O terceiro dia de julgamento dos réus por um ataque a judeus ocorrido em maio de 2005, em Porto Alegre, deve se iniciar nesta quinta-feira (30) às 8h30min com oitiva de duas testemunhas de defesa restantes e os interrogatórios dos réus. Estão sendo julgados no Fórum Central da Capital Valmir Dias da Silva Machado Júnior, Israel Andriotti da Silva e Leandro Maurício Patino Braun — a previsão é de que o júri possa se estender até sexta-feira (31).
Nesta terça-feira (29), foram ouvidas as três testemunhas de acusação restantes (uma delas considerada como informante por ter sido ex-cunhada de uma das vítimas), e mais três informantes pela defesa do réu Israel. Como houve desistência de uma das oitivas, nesta quinta-feira serão ouvidas duas testemunhas restantes e logo depois passarão a ser interrogados os réus. Neste momento, eles poderão apresentar aos jurados suas versões do que ocorreu.
Estão presentes no plenário somente os réus Israel e Valmir — Leandro está representado pela defesa, mas não compareceu à sessão em nenhum dos dias. Ele também não deve participar do interrogatório. As defesas de Valmir e Israel (confira abaixo) negam que eles tenham envolvimento no ataque aos três estudantes judeus. Na sequência se iniciarem os debates entre acusação e defesas, o que deve ocorrer no meio da tarde.
Como se trata de um júri com mais de um réu, o tempo para apresentação dos argumentos de cada parte é mais longo. Inicialmente, tanto acusação como defesas terão duas horas e meia cada. Logo depois, se a acusação optar por ir à réplica terá mais duas horas e as defesas poderão utilizar também duas horas para a tréplica. Portanto, somente a fase dos debates soma, pelo menos, nove horas de julgamento.
O júri até aqui
Na noite desta quarta-feira (29), foram ouvidas as testemunhas de defesa, que falaram pelo réu Israel. Inicialmente, foi ouvido um ex-colega de trabalho e logo depois uma amiga de infância do réu. Ambos relataram não saber que o réu tivesse qualquer envolvimento com grupos de skinheads.
Por volta das 20h15min, começou a ser ouvido um amigo e professor de jiu-jitsu de Israel, o empresário Alexsandro Santos de Oliveira, 48 anos.
— Ele me falou que não fez parte disso, que não estava presente. Ele disse que não participou, que não teve envolvimento algum — disse o informante.
Durante o depoimento, Oliveira afirmou que foi professor do réu de artes marciais antes de ele ser preso pelo crime. O advogado José Paulo Schneider dos Santos indagou sobre o que é ensinado pelo jiu-jitsu.
— É honra, ser uma boa pessoa, ser uma pessoa correta, tanto dentro como fora do tatame. Acho que lutador de arte marcial, da mesma forma que é leal dentro do tatame, tem que ser fora — afirmou.
O professor disse que após saber que materiais de apologia neonazista tinham sido apreendidos na casa de Israel, indagou o aluno sobre isso. Oliveira disse que Israel admitiu ter feito parte de grupo com essa ideologia anteriormente, mas que não integrava mais e que os itens, dos quais ele pretendia se desfazer, estavam guardados.
A promotora Lúcia Helena Callegari mostrou ao informante alguns materiais apreendidos na casa de Israel, entre eles cartões nos quais havia expressões como "6 milhões de beijos" — estima-se que 6 milhões de judeus tenham sido vítimas do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial — e um cartão no qual estava escrito "white family" (família branca). Também exibiu fotografia de um grupo fazendo gesto semelhante à saudação nazista, na qual aparece o réu Israel.
Após essa oitiva, a juíza Lourdes Helena Pacheco decidiu encerrar a sessão, às 21h20min.
Testemunhas de acusação
Durante a manhã, foram ouvidas duas testemunhas de acusação. A primeira delas foi Guilherme Moura dos Santos, que falou por videoconferência já que mora na Austrália. Ele relatou que presenciou as agressões.
— Aquilo era um massacre, uma surra, uma covardia. Eu sei o que é uma briga. Não sabia o motivo na hora. Pelas vestimentas, atitudes e corte de cabelo, (os agressores) pareciam, no mínimo, simpatizantes de neonazistas — disse.
O ataque aconteceu em 8 de maio de 2005, nas imediações de um bar na Rua General Lima e Silva, na Cidade Baixa. Por volta das 2h, Rodrigo Fontella Matheus, Edson Nieves Santanna Júnior e Alan Floyd Gipsztejn estavam em pé, na calçada, quando foram cercados pelo grupo. Foram agredidos, com socos e pontapés, e dois deles atingidos por golpes de faca. Rodrigo teve ferimentos mais graves e precisou permanecer hospitalizado.
A testemunha afirmou que os agressores usavam coturnos e fardas camufladas. Santos contou que quando viu, uma das vítimas já estava no chão. Ele disse que algumas pessoas do grupo chutavam a cabeça dela e que os ataques eram incessantes. Ele salientou que o agredido usava quipá — uma cobertura para a cabeça utilizada pelos judeus como sinal de humildade, simbolizando que Deus está acima de tudo.
