Deve chegar ao fim nesta sexta-feira (31) o julgamento dos três réus por ataque a judeus em Porto Alegre. O julgamento, que se iniciou na terça-feira (28), chega ao quarto dia. São julgados no Fórum Central da Capital os réus Valmir Dias da Silva Machado Júnior, 43, Israel Andriotti da Silva, 41, e Leandro Maurício Patino Braun – este último é o único que não acompanha o julgamento. Eles respondem por tentativa de homicídio qualificada contra uma das três vítimas agredidas na madrugada de 8 de maio de 2005, no bairro Cidade Baixa.
A sessão deve ser retomada às 8h30min, com o início dos debates entre acusação. Na primeira etapa, tanto Ministério Público, como assistentes de acusação, devem apresentar seus argumentos, ao longo de até duas horas e meia. Logo depois, as defesas deverão o mesmo tempo para detalhar suas versões. Após essa fase, a acusação poderá usar mais duas horas para a réplica e as defesas terão o mesmo tempo para a tréplica.
Logo após o encerramento dos debates, os sete jurados se reúnem para decidir se os réus são ou não culpados pelo crime de tentativa de homicídio por motivo torpe, que seria pelo fato de a vítima ser um judeu, também por meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. Segundo a acusação, os réus integravam na época do crime um grupo neonazista.
A promotora Lúcia Helena Callegari, que atua na acusação com o promotor Luiz Eduardo Azevedo, afirma que o trio exercia função de liderança no grupo e que pretende comprovar isso no júri, buscando a condenação dos três. Já as defesas de Valmir e Israel alegam que eles não cometerem as agressões – o advogado de Leandro é o único que não se manifestou até o momento.
Por fim, serão os sete jurados que decidirão se os réus serão condenados ou absolvidos. Em caso de condenação, caberá à juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, titular do 2º Juizado da 2ª Vara do Júri de Porto Alegre, aplicar a pena.
Interrogatórios
Às 19h38min, foi dado início ao interrogatório de Israel, que optou por responder a todas as partes, incluindo a acusação. O réu afirmou que dia 7 de maio era o aniversário de casamento dele com a ex-esposa e 8 de maio é o aniversário da mãe dele, sendo que naquele ano a data também era Dia das Mães. Em razão disso, segundo ele, foi realizada uma janta naquela data na casa da mãe dele em Guaíba. O réu alega que estava lá e que não seguiu para Porto Alegre naquela madrugada.
— Hoje eu vou esclarecer isso porque estou cansado. Estou cansado de acordar pensando nisso — disse, chorando.
A juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva questionou sobre o que havia motivado o ingresso do réu no processo. Israel alegou que no fim de 2002, quando integrava grupo de skinheads, envolveu-se numa briga com um grupo de punks, em frente a um bar. A juíza questionou no período em que o réu integrava os skinheads qual era ideologia propagada.
— Não chegava a ter uma ideologia. Até eu entrar na faculdade, era meio analfabeto funcional. Para mim, não tinha muito ideologia, era estar ali. Era meio nacionalismo. No início, era umas bandeiras do Brasil — disse.
O réu relatou que ele mesmo comprou em sebos os livros com conteúdos neonazistas e que costumava se reunir com o grupo.
— Fazia saudação, tirava foto fazendo saudação. Fazia, churrasco, bebia, ouvia música. Eu estava saindo da adolescência e indo para a fase adulta.
O réu alegou que após o processo gerado pela briga com os punks se afastou dos skinheads.
— Eu não cometi esse crime, não tentei matar esse rapaz, não dei facada em ninguém. Eu estava na minha casa, no aniversário da minha mãe. Estava tentando dar um rumo melhor para a minha vida — disse.
Na sequência, o réu passou a ser questionado pela acusação.
— Sete testemunhas lhe reconhecem, o senhor era neonazista, como vamos dar crédito a sua versão? — indagou o promotor Luiz Azevedo.
— Estavam dizendo que eu tinha ido lá, tinha batido no cara, tudo que eu dizia para o delegado, parece que eu estava falando com as paredes — respondeu.
— O senhor está muito longe de ser analfabeto funcional — disse o promotor, sobre a alegação anterior do réu.
Israel se defendeu, afirmando que estudou posteriormente, e isso levou a um momento de tensão com a acusação, sendo interrompido pela defesa do réu.
— Ele não responde mais nenhuma pergunta do Ministério Público. Ou o MP faz pergunta objetiva ou não pergunta mais. O senhor quer debater, debata comigo. Só respeita o meu cliente, e faça pergunta objetivas — disse o advogado José Paulo Schneider dos Santos.
— Não grite doutor, não seja grosseiro — respondeu o promotor.
Logo depois, a acusação voltou a fazer questionamentos ao réu. A promotora Lúcia Helena Callegari mostrou ao réu alguns itens apreendidos, como bandeira com símbolos nazistas e uma camiseta preta com escrito "skinheads". O réu respondeu que esse material era usado em churrasco com o grupo neonazista.
— Até 2003, andei com esse pessoal e depois não mais. Em 2005, eu não tentei matar o Rodrigo. Eu não nego que andei com skinheads — disse Israel.
