O júri de três réus por ataque a judeus em Porto Alegre, ocorrido em 8 de maio de 2005, entrou na fase final na manhã desta sexta-feira (31). Foram iniciados os debates, etapa na qual tanto acusação quanto defesa apresentam seus argumentos.
O Ministério Público (MP) buscou comprovar que os réus integravam grupo de skinheads e que estavam entre os autores das agressões. São julgados no Fórum Central de Capital os réus Valmir Dias da Silva Machado Júnior, Israel Andriotti da Silva e Leandro Maurício Patino Braun. Os três respondem por tentativa de homicídio qualificado contra uma das vítimas.
Pouco depois das 9h se iniciou a fala da acusação, com o promotor Luiz Eduardo Azevedo, que passou a apresentar os argumentos do MP. Começou fazendo explicação ao júri sobre os casos que são julgados desta forma, pela presença de três jurados novos. Na sequência, disse que faria um resumo do caso. Lembrou então que dos nove réus que foram sentenciados a irem ao Tribunal do Júri, seis já foram julgados e condenados — cinco por tentativa de homicídio e um deles, por lesão corporal, que não chegou a cumprir pena porque o crime já havia prescrito. Houve ainda um adolescente que cumpriu medida socioeducativa.
O promotor descreveu como teria se dado o crime naquela madrugada, na esquina das ruas Lima e Silva e República, no bairro Cidade Baixa. Afirmou que Rodrigo Fontella Matheus estava no bar, e no local conheceu Edson Nieves Santanna Júnior e Alan Floyd Gipsztejn. Naquele momento, Rodrigo estava se convertendo ao judaísmo, e a conversa teria se iniciado com os outros dois, judeus, em razão disso, segundo o promotor.
Durante essa conversa, outra pessoa teria alertado os três de que havia uma mesa com skinheads e que um deles teria dito "tem judeu na área". Logo depois, teriam se iniciado as agressões do grupo enfurecido. Alan conseguiu escapar, Edson foi atingido por dois golpes de faca e também fugiu, já Rodrigo foi cercado, espancado e esfaqueado.
— Eles queriam matar. Quem pega uma pessoa e espanca dessa maneira quer matar — disse Azevedo.
Logo depois, o promotor atacou os álibis apresentados pelos réus. Dos três, dois foram interrogados na quinta-feira (30) e negaram participação no crime. Israel alega que estava em Guaíba, numa confraternização familiar, e Valmir diz que estava trabalhando num bar, no Centro de Porto Alegre. O promotor considerou as alegações "fracas".
— Tenho testemunhas que assistiram o crime e viram eles lá. Alguém está mentindo — atacou o promotor.
No caso de Israel, criticou o fato de que as testemunhas que confirmam que ele estava em Guaíba só terem aparecido na fase judicial e de Valmir não ter apresentado testemunhas confirmando sua alegação. O réu chegou a tentar incluir uma declaração de um ex-patrão no processo, que confirmava que ele estava trabalhando.
A Justiça chegou a aceitar o documento, mas houve recurso por parte do MP, e o Tribunal de Justiça determinou que a peça não fosse acrescentada ao processo. O promotor alegou que não poderia aceitar esse tipo de álibi, sem poder ouvir a testemunha e fazer outras perguntas. A juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva advertiu que se o MP está falando na declaração a defesa poderá fazer o mesmo.
O promotor lembrou a brutalidade das agressões, disse que os autores queriam matar a vítima, que só não morreu porque as pessoas no entorno interferiram, fazendo pressão para que eles parassem e em razão do socorro rápido.
— Eles queriam que ele morresse — disse.
Logo depois, passou a falar o advogado Victor Luiz Barcellos Lima, que atua pela assistência de acusação.
— Para que não saiam depois as pessoas na rua, dizendo que nazismo é uma coisa banal, é permitida, que eles podem fazer o que bem entendem. (...) Não vejo outra forma de fazer justiça, se não dizendo que a conduta do seu Israel, Valmir e Leandro é reprovada pela sociedade — disse o advogado.
"Ninguém quer ver um crime desses de novo", diz promotora
A promotora Lúcia Helena Callegari lembrou em sua fala que o dia 8 de maio representa a data do fim da Segunda Guerra Mundial, e que esse teria sido um dos motivos que levou o grupo de skinheads a atacar os três estudantes. Das vítimas, duas estavam usando quipá, acessório que simboliza a religião judaica.
— Todo mundo começou a se dar conta de um crime de ódio. Antes de acontecer, quando eles estavam no bar, houve gritos internos dizendo: "Tem judeu na área". Todo esse grupo se levantou, saiu de forma organizada, concatenada para cima (das vítimas) — disse.
