Foi agendado para 4 de abril o júri das duas rés pelo assassinato do menino Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, que desapareceu em Imbé, no Litoral Norte. A mãe Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 28, e a madrasta Bruna Nathiele Porto da Rosa, 26, seguem presas. As duas são acusadas de terem espancado e matado a criança em julho de 2021 e arremessado o corpo, que nunca foi encontrado, nas águas do Rio Tramandaí.
A data do julgamento foi definida pela juiz Gilberto Pinto Fontoura, em despacho na terça-feira (23). No mesmo documento, o magistrado informou que a defesa de Yasmin renunciou ao caso. Em razão disso, se a ré não constituir nova defesa, deve ser representada no júri pela Defensoria Pública do Estado. Recentemente, o processo havia retornado para a Justiça gaúcha após a mãe e a madrasta terem todos os recursos negados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Depois disso, a Justiça concedeu prazo para o Ministério Público e as defesas apresentarem a lista de testemunhas que devem ser ouvidas durante o júri. Caberá ao Conselho de Sentença, formado por sete pessoas da comunidade, definir se as duas são culpadas ou não pelos crimes dos quais são acusadas. Além do homicídio qualificado do menino, elas respondem por tortura e ocultação de cadáver.
O promotor de Justiça André Tarouco, que atuará no júri e foi responsável pela denúncia encaminhada pelo Ministério Público, lembrou que o julgamento ocorrerá quase três anos de tramitação do processo.
— A instrução processual realizada na primeira fase do procedimento demonstrou com clareza os crimes praticados pelas rés, almejando-se, dessa forma, do Conselho de Sentença, no plenário do Tribunal do Júri, uma decisão condenatória, dando-se, ao menos, um desfecho satisfatório a esses crimes bárbaros praticados contra uma criança de sete anos, assassinada por sua genitora e companheira no interior da sua residência — ressaltou.
Segundo a denúncia, a mãe e a madrasta responsabilizavam Miguel pelos problemas no relacionamento e, por isso, decidiram assassinar a criança. O garoto deixou Paraí, onde morava com a avó materna, para viver com a mãe e a companheira dela. Em 29 de julho de 2021, as duas procuraram a polícia para registrar o sumiço da criança. Os policiais desconfiaram da versão e foram até a pousada onde elas viviam. As duas acabaram confessando que o menino estava morto. No mesmo dia, a mãe foi presa.
Três dias depois de o crime ser descoberto, a madrasta também foi presa. A prisão ocorreu depois que a polícia analisou o celular de Bruna e encontrou conteúdos, como mensagens e vídeos, que levaram à conclusão de que ela teria, no mínimo, participação nos maus-tratos ao garoto. Num dos vídeos, a mulher aparecia ameaçando espancar o menino e mantendo o garoto trancado dentro de um armário.
Bruna chegou a ser transferida para o Instituto-Psiquiátrico Forense (IPF) ao longo da investigação, mas laudo apontou que ela não teria alteração em sua saúde mental, e ela retornou ao sistema prisional. A defesa sustenta que a madrasta possui autismo.
Durante a investigação, a polícia obteve mensagens nas quais Yasmin e Bruna se referiam a Miguel de forma pejorativa. Numa das trocas de mensagens, a madrasta usa a palavra “lixo” ao falar sobre a criança. Para o Ministério Público, o garoto era visto como entrave à relação. Após a morte dele, as duas teriam colocado o corpo numa mala e arremessado no rio. A mala foi apreendida numa lixeira, no trajeto que teria sido usado pela mãe e pela madrasta para retornar à pousada onde estavam vivendo.
A tentativa de localizar o corpo de Miguel mobilizou os bombeiros ao longo de mais de um mês. Após 48 dias, no início de setembro de 2021, as equipes encerraram a procura. O fato de o corpo nunca ter sido encontrado deve ser motivo de debate no júri. O MP sustenta que isto só comprova que as duas realmente cometeram o crime de ocultação de cadáver. Enquanto as defesas devem explorar outras teses a respeito deste ponto.
