Preso preventivamente pela suspeita de envolvimento na morte da namorada em Porto Alegre, André Ávila Fonseca, 37 anos, mantinha hábitos incomuns na casa onde morava, na Zona Leste, e nas redes sociais. O homem, que agora é investigado pela polícia, teria criado a própria religião, se intitulava "mestre bruxo" e "especialista em destruição e vingança", oferecendo trabalhos para "drenar as energias do seu inimigo". Em depoimento nesta quarta-feira (29), ele confessou o crime, segundo a delegada Cristiane Ramos, da 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Porto Alegre.
Fonseca estava foragido desde o último sábado (25), dia da morte de Laila Vitória Rocha Oliveira, 20 anos, cujo corpo foi encontrado dentro de casa, na Lomba do Pinheiro. Conforme as investigações, os dois mantinham relacionamento a distância — a jovem morava em Parauapebas, no Pará, e estava na Capital visitando o homem desde meados de fevereiro.
Segundo a polícia, durante a estadia dela em sua casa, o suspeito se mostrou ciumento e apresentou comportamento controlador e abusivo com a vítima. Laila Vitória voltaria para sua cidade natal nesta quarta-feira, mas foi morta antes disso. Ele teria usado uma faca longa, como uma espada, no crime, investigado como feminicídio.
Segundo informações de familiares, o homem teria começado a estudar ocultismo e satanismo aos 15 anos e criado, depois, uma religião própria. Nas redes sociais, ele se apresenta como Victor Samedi, "mestre bruxo em necromancia" — prática que promove um suposto contato com mortos —, e vendia trabalhos espirituais. Com um deles, chamado "ritual Portal da Fortuna", prometia que a pessoa ficaria rica "em 66 dias". Em uma das imagens publicadas em seu perfil, aparece sentado em uma poltrona vermelha, com um cetro em uma das mãos.
Fonseca morava sozinho em uma casa no terreno do pai, onde também fica uma residência de outros familiares. Na de Fonseca, a polícia encontrou um cenário construído para os supostos rituais, com diferentes facas, espadas, espécies de machados, catiçal, caveira, estátuas e máscaras com aspectos demoníacos e chifres.
— Ele criou um Deus próprio, construiu um conceito de Deus dele. Vendia esses trabalhos espirituais, rituais e também estátuas que ele fazia — afirma a delegada Cristiane.
Polícia descarta morte em ritual
Cristiane descarta, contudo, que Laila tenha sido vítima de algum tipo de ritual. A morte ocorreu, segundo ela, por questão de gênero:
— O corpo da vítima não tinha nada que indicasse ritualismo, nenhum tipo de simbolismo. Além disso, recebemos depoimentos de familiares da jovem de que ela relatou ter medo do homem. Essas mensagens foram enviadas quando ela já estava na casa dele, durante a visita. Nas mensagens, ela disse que ele já tinha verbalizado que iria matá-la, que não gostava do comportamento dela, demonstrando essa tentativa de controle sobre a vítima. Era uma relação conflituosa, isso está comprovado.
Essa seria a primeira vez que os dois se encontravam pessoalmente. A delegada afirma que a vítima pode não ter procurado autoridades por medo de Fonseca ou por acreditar que a violência não iria evoluir:
— Ela possivelmente acreditava que logo voltaria para casa, que ele não faria nada mais grave com ela. Mas também iremos apurar se ela vinha sendo mantida em cárcere privado.
Vítima tentou se defender e foi queimada em lareira
Na noite de sábado, a polícia foi acionada por vizinhos que relataram ter ouvido gritos vindos da residência. Ao chegar no local, as equipes encontraram o corpo de Laila na lareira, parcialmente carbonizado.
— Ainda aguardamos mais resultados de perícia, mas sabemos que ela foi colocada na lareira ainda com vida, porque há fuligem nos pulmões. Ele a colocou ali, ateou fogo e depois fugiu. Não se sabe se ainda estava consciente. Há marcas de corte pelo corpo e também marcas de que ela entrou em luta corporal com ele. A vítima tentou se defender — avalia a delegada.
Na casa, a polícia apreendeu uma espécie de espada que teria sido usada no crime, que foi encaminhada à perícia.
Jovens de outros Estados frequentavam a casa
Conforme a investigação, Fonseca costumava receber em casa jovens de outros Estados para passar temporadas. Até o momento, a polícia diz não ter recebido denúncias de mulheres que possam ter sido vítimas de agressão por parte de Fonseca.
— Ele tinha por hábito trazer seguidoras, vindas de outros Estados, para ficar com ele por algum período. Mas elas conseguiram retornar para suas casas e não recebemos nenhum relato por parte dessas mulheres até o momento. Mas ele mantinha relacionamento com elas, a visita não era por motivos religiosos — diz a delegada.
O homem era monitorado por tornozeleira eletrônica desde janeiro, após ser condenado por uma tripla tentativa de homicídio em Porto Alegre. A condenação, que saiu neste ano, se refere a um caso de 2007, em que Fonseca atirou contra três pessoas, sendo dois policiais militares. Na época do crime, ele chegou a ficar preso por cerca de 40 dias, e desde então respondia ao processo em liberdade.
Após o crime, na noite de sábado, ele conseguiu romper o dispositivo e desativar o sinal de monitoramento.
Contraponto
GZH entrou em contato, nesta quarta-feira, com o advogado Jean Maicon Krause, que atende Fonseca, e aguarda posicionamento.
Em nota enviada na segunda-feira (27), Krause afirmou que o cliente não praticou os atos da forma que vem sendo divulgado, negando qualquer motivação religiosa.