Durante a fala, a promotora lembrou que um dos réus, condenado em júri anterior, voltou a ser preso em novembro do ano passado, em Santa Catarina. Em dezembro, ele foi um dos denunciados pela suposta prática, incitação e culto do preconceito de raça, cor e religião com idolatria ao nazismo, e se tornou novamente réu. A promotora lembrou que no julgamento anterior o réu também dizia que o movimento neonazista e skinheads fazia parte do passado dele, assim como afirmou um dos réus no júri atual.
Na noite de quinta-feira, o réu Israel admitiu ter feito parte dos grupos durante o interrogatório, ter adquirido livros nazistas, e tirado fotos fazendo saudações, mas afirmou ter mudado.
— Foi um erro. Era um adolescente, inconsequente. Peço perdão pros meus amigos, para a comunidade judaica. Hoje sou uma pessoa diferente — alegou.
A promotora sustentou que a mesma postura foi mantida pelo outro réu, que voltou a ser preso.
— Ninguém quer ver um crime desses de novo. E é essa a nossa missão no dia de hoje — disse.
A promotora buscou afastar a possibilidade de que os réus tenham sido reconhecidos de forma equivocada, no lugar de outros. Na época do crime, eles foram presos e libertados cerca de cem dias depois, em razão dessa suspeita. A representante do MP argumentou que houve uma tentativa de "salvar os líderes", referindo-se aos réus, como pessoas que eram responsáveis por arregimentar e organizar o grupo. Lembrou que, apesar disso, testemunhas mantiveram o reconhecimento dos réus, realizado antes.
Logo depois, a promotora buscou detalhar a conduta de cada um dos réus. Disse que um deles, o réu Israel, foi quem chutou as costas da vítima, Rodrigo Fontella Matheus, que já não se mexia mais. Uma das testemunhas ouvidas durante o júri disse que neste momento pensou que a vítima tinha morrido. A promotora também lembrou o depoimento de uma testemunha, que alegou ter ouvido o grupo gritar antes do ataque: "Judeu tem que morrer".
— A versão dos réus é de que não estavam no lugar e que não são mais skinheads — disse a promotora.
Na sequência, mostrou imagens de redes sociais de Leandro, com as quais buscou comprovar que o réu manteve a mesma conduta. O réu não chegou a ser interrogado porque não compareceu ao julgamento.
— Em 2017, ele seguia postando mensagens nazistas no Facebook. É muito bonitinho dizer "não tenho mais envolvimento", mas continua publicando isso — afirmou.
Por fim, a promotora mostrou uma fotografia da vítima hospitalizada.
— Essa vítima ficou assim porque decidiu que queria se converter ao judaísmo — disse.
O júri entrou em intervalo para almoço, e deve ser retomado às 13h, com as defesas dos réus.
Contrapontos
O que diz a defesa de Israel Andreotti da Silva
Os advogados José Paulo Schneider dos Santos, Matheus da Silva Antunes e João Augusto Ribeiro Kovalski enviaram nota, na qual sustentam a inocência do cliente e alegam que Israel nunca teve posição de liderança nesses grupos neonazistas. A defesa sustenta que o réu chegou a integrar um grupo, mas se retirou antes de 2005. Confira a nota:
"A defesa de Israel Andreotti da Silva aguarda há quase 18 anos o desfecho deste injusto processo. Adverte-se que, durante o julgamento, serão apresentadas provas da inocência de Israel, sobretudo os áudios constantes no processo, que explicam, de maneira detalhada, a dinâmica e quem foram os verdadeiros responsáveis deste bárbaro crime. Será demonstrando, ainda, que Israel jamais exerceu liderança nos grupos investigados, sendo que a própria denúncia não lhe atribui tal fato. Ademais, será provado que, à época dos fatos, Israel não possuía qualquer tipo de contato ou ligação com as pessoas investigadas. Por fim, esta defesa confia nos Jurados e Juradas do Porto Alegre/RS que, com tranquilidade, responsabilidade e coerência irão desfazer aquele que é o maior e mais longo erro da história do Judiciário gaúcho".
O que diz a defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior
Os advogados Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani enviaram nota, na qual também afirmam a inocência do cliente. Confira:
"A defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior, por seus procuradores Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani, afirma que será, na defesa em plenário, que se comprovará a total inocência de seu cliente, com a prova já apresentada no processo, desde seu início. Reafirma a total confiança de que será feita a justiça a Valmir".
O que diz a defesa de Leandro Maurício Patino Braun
Procurado, o advogado Rodrigo de Lima Noble optou por não se manifestar sobre o caso.