Madrasta nega
Quando foi ouvida na Justiça, Bruna apontou Yasmin como a responsável pela morte de Miguel. Relatou ainda que a companheira agredia o filho constantemente. A madrasta relatou que o garoto foi dopado e teve o corpo colocado dentro da mala, após ficar horas trancado num fosso de luz e num armário.
Para o Ministério Público, as duas foram responsáveis pela tortura e assassinato do menino. Já a defesa de Bruna alega que ela não participou do crime e que já esperava que o júri fosse marcado para esse ano.
— Seguimos trabalhando dentro do propósito defensivo, com as provas que existem no processo, as quais favorecem a Bruna, para que possamos demonstrar de forma clara ao conselho de sentença e assim chegarmos ao resultado esperado, pela não condenação ao homicídio do menino Miguel — afirma Ueslei Boeira, advogado criminalista, que representa Bruna.
Ao ser interrogada na Justiça, Yasmin optou por permanecer em silêncio. Segundo a Defensoria Pública do Estado, diante da renúncia da defesa particular, caso a ré não constitua outro advogado, a instituição irá atuar no júri “para garantir o direito da ampla defesa e do contraditório”.
Linha do tempo
Julho de 2021
No dia 29, Yasmin procura a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Tramandaí para registrar o desaparecimento do filho, que, segundo ela, teria acontecido dois dias antes. Os policiais suspeitam do relato e seguem com a mãe e a madrasta, Bruna, até a pousada onde elas viviam. Lá, elas acabam confessando que a criança foi morta e teve o corpo arremessado no rio. Yasmin afirma ter agido sozinha e é presa.
Agosto de 2021
Três dias depois de o crime ser descoberto, a madrasta é presa de forma temporária. A prisão ocorre após a polícia analisar o celular de Bruna e encontrar conteúdos, como mensagens e vídeos, que levaram à conclusão de que ela teria participação nos maus-tratos ao garoto. Num dos vídeos, a mulher aparece ameaçando espancar o menino e mantendo o garoto trancado dentro de um armário. Ao longo do mês, ela é transferida para o Instituto-Psiquiátrico Forense (IPF).
O delegado Antônio Carlos Ractz Júnior encaminha à Justiça o inquérito, indiciando a mãe e a madrasta pelos crimes de tortura, homicídio qualificado, por meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima, e ocultação de cadáver. Dez dias depois, o MP denuncia as duas por homicídio triplamente qualificado (acrescenta o motivo torpe), tortura e ocultação de cadáver.
Setembro de 2021
Após 48 dias, os bombeiros do Litoral Norte encerraram, no dia 14 daquele mês, as buscas pelo corpo do menino Miguel. Desde que o caso foi descoberto, as equipes vinham realizando varredura em diversas cidades, em busca da criança. Ao longo da operação, os bombeiros usaram embarcações, aeronaves e um drone. No mesmo dia, o IPF divulga laudo que constata que Bruna não possui alteração na saúde mental.
Novembro de 2021
No dia 8, ao longo de cinco horas, é realizada a reprodução simulada dos fatos, popularmente conhecida como reconstituição. Somente a madrasta participa da perícia e demonstra como teria acontecido o crime. Ela percorre também o trajeto entre a pousada e a beira do rio. Assim que veem Bruna irromper pela Avenida Paraguassú, moradores esbravejam repetidas vezes: "Assassina!". Nas proximidades do Rio Tramandaí, a madrasta indica o local onde Yasmin teria arremessado o corpo do filho.
No dia 19, em audiência na Justiça, Bruna aponta Yasmin como a responsável pela morte de Miguel. Relata ainda que a companheira agredia o filho constantemente. Bruna diz que Yasmin teria batido a cabeça do menino contra uma parede, deixando, inclusive, uma marca na estrutura. A madrasta relata que o menino foi dopado e teve o corpo colocado dentro da mala, após ficar horas trancado num fosso de luz e num armário. A mãe opta por permanecer em silêncio.