Também pela acusação, a advogada Carolina Fernandes depôs a partir das 10h30min, como informante. Carolina falaria na condição de testemunha de acusação — a quarta de um total de cinco — mas foi ouvida como informante por ter sido cunhada de uma das três vítimas. Ela namorava o irmão de uma das vítimas, Edson Nieves Santanna Júnior. Carolina considerou a cena "uma das piores de sua vida".
— O Júnior (Edson) estava branco e jorrava sangue dele, do abdômen. Estava com o braço machucado também. Era Dia das Mães e como contar para uma mãe que o filho dela estava esfaqueado no hospital? — disse Carolina, emocionada.
Durante a tarde, passou a ser ouvida a última testemunha de acusação: o policial aposentado Davi André Costa Silva, que atualmente é advogado. Ele atuava no Departamento de Polícia Metropolitana na época e ingressou na investigação na segunda fase, quando já havia quatro presos, entre eles os três réus que estão sendo julgados neste júri.
Vítimas
No primeiro dia de julgamento, ainda na terça-feira (28), foram ouvidas as três vítimas e duas testemunhas de acusação. No começo da tarde, foi dado início ao depoimento da primeira vítima: Rodrigo Fontella Matheus.
— Tentei me encolher, proteger o rosto, não imaginava que estavam com faca — lembrou a vítima.
Rodrigo, que atualmente reside em Israel e precisou ser ouvido por videoconferência, relatou que tem traumas até hoje em razão do episódio:
— Tive pesadelos, não conseguia sair na rua. Esta noite não dormi, não comi direito.
A segunda vítima, Edson Nieves Santanna, disse que estava com os amigos, Alan e Rodrigo, em frente ao bar, conversando, e que um deles chegou a avisar que havia skinheads se aproximando. Edson contou que, neste momento, se virou e levou a primeira facada na barriga. Em seguida, mais uma no antebraço. Os dois amigos de Edson estavam usando quipás, ele não. Ele disse ainda que precisou se submeter a tratamentos psicológicos e psiquiátricos após as agressões. Por fim, foi ouvida a vítima Alan Floyd Gipsztejn, que solicitou que seu depoimento não tivesse nenhum trecho divulgado.
Contrapontos
O que diz a defesa de Israel Andreotti da Silva
Os advogados José Paulo Schneider dos Santos, Matheus da Silva Antunes e João Augusto Ribeiro Kovalski enviaram nota, na qual sustentam a inocência do cliente e alegam que Israel nunca teve posição de liderança nesses grupos neonazistas. A defesa sustenta que o réu chegou a integrar um grupo, mas se retirou antes de 2005. Confira a nota:
"A defesa de Israel Andreotti da Silva aguarda há quase 18 anos o desfecho deste injusto processo. Adverte-se que, durante o julgamento, serão apresentadas provas da inocência de Israel, sobretudo os áudios constantes no processo, que explicam, de maneira detalhada, a dinâmica e quem foram os verdadeiros responsáveis deste bárbaro crime. Será demonstrando, ainda, que Israel jamais exerceu liderança nos grupos investigados, sendo que a própria denúncia não lhe atribui tal fato. Ademais, será provado que, à época dos fatos, Israel não possuía qualquer tipo de contato ou ligação com as pessoas investigadas. Por fim, esta defesa confia nos Jurados e Juradas do Porto Alegre/RS que, com tranquilidade, responsabilidade e coerência irão desfazer aquele que é o maior e mais longo erro da história do Judiciário gaúcho".
O que diz a defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior
Os advogados Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani enviaram nota, na qual também afirmam a inocência do cliente. Confira:
"A defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior, por seus procuradores Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani, afirma que será, na defesa em plenário, que se comprovará a total inocência de seu cliente, com a prova já apresentada no processo, desde seu início. Reafirma a total confiança de que será feita a justiça a Valmir."
O que diz a defesa de Leandro Maurício Patino Braun
Procurado, o advogado Rodrigo de Lima Noble optou por não se manifestar sobre o caso.
Outros julgamentos
- Em 15 de setembro de 2018, Thiago Araújo da Silva e Laureano Vieira Toscani foram condenados por tentativa de homicídio e duas lesões corporais a 13 anos de prisão, e Fábio Roberto Sturm, a 12 anos e oito meses.
- Em 23 de março de 2019, Daniel Vieira Sperk e Leandro Comaru Jachetti foram sentenciados a 14 anos de prisão. O mesmo Conselho de Sentença desclassificou a tentativa de homicídio imputada a um sexto réu para lesões corporais e foi declarada extinta a punibilidade do crime por prescrição.
- Cinco réus não foram pronunciados pela tentativa de homicídio e, portanto, não serão julgados pelo Tribunal do Júri.