Durante a tarde desta quarta-feira (29), voltaram a ser ouvidas testemunhas durante o júri de três réus pelo ataque a judeus em Porto Alegre. Estão sendo julgados no Fórum Central da Capital Valmir Dias da Silva Machado Júnior, Israel Andriotti da Silva e Leandro Maurício Patino Braun — a previsão é de que o júri se estenda pelo menos até quinta-feira, com possibilidade de chegar a sexta.
O primeiro ouvido durante a tarde foi o policial aposentado Davi André Costa Silva, que atualmente é advogado. Ele atuava no Departamento de Polícia Metropolitana na época e ingressou na investigação na segunda fase, quando já havia quatro presos, entre eles os três réus que estão sendo julgados neste júri. Os três ficaram detidos por cerca de cem dias, e foram libertados após novos suspeitos, que tinham semelhanças físicas com os primeiros detidos, surgirem na investigação. Isso fez com que novas investigações fossem solicitadas.
— Diante da possibilidade de não serem os que estavam presos que pudessem ter sido os verdadeiros autores, o MP e a magistrada entendeu por continuar investigando, reinquirir as vítimas, para que se fizesse reconhecimento pessoal, como fizemos, para que a partir daí tivesse mais segurança para apontar os investigados — disse o policial.
O promotor Luiz Eduardo Azevedo indagou sobre como a investigação partiu dos quatro suspeitos iniciais para posteriormente ampliar o número de suspeitos. O policial respondeu que na fase inicial já havia relatos de que o grupo envolvido no crime era maior do que os quatro presos. A defesa de um deles, segundo Davi, foi quem levou até a Polícia Civil uma fotografia de novos suspeitos, que tinham semelhanças com dois dos presos.
— Se olhou e realmente eram muito parecidos. Começaria a instrução (do processo contra os primeiros presos) na semana seguinte. Viemos falar com o promotor. Eles olharam e concordaram que havia possibilidade de serem outros. A magistrada optou por retardar a instrução, e devolveu para a polícia as investigações — detalhou o policial.
Segundo o policial, os investigadores decidiram então realizar novo reconhecimento, presencial. Naquele momento, afirmou que acreditavam que, com o apontamento de novos suspeitos, os primeiros presos poderiam vir a ser excluídos da investigação, e não mais reconhecidos como envolvidos nas agressões, mas isso não aconteceu.
— Quando começaram a ser apontados novos, com muita precisão, qual não foi a nossa surpresa, numa reinquirição, muitos dos que tinham sido apontados antes, foram mantidos pelas vítimas e testemunhas. (...) Mantivemos o indiciamento dos que já tinham sido indiciados e acrescentamos os novos — disse o policial, explicando o motivo de os réus terem sido mantidos no processo.
O advogado afirmou que foi um dos responsáveis por organizar o reconhecimento durante esta segunda fase da investigação. Disse que para o ato foram chamadas pessoas com semelhanças físicas dos suspeitos, para deixar o procedimento o mais fiel possível, afim de evitar confusões. A promotora Lúcia Helena Callegari indagou se foram tomadas todas as precauções para que uma testemunha não induzisse a outra.
— Enquanto estiveram dentro do Palácio da Polícia, sim. (...) "Parece que é", não serve. Aqueles que foram apontados é porque a pessoa revelava um grau de certeza — disse o policial aposentado.
A advogada Helena SantAnna, assistente de acusação no processo, apresentou à testemunha roupas, livros e outros materiais apreendidos durante a investigação.
— Aquele carrinho (com suástica) lembro bem, as fardas também. Deve ter uma bandeira com suástica aí também — disse o policial.
Davi afirmou ainda que foi nesta investigação que teve contato com esse tema, de grupos de ideologia neonazista.
— Conheci este mundo skinhead no dia em que fui convidado a participar da investigação — disse.
O advogado Rodrigo de Lima Noble, que representa Leandro, indagou durante as questões da defesa se houve alguma investigação apurando se a agressão sofrida por Rodrigo poderia ter sido fruto de alguma desavença pessoal da vítima com os autores, e não pelo fato de se tratar de um crime de ódio contra judeus.
— Não recordo se foi aventado isso — disse a testemunha.
Julgamento
O policial aposentado é a última testemunha de acusação ouvida no júri. Na sequência, ainda há seis testemunhas para falarem pelas defesas dos réus. A expectativa é de que essas oitivas sejam concluídas na noite desta quarta-feira. Depois disso, na quinta, o júri deve entrar na fase de interrogatórios dos réus.
Estão presentes no plenário os réus Valmir e Israel. No caso de Leandro está no júri somente a defesa. Em razão disso, ele não deve ser interrogado. Nesta quarta-feira, a juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva afirmou que há maior possibilidade de que o júri se estenda até sexta-feira, devido ao andamento das oitivas.
Contrapontos
O que diz a defesa de Israel Andreotti da Silva
Os advogados José Paulo Schneider dos Santos, Matheus da Silva Antunes e João Augusto Ribeiro Kovalski enviaram nota, na qual sustentam a inocência do cliente e alegam que Israel nunca teve posição de liderança nesses grupos neonazistas. A defesa sustenta que o réu chegou a integrar um grupo, mas se retirou antes de 2005. Confira a nota:
"A defesa de Israel Andreotti da Silva aguarda há quase 18 anos o desfecho deste injusto processo. Adverte-se que, durante o julgamento, serão apresentadas provas da inocência de Israel, sobretudo os áudios constantes no processo, que explicam, de maneira detalhada, a dinâmica e quem foram os verdadeiros responsáveis deste bárbaro crime. Será demonstrando, ainda, que Israel jamais exerceu liderança nos grupos investigados, sendo que a própria denúncia não lhe atribui tal fato. Ademais, será provado que, à época dos fatos, Israel não possuía qualquer tipo de contato ou ligação com as pessoas investigadas. Por fim, esta defesa confia nos Jurados e Juradas do Porto Alegre/RS que, com tranquilidade, responsabilidade e coerência irão desfazer aquele que é o maior e mais longo erro da história do Judiciário gaúcho".
O que diz a defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior
Os advogados Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani enviaram nota, na qual também afirmam a inocência do cliente. Confira:
"A defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior, por seus procuradores Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani, afirma que será, na defesa em plenário, que se comprovará a total inocência de seu cliente, com a prova já apresentada no processo, desde seu início. Reafirma a total confiança de que será feita a justiça a Valmir."
O que diz a defesa de Leandro Maurício Patino Braun
Procurado, o advogado Rodrigo de Lima Noble optou por não se manifestar sobre o caso.
Outros julgamentos
- Em 15 de setembro de 2018, Thiago Araújo da Silva e Laureano Vieira Toscani foram condenados por tentativa de homicídio e duas lesões corporais a 13 anos de prisão, e Fábio Roberto Sturm, a 12 anos e oito meses.
- Em 23 de março de 2019, Daniel Vieira Sperk e Leandro Comaru Jachetti foram sentenciados a 14 anos de prisão. O mesmo Conselho de Sentença desclassificou a tentativa de homicídio imputada a um sexto réu para lesões corporais e foi declarada extinta a punibilidade do crime por prescrição.
- Cinco réus não foram pronunciados pela tentativa de homicídio e, portanto, não serão julgados pelo Tribunal do Júri.