Fevereiro de 2022
O juiz Gilberto Pinto Fontoura, de Tramandaí, determina que as duas rés devem ser julgadas pelo Tribunal do Júri. Além do homicídio triplamente qualificado, a mãe e a madrasta respondem por tortura e ocultação de cadáver. Para o magistrado, há indícios de que o menino sofria “intenso sofrimento físico e mental”, sendo, por exemplo, privado de alimentação adequada e mantido preso por logos períodos em um guarda-roupa.
Julho de 2022
Em sessão virtual realizada pela 3ª Câmara Criminal, o Tribunal de Justiça do RS nega, por unanimidade, o recurso da defesa e mantém a decisão que leva a júri Yasmin e Bruna. Na decisão, o colegiado também nega o pedido de soltura das rés. As defesas buscavam que elas não fossem submetidas ao júri e que as oitivas fossem realizadas novamente. Contra essa decisão, as defesas apresentaram recursos, que não foram admitidos pelo TJ-RS. Em razão disso, as defesas recorreram ao STJ e STF.
Evidências
Imagens de câmeras
A polícia divulgou imagens do trajeto feito por Yasmin e Bruna na madrugada de 29 de julho de 2021 entre a pousada onde viviam, na Rua Sapucaia, em Imbé, e as margens do Rio Tramandaí. Uma das câmeras flagrou Yasmin transportando a mala, onde estaria o corpo do menino, no braço, e Bruna caminhando ao lado dela. O mesmo equipamento registrou o momento em que as duas retornaram abraçadas e já sem a mala.
Mala
A mala na qual o garoto teria sido transportado foi encontrada numa lixeira em frente a uma residência. O local foi indicado pelas próprias presas. A mala foi encaminhada para perícia, que constatou a presença de material genético compatível com o garoto.
Mensagens
Conversas entre a mãe e a madrasta, e também de Bruna com outras pessoas, são apontadas como provas de que o menino era visto como empecilho para a relação das duas. Em uma das trocas de mensagens, a madrasta se refere ao garoto como “lixo”. Para o MP, ele seria visto como um entrave para a relação, o que teria motivado o crime.
Vídeos
Os vídeos foram gravados na primeira pousada onde os três moraram em Imbé, na praia de Santa Terezinha. Em um dos momentos, a madrasta ameaça espancar o garoto. Para a acusação, isso demonstra que ele era torturado, com castigos, e que ficava preso e sem comer.
Pesquisas na internet
Entre os dias 26 e 29 de julho, pesquisas foram realizadas na internet com o celular de Yasmin. Em uma delas, tenta-se descobrir se a água do mar é capaz de apagar impressões digitais. Outra busca saber o que fazer quando uma criança tem alucinações. Neste momento, a acusação entende que o menino já havia sido espancado e sofria as sequelas das agressões.
Cadernos
Foram encontrados cadernos do menino, nos quais, segundo a acusação, ele era obrigado a escrever frases ofensivas. Miguel seria obrigado a copiar frases com insultos, onde escrevia "eu sou um idiota", "não mereço a mamãe que eu tenho", "eu sou ruim", "eu não presto" e "a minha mamãe é maravilhosa e eu sou péssimo".
Corrente e cadeados
A polícia apreendeu cadeados que teriam sido usados para manter o menino preso. A corrente foi encontrada no lixo do banheiro da última pousada onde elas moraram. Nela, havia material genético compatível com o de Miguel. A acusação afirma que a mãe e a madrasta tinham o hábito de acorrentar a criança, como castigo e tortura.
Fosso de luz
Os peritos recolheram um fio de cabelo dentro de uma peça atrás do box do banheiro (um fosso de luz), onde, segundo a polícia, o garoto era mantido trancado. A peça tinha cerca de um metro quadrado, era escura e fria. O cabelo pertencia a Miguel.
Camiseta com sangue
A análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP) concluiu que havia sangue humano numa camiseta infantil, e que o DNA era compatível com o de um filho de Yasmin — Miguel era o único dela. Para a apuração, isso indica que o menino era vítima de agressões.