Durou dez horas, nesta terça-feira (18), o primeiro dia de julgamento pela 2ª Vara do Júri de Porto Alegre de três dos 14 réus acusados de atacar um grupo de judeus em 2005. O crime ocorreu em 8 de maio daquele ano, no bairro Cidade Baixa, data em que era celebrado o fim o Holocausto (assassinato em massa de judeus durante a 2ª Guerra Mundial).
O Ministério Público (MP) acusa Laureano Vieira Toscani, Fábio Roberto Sturm e Thiago Araújo da Silva de tentativa de homicídio triplamente qualificado, por motivo torpe (discriminação racial), meio cruel e recurso que dificultou defesa das vítimas. Os promotores afirmam que o trio fazia parte de um grupo neonazista. Um acordo entre o MP e os advogados dos réus e acatado pela juíza Cristine Busatto Zardo fez com que o júri fosse dividido em dois dias.
O julgamento será retomado nesta quarta-feira (19), às 9h, quando haverá manifestação dos defensores públicos Tatiana Boeira e Álvaro Fernandes, que defendem Thiago e Fábio. Depois, o MP terá 2h30 para tréplica e mais 2h30 para manifestação da defesa. Concluídas essas etapas, os sete jurados se reunirão em uma sala e decidirão se os réus são culpados ou inocentes do crime de tentativa de homicídio triplamente qualificado.
O julgamento
Pela manhã, duas vítimas de agressões foram ouvidas. Uma delas, alvo de facada, chutes e socos, disse que foi seguida duas vezes depois do crime. A última perseguição teria ocorrido neste ano, no mês de junho. A outra afirmou que, mesmo passados 13 anos, acha que corre risco de vida.
O réu Laureano Vieira Toscani, que atualmente mora nos Estados Unidos, foi o primeiro dos três réus a ser ouvido. Ele negou participação no crime. Disse que não estava no local no momento do fato. Admitiu, no entanto, que fazia parte de um grupo de skinheads.
— Me envolvi em muita briga e arruaça, mas nunca feri ninguém. Eu não ofereço risco a ninguém — afirmou o réu.
O julgamento foi suspenso no fim da manhã e retomado no início da tarde com o depoimento do réu Fábio Roberto Sturm. Ele disse que não sabia se os outros acusados eram ou não neonazistas. Admitiu que estava no momento do crime, mas que não teve participação. A mesma versão foi dita pelo outro réu, Thiago Araújo da Silva.
— Eu estava no bar tomando cerveja e já estava indo embora quando começou a confusão. Mas eu não tive participação.
Logo após os depoimentos dos réus, a promotora Andréa Almeida Machado falou por três horas.
— Não podemos admitir que na nossa cidade uma pessoa tenha medo de andar na rua com indumentária que lhe caracteriza com determinada religião — disse Andréa sobre o quipá (chapéu usado por judeus), usado pelas vítimas quando foram atacadas.
A promotora disse que o grupo estava naquele local com intenção de atacar as vítimas:
— Esse grupo pretendia a morte daqueles meninos. Todos agiram de alguma forma. Ou batendo, ou fazendo segurança ou para organizar a fuga. Todos agiram com dolo.
Durante sua manifestação, a promotora mostrou vários materiais apreendidos com os réus, como bandeiras "White Power", bandeira com a suástica e livros de Adolf Hitler.
— Mas eles não são nazistas — ironizou a promotora.
Logo depois, falou o assistente de acusação. O advogado João Batista Costa Saraiva reclamou da morosidade do Judiciário.
— Isso é vergonhoso. Um processo levar 13 anos é uma vergonha. Mas minha confiança absoluta é que esse corpo de jurados não irá falhar.
O advogado de Laureano, Marcelo Bertoluci, foi o último a falar no primeiro dia do júri. Reforçou o que havia dito seu cliente em depoimento e garantiu que ele não estava no local, no momento do crime.
— Nós temos provas de que ele não estava no local do fato. Ele estava em um churrasco no bairro Jardim Botânico.
Os pais de Laureano acompanhavam o júri. Quando Bertoluci citava o casal de idosos, o réu chorava em plenário.
Ao final da manifestação de Bertoluci, a juíza Cristiane Busatto Zardo fez questão de explicar os motivos da demora do processo.
— Esse processo teve o que a gente chama de cisão. Alguns réus recorreram da sentença de pronúncia e outros não. Só que nós tivemos que aguardar o resultado dos recursos do processo que vai a júri no dia 22 (de novembro).
A 3ª Câmara Criminal do TJ levou quatro anos para concluir o julgamento dos recursos. Os outros 11 réus serão julgados em novembro de 2018 e março de 2019.
Entenda o caso
O ataque aconteceu em maio de 2005, em frente a um bar na Rua Lima e Silva. Na época, a investigaçãoapontou que os agressores, que estavam dentro do estabelecimento, teriam visto as três vítimas do lado de fora, usando quipás (chapéu usado por judeus). O trio teria saído do local e os surpreendido com golpes de facas e canivetes.
Segundo denúncia do Ministério Público (MP), os três réus seriam integrantes de um grupo chamado "Carecas do Brasil", que divulgava ideias discriminatórias na internet e conteúdos antissemita e nazistas, pregando a supremacia da raça ariana.