Após quatro dias, terminou na madrugada deste sábado (1º) o júri de três réus no processo que apurou as responsabilidades do ataque a judeus no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, em 2005. Um dos réus foi condenado e outros dois absolvidos. A sentença foi lida pela juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva por volta das 2h.
A magistrada condenou Leandro Maurício Patino Braun por tentativa de homicídio duplamente qualificado. Os jurados afastaram a qualificadora de meio cruel. A pena é de 12 anos e 8 meses e 13 dias de prisão em regime inicialmente fechado. A magistrada decretou a prisão preventiva dele.
Foram absolvidos Valmir Dias da Silva Machado Júnior e Israel Andriotti da Silva. Os três respondiam por tentativa de homicídio qualificado contra um dos três estudantes agredidos — em relação aos outros dois, o crime passou para lesão corporal e prescreveu.
A sessão iniciou às 8h30min e encerrou às 2h30min. Foram ouvidas 11 testemunhas e interrogados dois dos réus — Leandro foi o único a não comparecer ao julgamento.
O júri entrou na fase final desta sexta-feira, quando foram iniciados os debates, etapa na qual tanto acusação como defesa apresentaram seus argumentos. O Ministério Público (MP) buscou comprovar que os réus integravam grupo de skinheads e que estavam entre os autores das agressões. Pelo lado das defesas, os advogados buscaram sustentar que não há provas de que eles participaram do crime e que foram reconhecidos de forma equivocada.
Pouco depois das 9h se iniciou a fala da acusação, com o promotor Luiz Eduardo Azevedo, que passou a apresentar os argumentos do MP. O promotor descreveu como teria se dado o crime naquela madrugada, na esquina das ruas Lima e Silva e República, no bairro Cidade Baixa. Afirmou que Rodrigo Fontella Matheus estava no bar, e no local conheceu Edson Nieves Santanna Júnior e Alan Floyd Gipsztejn. Naquele momento, Rodrigo estava se convertendo ao judaísmo, e a conversa teria se iniciado com os outros dois, judeus, em razão disso, segundo o promotor.
Durante essa conversa, outra pessoa teria alertado os três de que havia uma mesa com skinheads e que um deles teria dito "tem judeu na área". Logo depois, teriam se iniciado as agressões do grupo enfurecido. Alan conseguiu escapar, Edson foi atingido por dois golpes de faca e também fugiu, já Rodrigo foi cercado, espancado e esfaqueado.
— Eles queriam matar. Quem pega uma pessoa e espanca dessa maneira quer matar — disse Azevedo.
Quando foi ouvido, no primeiro dia de julgamento, na terça-feira, Rodrigo disse que ficou traumatizado com as agressões.
— É uma cicatriz que nunca mais sai — afirmou.
Álibis
O promotor Azevedo atacou os álibis apresentados pelos réus. Dos três, dois foram interrogados na quinta-feira e negaram participação no crime. Israel alega que estava em Guaíba, numa confraternização familiar, e Valmir diz que estava trabalhando num bar, no Centro de Porto Alegre. O promotor considerou as alegações "fracas".
— Tenho testemunhas que assistiram o crime e viram eles lá. Alguém está mentindo — atacou o promotor.
O promotor lembrou a brutalidade das agressões, disse que os autores queriam matar a vítima, que só não morreu porque as pessoas no entorno interferiram, fazendo pressão para que eles parassem e em razão do socorro rápido. Logo depois, passou a falar o advogado Victor Luiz Barcellos Lima, que atua pela assistência de acusação.
— Para que não saiam depois as pessoas na rua, dizendo que nazismo é uma coisa banal, é permitida, que eles podem fazer o que bem entendem. (...) Não vejo outra forma de fazer justiça, se não dizendo que a conduta do seu Israel, Valmir e Leandro é reprovada pela sociedade — disse o advogado.
A promotora Lúcia Helena Callegari lembrou em sua fala que o dia 8 de maio representa a data do fim da Segunda Guerra Mundial, e que esse teria sido um dos motivos que levou o grupo de skinheads a atacar os três estudantes. Das vítimas, duas estavam usando quipá, acessório que simboliza a religião judaica.
— Todo mundo começou a se dar conta de um crime de ódio. Antes de acontecer, quando eles estavam no bar, houve gritos internos dizendo: "Tem judeu na área". Todo esse grupo se levantou, saiu de forma organizada, concatenada para cima (das vítimas) — disse.
Na noite de quinta-feira, o réu Israel admitiu ter feito parte dos grupos durante o interrogatório, ter adquirido livros nazistas, e tirado fotos fazendo saudações, mas afirmou ter mudado.
