O terceiro dia de julgamento dos três réus que respondem pelo ataque a judeus há quase 18 anos na Cidade Baixa, em Porto Alegre, iniciou-se às 8h50min desta quinta-feira (30). A primeira a ser ouvida foi Melissa Bernardes, 42 anos. Ela falou na condição de informante por ser ex-esposa de um dos acusados, Israel Andreotti da Silva.
Além de Israel, estão sendo julgados no Fórum Central da Capital Valmir Dias da Silva Machado Júnior e Leandro Maurício Patino Braun — a previsão é de que o júri possa se estender até sexta-feira (31). Eles respondem pelo crime de tentativa de homicídio contra uma das três vítimas de agressões. O ataque aconteceu em 8 de maio de 2005.
Segundo Melissa, eles comemoravam o aniversário da mãe de Israel e o de casamento na cidade de Guaíba no dia do crime. Ela disse que a festa foi na casa da ex-sogra e que eles foram para o município da Região Metropolitana antes do horário em que aconteceu o ataque aos três judeus na Capital.
Ao responder perguntas da juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva e da acusação, a depoente alegou não lembrar de muitos detalhes, mas destacou que foram embora do local na madrugada seguinte porque Israel já estaria embriagado. Ela disse que moravam perto da residência da sogra dela, também em Guaíba.
Melissa falou sobre o dia em que a Polícia Civil cumpriu ordens judiciais na casa deles:
— Eu soube alguns dias depois que ele (Israel) estava sendo investigado e lembro que ele ficou muito alterado. Ele chorava muito porque sabíamos que ele não estava na Cidade Baixa no dia do ataque — ressaltou Melissa.
Ao ser perguntada pela juíza sobre o tipo de material apreendido em sua casa, na época, ela respondeu:
— Era sobre nazismo, sobre extrema-direita. Eram CDs e livros guardados há muito tempo, às vezes nós abríamos a caixa onde estava este material, mas estávamos vendo como se livrar disso — destacou a ex-companheira de Israel.
A mulher foi questionada sobre suas tatuagens de símbolos alusivos às ideias de Adolf Hitler, fotos fazendo saudação nazista com uma das mãos e cartas enviadas por ela a Israel com corações e a suástica dentro. Para todas essas perguntas ela respondeu que não se lembrava direito e que não sabia do que se tratava na época.
Perguntas da defesa
Melissa respondeu a perguntas da defesa de Machado Júnior porque também foi namorada deste outro réu, ainda antes do relacionamento com Israel. Ela disse que não mantinha mais contato com ele havia pelo menos três anos antes do ataque e que jamais viu atitudes supremacistas dele.
A defesa de Israel questionou a informante sobre o réu ter se desligado de grupos ideológicos e ela confirmou que ele não mantinha mais contatos pelo menos desde 2003. Além disso, ela falou que o ex-companheiro, em maio de 2005, não tinha cabelo raspado, como se fosse um skinhead.
Melissa, apesar de já ter dito que havia material neonazista apreendido em sua casa, negou que havia coturnos ou fardas na sua residência. O depoimento dela terminou as 11h04min, durando pouco mais de duas horas.
Segundo depoimento do dia
Depois de Melissa, a atual esposa do réu, Carolina Flores, 38 anos, foi ouvida. Ela falou até as 12h46mim e respondeu questões sobre o relacionamento dos dois. Disse que se conheceram a partir de 2008 e ressaltou que o réu contou toda a história sobre o fato de ser suspeito do caso.
Além disso, a informante ressaltou que Israel e ela atualmente administram um hostel em Torres. Sobre atos supremacistas, ela negou qualquer tipo de ações atuais por parte do marido e disse não saber detalhes do que possa ter ocorrido na época do ataque.
A previsão é de que os réus falem pela tarde. O réu Leandro Patino Braun não está comparecendo ao julgamento.
Relembre o ataque
O ataque aconteceu em 8 de maio de 2005, nas imediações de um bar na Rua General Lima e Silva, na Cidade Baixa. Por volta das 2h, Rodrigo Fontella Matheus, Edson e Alan Floyd Gipsztejn estavam em pé, na calçada, quando foram cercados pelo grupo. Foram agredidos, com socos e pontapés, e dois deles atingidos por golpes de faca. Um deles teve ferimentos mais graves e precisou permanecer hospitalizado.
Na época, a polícia concluiu que os jovens foram atacados por um grupo de skinheads, de ideologia neonazista, após serem identificados como judeus, pois usavam quipá, acessório que representa a religião judaica. Eles chegaram a ser presos na época do crime, mas foram libertados cerca de cem dias depois, e atualmente respondem em liberdade.
Outros julgamentos
- Em 15 de setembro de 2018, Thiago Araújo da Silva e Laureano Vieira Toscani foram condenados por tentativa de homicídio e duas lesões corporais a 13 anos de prisão, e Fábio Roberto Sturm, a 12 anos e oito meses.
- Em 23 de março de 2019, Daniel Vieira Sperk e Leandro Comaru Jachetti foram sentenciados a 14 anos de prisão. O mesmo Conselho de Sentença desclassificou a tentativa de homicídio imputada a um sexto réu para lesões corporais e foi declarada extinta a punibilidade do crime por prescrição.
- Cinco réus não foram pronunciados pela tentativa de homicídio e, portanto, não serão julgados pelo Tribunal do Júri.
Contrapontos
O que diz a defesa de Israel Andreotti da Silva
Os advogados José Paulo Schneider dos Santos, Matheus da Silva Antunes e João Augusto Ribeiro Kovalski enviaram nota, na qual sustentam a inocência do cliente e alegam que Israel nunca teve posição de liderança nesses grupos neonazistas. A defesa sustenta que o réu chegou a integrar um grupo, mas se retirou antes de 2005. Confira a nota:
"A defesa de Israel Andreotti da Silva aguarda há quase 18 anos o desfecho deste injusto processo. Adverte-se que, durante o julgamento, serão apresentadas provas da inocência de Israel, sobretudo os áudios constantes no processo, que explicam, de maneira detalhada, a dinâmica e quem foram os verdadeiros responsáveis deste bárbaro crime. Será demonstrando, ainda, que Israel jamais exerceu liderança nos grupos investigados, sendo que a própria denúncia não lhe atribui tal fato. Ademais, será provado que, à época dos fatos, Israel não possuía qualquer tipo de contato ou ligação com as pessoas investigadas. Por fim, esta defesa confia nos Jurados e Juradas do Porto Alegre/RS que, com tranquilidade, responsabilidade e coerência irão desfazer aquele que é o maior e mais longo erro da história do Judiciário gaúcho".
O que diz a defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior
Os advogados Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani enviaram nota, na qual também afirmam a inocência do cliente. Confira:
"A defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior, por seus procuradores Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani, afirma que será, na defesa em plenário, que se comprovará a total inocência de seu cliente, com a prova já apresentada no processo, desde seu início. Reafirma a total confiança de que será feita a justiça a Valmir."
O que diz a defesa de Leandro Maurício Patino Braun
Procurado, o advogado Rodrigo de Lima Noble optou por não se manifestar sobre o caso.