A advogada Carolina Fernandes depôs nesta quarta-feira (29), a partir das 10h30min, como informante no júri de três réus pelo ataque a um grupo judeus, em Porto Alegre, em crime cometido há quase 18 anos. O julgamento dos últimos três acusados de um grupo de 14 investigados na época ocorre desde terça-feira (28), no Foro Central da Capital. Estão sendo julgados Valmir Dias da Silva Machado Júnior, Israel Andriotti da Silva e Leandro Maurício Patino Braun — a previsão é de que o júri se estenda até quinta-feira.
Carolina falaria na condição de testemunha de acusação — a quarta de um total de cinco — mas foi ouvida como informante por ter sido cunhada de uma das três vítimas. Ela namorava o irmão de uma das vítimas, Edson Nieves Santanna Júnior, que depôs por videoconferência na terça, no primeiro dia do júri.
O ataque aconteceu em 8 de maio de 2005, nas imediações de um bar na Rua General Lima e Silva, na Cidade Baixa. Por volta das 2h, Rodrigo Fontella Matheus, Edson e Alan Floyd Gipsztejn estavam em pé, na calçada, quando foram cercados pelo grupo. Foram agredidos, com socos e pontapés, e dois deles atingidos por golpes de faca. Um deles teve ferimentos mais graves e precisou permanecer hospitalizado.
Carolina considerou a cena "uma das piores de sua vida". Ela disse que o namorado, na época, não usava quipá — uma cobertura para a cabeça utilizada pelos judeus como sinal de humildade, simbolizando que Deus está acima de tudo. No entanto, o ex-cunhado estava com o acessório que identifica a religião judaica.
— O Júnior (Edson) estava branco e jorrava sangue dele, do abdômen. Estava com o braço machucado também. Era Dia das Mães e como contar para uma mãe que o filho dela estava esfaqueado no hospital? — disse Carolina, emocionada, durante o júri.
Carolina, que pediu à Justiça que retirassem os réus da sessão durante seu depoimento, também ressaltou que eles foram perseguidos pelo grupo, mesmo indo para o hospital após as agressões. Ela disse que por anos eles seguiram ameaças de morte, ligações e contou que até pintaram uma suástica em frente a sua casa.
Carolina respondeu também perguntas das defesas dos réus, que questionaram principalmente se ela lembrava de ter reconhecido algum dos réus durante apresentação deles na polícia.
— Eles mudaram, não usavam mais as roupas típicas de neonazistas e já com cabelos mais compridos — respondeu.
Ela ressaltou no depoimento, que durou mais de três horas, que ainda tem medo e que o ex-cunhado, vítima no ataque, passou a usar quipá apenas em locais fechados. Ela disse que durante um ano e meio eles deixaram de sair de casa à noite.
Próximos passos
À tarde, está previsto para depor um policial civil aposentado, que investigou o caso na época, como última testemunha de acusação. O objetivo da juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva é ouvir, até o final do dia, mais seis testemunhas de defesa.
Os réus devem ser interrogados na manhã de quinta-feira (30) — apenas dois devem falar, já que um deles não está comparecendo ao júri. A ideia da magistrada é que os debates e a sentença também ocorram até o final do dia ou ana madrugada de sexta-feira.
O caso
Na época, a polícia concluiu que os jovens foram atacados por um grupo de skinheads, de ideologia neonazista, após serem identificados como judeus, pois usavam quipá, acessório que representa a religião judaica. Eles chegaram a ser presos na época do crime, mas foram libertados cerca de cem dias depois, e atualmente respondem em liberdade.
Os três réus respondem por tentativa de homicídio contra Matheus. As agressões sofridas pelos outros dois foram consideradas lesão corporal, e o crime prescreveu, motivo pelo qual eles serão julgados somente pelo ataque a uma das vítimas. No entendimento do Ministério Público, os réus agiram por motivo torpe, que seria somente pelo fato de a vítima ser um judeu, também por meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. Segundo a acusação, os réus integravam na época do crime um grupo neonazista.
As três vítimas foram ouvidas no primeiro dia de júri. Pelo Ministério Público atuam os promotores Lúcia Helena Callegari e Luiz Eduardo Azevedo. A advogada Helena Sant Anna é assistente de acusação.
Outros julgamentos
- Em 15 de setembro de 2018, Thiago Araújo da Silva e Laureano Vieira Toscani foram condenados por tentativa de homicídio e duas lesões corporais a 13 anos de prisão, e Fábio Roberto Sturm, a 12 anos e oito meses.
- Em 23 de março de 2019, Daniel Vieira Sperk e Leandro Comaru Jachetti foram sentenciados a 14 anos de prisão. O mesmo Conselho de Sentença desclassificou a tentativa de homicídio imputada a um sexto réu para lesões corporais e foi declarada extinta a punibilidade do crime por prescrição.
- Cinco réus não foram pronunciados pela tentativa de homicídio e, portanto, não serão julgados pelo Tribunal do Júri.
Contrapontos
O que diz a defesa de Israel Andreotti da Silva
Os advogados José Paulo Schneider dos Santos, Matheus da Silva Antunes e João Augusto Ribeiro Kovalski enviaram nota, na qual sustentam a inocência do cliente e alegam que Israel nunca teve posição de liderança nesses grupos neonazistas. A defesa sustenta que o réu chegou a integrar um grupo, mas se retirou antes de 2005. Confira a nota:
"A defesa de Israel Andreotti da Silva aguarda há quase 18 anos o desfecho deste injusto processo. Adverte-se que, durante o julgamento, serão apresentadas provas da inocência de Israel, sobretudo os áudios constantes no processo, que explicam, de maneira detalhada, a dinâmica e quem foram os verdadeiros responsáveis deste bárbaro crime. Será demonstrado, ainda, que Israel jamais exerceu liderança nos grupos investigados, sendo que a própria denúncia não lhe atribui tal fato. Ademais, será provado que, à época dos fatos, Israel não possuía qualquer tipo de contato ou ligação com as pessoas investigadas. Por fim, esta defesa confia nos Jurados e Juradas do Porto Alegre/RS que, com tranquilidade, responsabilidade e coerência irão desfazer aquele que é o maior e mais longo erro da história do judiciário gaúcho".
O que diz a defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior
Os advogados Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani enviaram nota, na qual também afirmam a inocência do cliente. Confira:
"A defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior, por seus procuradores Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani, afirma que será, na defesa em plenário, que se comprovará a total inocência de seu cliente, com a prova já apresentada no processo, desde seu início. Reafirma a total confiança de que será feita a justiça a Valmir".
O que diz a defesa de Leandro Maurício Patino Braun
Procurado, o advogado Rodrigo de Lima Noble optou por não se manifestar sobre o caso.