— Foi um erro. Era um adolescente, inconsequente. Peço perdão pros meus amigos, para a comunidade judaica. Hoje sou uma pessoa diferente — alegou.
A promotora sustentou que a mesma postura foi mantida pelo outro réu, condenado em júri anterior, que voltou a ser preso em novembro do ano passado, e foi denunciado pela suposta prática, incitação e culto do preconceito de raça, cor e religião com idolatria ao nazismo.
— Ninguém quer ver um crime desses de novo. E é essa a nossa missão no dia de hoje — disse.
A promotora buscou afastar a possibilidade de que os réus tenham sido reconhecidos de forma equivocada, no lugar de outros. Na época do crime, eles foram presos e libertados cerca de cem dias depois, em razão dessa suspeita. A representante do MP argumentou que houve uma tentativa de "salvar os líderes", referindo-se aos réus, como pessoas que eram responsáveis por arregimentar e organizar o grupo. Lembrou que, apesar disso, testemunhas mantiveram o reconhecimento dos réus, realizado antes.
Defesas
Às 13h40min desta sexta-feira, iniciou o advogado Manoel Pedro Castanheira, responsável pela defesa do réu Valmir. O advogado argumentou que no depoimento na fase policial Valmir afirmou que estava trabalhando naquela madrugada como segurança num bar no centro de Porto Alegre. No interrogatório durante o júri, o réu voltou a afirmar isso.
— Trabalhava das sete da noite às sete da manhã — sustentou o advogado.
O criminalista apresentou depoimento dado pelo ex-patrão de Valmir e mais tarde por um gerente do bar, ambos afirmando que ele estava trabalhando naquela madrugada. Nos depoimentos, há relato de que Valmir teria chego às 19h no bar e saído pouco antes das 7h, e que em nenhum momento o segurança teria deixado o local de trabalho. Leu um depoimento de uma frequentadora do bar, afirmando que na noite do dia 07 de maio viu o segurança trabalhando no estabelecimento, e de um DJ, relatando o mesmo.
— Como a pessoa vai estar em dois lugares ao mesmo tempo? Não pode — disse Castanheira.
O advogado ressaltou ainda que algumas testemunhas admitiram que inicialmente reconheceram Valmir ao confundi-lo com outro réu, um adolescente que acabou cumprindo medida socioeducativa. Castanheira argumentou ainda que nenhum dos materiais apreendidos com ideologia nazista foi apreendido com Valmir.
Na sequência, Rodrigo de Lima Noble, que representa Leandro, iniciou a fala, e ressaltou que em caso de dúvida não deve haver condenação. Noble falou que o réu não está presente no júri porque se sente ameaçado, já tendo sido agredido e esfaqueado. Dos três, ele é o único que não participou do julgamento, e, portanto, não chegou a ser interrogado. Admitiu que entre os materiais de apologia nazista apreendidos durante a investigação há itens apreendidos com Braun, mas negou que ele teria envolvimento no crime.
— O Leandro Patino Braun não estava lá. Foi sim repugnante, repulsivo, foi um crime bárbaro, foi, mas não foi meu cliente que promoveu. Meu cliente não estava — afirmou, alegando que o réu estava em Caxias do Sul naquela data.
José Paulo Schneider dos Santos, responsável pela defesa de Israel, foi o último a se manifestar nos debates. Defendeu que o cliente, apesar de ter integrado grupo de skinheads, não participou das agressões.
O caso
Outros seis já foram submetidos a julgamentos anteriores - além de um adolescente, que foi submetido à medida socioeducativa. Cinco deles foram condenados por tentativa de homicídio e um deles por lesão corporal, mas deste último foi extinta a punibilidade, pelo fato de o crime já ter prescrito.
Outros julgamentos
- Em 15 de setembro de 2018, Thiago Araújo da Silva e Laureano Vieira Toscani foram condenados por tentativa de homicídio e duas lesões corporais a 13 anos de prisão, e Fábio Roberto Sturm, a 12 anos e oito meses.
- Em 23 de março de 2019, Daniel Vieira Sperk e Leandro Comaru Jachetti foram sentenciados a 14 anos de prisão. O mesmo Conselho de Sentença desclassificou a tentativa de homicídio imputada a um sexto réu para lesões corporais e foi declarada extinta a punibilidade do crime por prescrição.
- Cinco réus não foram pronunciados pela tentativa de homicídio e, portanto, não serão julgados pelo Tribunal do Júri.