 com a vigência da Lei 11.343. A repressão penal como um todo para o combate ao consumo de drogas parece que não vem conseguindo cumprir com seus objetivos — diz.
O especialista diz que a lei atual não tem critérios objetivos para diferenciar a posse e o porte de drogas do tráfico. Ele também diz que o curto espaço de tempo em que uma abordagem policial é realizada não seria o suficiente para caracterizar uma pessoa como sendo, ou não, traficante. Ele também pontua que existe uma propensão maior a abordagens de pessoas negras e pobres por parte da polícia.
— Esse é um problema que se formos observar por um ponto de vista sociológico, vamos perceber que temos no Brasil um controle social com base na Lei de Drogas, sobretudo, racializado, especialmente contra a população negra, que tem negada a presunção de inocência. Porque na ausência de critérios objetivos, quando um policial se depara com uma pessoa negra portando drogas, muitas vezes, ele acaba categorizando essa pessoa como traficante. Se tivermos critérios objetivos, reduziremos bastante as possibilidades de que jovens pobres e negros sejam enquadrados como traficantes — diz.
Melo pontua, ainda, que o desejo de ampliar o volume de prisões pode potencializar o número de abordagens indevidas de pessoas que portam maconha para consumo, mas acabam presas por tráfico.
— A prisão em flagrante só é possível em relação ao tráfico de drogas, já que o consumo de drogas, no artigo 28, não permite a privação de liberdade. Como o número de prisões, muitas vezes, é um medidor de eficiência policial, isso pode levar a polícia a considerar essas pessoas com pouca quantidade de drogas como traficantes.
O defensor público também diz que há exemplos positivos a seguir em países como Portugal e Uruguai, onde houve a descriminalização.
— Outros países já flexibilizam a repressão penal em relação ao consumo de drogas e têm resultados muito mais interessantes, positivos, do que o Brasil, como Portugal e, mais recentemente, o nosso vizinho Uruguai.
Contra a descriminalização
O delegado Carlos Henrique Braga Wendt, diretor-geral do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), é contrário ao fim da criminalização do porte de maconha para consumo próprio. Ele argumenta que a maconha pode levar ao consumo de outras drogas e que uma decisão favorável do STF poderia, eventualmente, estimular os jovens a usarem a droga.
— Sempre lembrando que a maconha é a porta de entrada para outras drogas mais pesadas. Muitas pessoas dizem que não são dependentes, mas quando decidem parar não conseguem. Muitos jovens e adolescente nunca experimentaram por uma questão de pudor, por saber que existe uma lei. A partir do momento que cair essa barreira, possivelmente, muitos deles poderão experimentar e se tornar dependentes — comenta.
O delegado aponta também a existência de estudos que associam a maconha a problemas de saúde mental, como a depressão, por exemplo. Ele reitera, entretanto, que sua contrariedade não se aplica aos casos em que o uso de medicamentos à base de cannabis é recomendado e acompanhado por um médico.
Wendt avalia que a Lei das Drogas é objetiva no que tange à definição do que caracteriza o tráfico e defende que ela seja mantida como está. Ele pondera que, mesmo com a delimitação de uma quantidade específica, não há garantia de que um suspeito esteja apenas portando a droga para consumo, o que deve ser avaliado durante a abordagem policial, bem como os antecedentes criminais.
— E se essa pessoa estiver vendendo? Depende da situação. Não pode ser um único fator para determinar se é crime. Hoje, o mero uso de drogas não é crime. O que é crime é o porte para uso. A lei está muito clara. O Legislativo já fez esse serviço e não deixou lacuna — explica o delegado.
Wendt acrescenta que a descriminalização poderia provocar um “engessamento do trabalho policial”, dificultando a abordagem a traficantes.
— Hoje, sabemos que os principais pontos de tráfico trabalham com pequenas quantias e isso pode dificultar a responsabilização desses traficantes — diz.
O diretor do Denarc afirma que em outros países, onde houve a descriminalização e, posteriormente, a liberação para a comercialização de maconha, como Uruguai e Holanda, existem movimentos para que a lei retroceda e a proibição seja restabelecida.
— Na Holanda, os policiais e o parlamento estão em um movimento muito forte para reverter. Virou um país de turismo de drogas. No Uruguai após a descriminalização foi observado o aumento da violência. Após a legalização no Uruguai, facções começaram a migrar para aquele país, com confrontos dentro de presídios, o que antes não tinha. Eles se utilizam do meio legal para fazer a comercialização ilegal — sublinha.