"Sou inocente", diz réu
Antes dele, também durante a noite desta quinta-feira foi interrogado Valmir, o primeiro réu a falar no júri. Questionado pela juíza Lourdes Helena sobre o que estava fazendo na madrugada do crime, respondeu:
— Eu estava trabalhando nesse dia, doutora.
Valmir alegou que estava trabalhando como segurança em um bar, no Centro de Porto Alegre, onde havia se empregado cerca de três meses antes. Questionado se conhecia Israel, disse que os dois andavam juntos até 2003. A juíza perguntou se era em grupos neonazistas.
— Nazista não. Tocava numa banda. Eu sempre toquei, desde a adolescência. E aí eu entrei para o movimento Carecas (do Brasil), conheci o pessoal, e foi nesse meio que acabei conhecendo o Israel — respondeu.
A juíza perguntou se o réu tem ideia de por que foi acusado de participação nesta agressão.
— Por causa do processo de 2003, uma briga com os punks — disse.
A magistrada questionou o que o réu poderia falar sobre o fato de ter sido reconhecido pelas testemunhas como um dos autores. Alegou que testemunhas foram ouvidas na fase policial, confirmando que ele estava trabalhando naquela madrugada.
— Sou inocente, estava trabalhando. Para mim, esses reconhecimentos de 2005 foram influenciados, devido ao processo de 2003. Não acharam quem fez isso, e imputaram a culpa em nós porque já tinha nosso nome lá — afirmou.
Testemunhas
Mais cedo, durante o júri, foram ouvidas as últimas testemunhas de defesa. Pela manhã, falaram uma ex-companheira do réu Israel e a atual esposa dele. A primeira afirmou que o ex estava numa confraternização familiar em Guaíba na data dos fatos. Melissa Bernardes, 42 anos, falou na condição de informante por ser ex-esposa do acusado. Segundo Melissa, eles comemoravam o aniversário da mãe de Israel e o de casamento na cidade de Guaíba no dia do crime. Ela disse que a festa foi na casa da ex-sogra e que eles foram para o município da Região Metropolitana antes do horário em que aconteceu o ataque aos três judeus na Capital.
Ao ser perguntada pela juíza sobre o tipo de material apreendido em sua casa, na época, ela respondeu:
— Era sobre nazismo, sobre extrema-direita. Eram CDs e livros guardados há muito tempo, às vezes nós abríamos a caixa onde estava este material, mas estávamos vendo como se livrar disso.
Depois de Melissa, a atual esposa do réu, Carolina Flores, 38 anos, foi ouvida. Ela respondeu questões sobre o relacionamento dos dois. Disse que se conheceram a partir de 2008 e ressaltou que o réu contou toda a história sobre o fato de ser suspeito do caso. Além disso, a informante ressaltou que Israel e ela atualmente administram um hostel em Torres. Sobre atos supremacistas, ela negou qualquer tipo de ações atuais por parte do marido e disse não saber detalhes do que possa ter ocorrido na época do ataque.
À tarde, foi ouvido um advogado, que chegou a ser réu no processo, mas depois deixou a lista de acusados após uma decisão do Tribunal de Justiça. O nome da testemunha havia sido indicado pela defesa do réu Leandro, que desistiu da oitiva, mas os advogados de Israel mantiveram o pedido para que ele fosse ouvido. O depoimento, que se iniciou às 14h21min, foi realizado por meio de videoconferência.
— Me causa muito sofrimento, muita dor, participar de algo que por nenhum instante pactuei. Ser taxado de neonazista, racista, no ambiente que eu cresci, destruiu minha vida — disse o advogado, que atualmente reside no Paraná.
Contrapontos
O que diz a defesa de Israel Andreotti da Silva
Os advogados José Paulo Schneider dos Santos, Matheus da Silva Antunes e João Augusto Ribeiro Kovalski enviaram nota, na qual sustentam a inocência do cliente e alegam que Israel nunca teve posição de liderança nesses grupos neonazistas. A defesa sustenta que o réu chegou a integrar um grupo, mas se retirou antes de 2005. Confira a nota:
"A defesa de Israel Andreotti da Silva aguarda há quase 18 anos o desfecho deste injusto processo. Adverte-se que, durante o julgamento, serão apresentadas provas da inocência de Israel, sobretudo os áudios constantes no processo, que explicam, de maneira detalhada, a dinâmica e quem foram os verdadeiros responsáveis deste bárbaro crime. Será demonstrando, ainda, que Israel jamais exerceu liderança nos grupos investigados, sendo que a própria denúncia não lhe atribui tal fato. Ademais, será provado que, à época dos fatos, Israel não possuía qualquer tipo de contato ou ligação com as pessoas investigadas. Por fim, esta defesa confia nos Jurados e Juradas do Porto Alegre/RS que, com tranquilidade, responsabilidade e coerência irão desfazer aquele que é o maior e mais longo erro da história do Judiciário gaúcho".
O que diz a defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior
Os advogados Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani enviaram nota, na qual também afirmam a inocência do cliente. Confira:
"A defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior, por seus procuradores Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani, afirma que será, na defesa em plenário, que se comprovará a total inocência de seu cliente, com a prova já apresentada no processo, desde seu início. Reafirma a total confiança de que será feita a justiça a Valmir".
O que diz a defesa de Leandro Maurício Patino Braun
Procurado, o advogado Rodrigo de Lima Noble optou por não se manifestar sobre o caso.