Valmir Dias da Silva Machado Júnior, 43 anos, é o primeiro réu a falar durante o julgamento por ataque a judeus em Porto Alegre, no bairro Cidade Baixa, em 8 de maio de 2005. Além dele, são julgados os réus Israel Andriotti da Silva, 41, e Leandro Maurício Patino Braun — único que não acompanha o julgamento e não vai participar do interrogatório. Eles respondem pelo crime de tentativa de homicídio qualificada contra uma das três vítimas de agressões.
O interrogatório de Valmir se iniciou no começo da noite desta quinta-feira (30), às 18h24min. Familiares do réu acompanhavam na plateia o depoimento. Questionado pela juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva sobre o que estava fazendo na madrugada do crime, respondeu:
— Eu estava trabalhando nesse dia, doutora.
Valmir alegou que estava trabalhando como segurança em um bar, no Centro de Porto Alegre, onde havia se empregado cerca de três meses antes. Questionado se conhecia Israel, disse que os dois andavam juntos até 2003. A juíza perguntou se era em grupos neonazistas.
— Nazista não. Tocava numa banda. Eu sempre toquei, desde a adolescência. E aí eu entrei para o movimento Carecas (do Brasil), conheci o pessoal, e foi nesse meio que acabei conhecendo o Israel — respondeu.
A juíza pediu para o réu descrever melhor esse movimento nacionalista que ele afirma ter seguido. Valmir afirmou que era uma ideologia "patriótica" e "separatista".
— Havia alguma ideia supremacista?
— Não, não tinha — respondeu.
A juíza perguntou se o réu tem ideia de por que foi acusado de participação nesta agressão.
— Por causa do processo de 2003, uma briga com os punks — disse.
A magistrada questionou o que o réu poderia falar sobre o fato de ter sido reconhecido pelas testemunhas como um dos autores. Alegou que testemunhas foram ouvidas na fase policial, confirmando que ele estava trabalhando naquela madrugada.
— Sou inocente, estava trabalhando. Para mim, esses reconhecimentos de 2005 foram influenciados, devido ao processo de 2003. Não acharam quem fez isso, e imputaram a culpa em nós porque já tinha nosso nome lá — afirmou.
O réu disse que quando deixou a prisão em 2005, após ficar cerca de cem dias preso, acreditou que o processo estava sendo encerrado. E que, por isso, não chegou a indicar testemunhas dentro do processo, como o ex-patrão, confirmando que ele estava trabalhando naquela madrugada. Afirmou que, mais tarde, tentou inserir no processo uma declaração do ex-patrão reconfirmando que ele estava trabalhando naquela data e horário, mas que esse documento foi recusado pela acusação. Em razão disso, Valmir afirmou que optaria por não responder as perguntas da acusação no interrogatório.
— Eu tinha admitido a declaração, houve recurso do MP, o que é previsto em lei, e o Tribunal (de Justiça) determinou que retirasse do processo — explicou a magistrada.
A defesa fez várias perguntas sobre a vida de Valmir antes e depois de responder ao processo. O réu relatou que na juventude era músico, e que após deixar a prisão decidiu deixar a Capital, após ser apontado nas ruas como nazista.
— A vida que eu tinha acabou — disse.
O réu negou que em algum momento tenha realizado panfletagem com essa ideologia, armazenado materiais nazistas ou utilizado vestimentas como as que foram apresentadas durante o julgamento. Também disse que nada foi apreendido em sua casa durante as buscas realizadas na época de sua prisão. Alegou que acredita ter sido confundido com um dos autores, pela semelhança física. Pouco antes das 19h30min, o interrogatório dele foi encerrado.
"Fazia saudação, tirava foto fazendo saudação", diz acusado
Às 19h38min, foi dado início ao interrogatório de Israel, que optou por responder a todas as partes, incluindo a acusação. O réu afirmou que dia 7 de maio era o aniversário de casamento dele com a ex-esposa e que 8 de maio é o aniversário da mãe dele, sendo que, naquele ano, a data também era Dia das Mães. Em razão disso, segundo ele, foi realizada uma janta naquela data na casa da mãe dele em Guaíba. O réu alega que estava lá e que não seguiu para Porto Alegre naquela madrugada.
— Hoje eu vou esclarecer isso porque estou cansado. Estou cansado de acordar pensando nisso — disse, chorando.
A juíza questionou sobre o que havia motivado o ingresso do réu no processo. Israel alegou que se envolveu, no fim de 2002, em uma briga com um grupo de punks, em frente a um bar.
— Coisa de micro gangues. Nós brigamos. Não chegou a ser nada muito sério — disse.
— Devo entender que em 2003 o senhor estava envolvido no movimento skinheads? — indagou a magistrada.
— Não estou negando — disse Israel.
O réu alegou que, em 2005, estava chegando no trabalho quando foi procurado pela polícia, e que naquele mesmo dia foi apreendido na casa dele o material apresentado no processo. A juíza questionou qual era ideologia no período em que o réu integrava os skinheads.
— Não chegava a ter uma ideologia. Até eu entrar na faculdade, era meio analfabeto funcional. Para mim, não tinha muito ideologia, era estar ali. Era meio nacionalismo. No início, era umas bandeiras do Brasil — disse.
— O que levou o senhor a se interessar pelo nazismo?
— Foi o status. Era diferente.
— E as ideias que vinham junto? O senhor sabia que ideias estavam sendo trazidas? — indagou a juíza.
— Eu tinha atitudes junto com eles (skinheads), mas onde eu vivia em Guaíba eu não discriminava as pessoas. Eu não usava esse visual em Guaíba. Só botava a roupa quando eu saía com eles — respondeu o réu.
— O senhor frequentava o meio neonazista e tinha suas amizades em Guaíba? Assumia um personagem quando estava com eles e outro quando estava em Guaíba?
— Exato. Quando estava junto com eles, era outra pessoa.
O réu relatou que ele mesmo comprou em sebos os livros com conteúdo neonazista e que costumava se reunir com o grupo.
— Fazia saudação, tirava foto fazendo saudação. Fazia, churrasco, bebia, ouvia música. Eu estava saindo da adolescência e indo para a fase adulta.
O réu alegou que após o processo gerado pela briga com os punks se afastou dos skinheads.
— Eu não cometi esse crime, não tentei matar esse rapaz, não dei facada em ninguém. Eu estava na minha casa, no aniversário da minha mãe. Estava tentando dar um rumo melhor para a minha vida — disse.
O andamento do julgamento dependerá da duração dos interrogatórios desta quinta-feira e de decisão da juíza. Uma das possibilidades é de que a sessão seja interrompida após a fala dos réus nesta noite e retomada na manhã de sexta-feira (31) com o início dos debates. Primeiro, a acusação terá duas horas e meia para apresentar seus argumentos e, na sequência, as defesas terão o mesmo tempo. Ainda pode haver réplica e tréplicas, de duas horas cada.
O julgamento até aqui
Nesta quinta-feira (30), foram ouvidas três pessoas durante o julgamento. A última testemunha a depor foi um advogado, que chegou a ser réu no processo, mas depois deixou a lista de acusados após uma decisão do Tribunal de Justiça. O nome da testemunha havia sido indicado pela defesa do réu Leandro, que desistiu da oitiva, mas os advogados de Israel mantiveram o pedido para que ele fosse ouvido. O depoimento, que se iniciou às 14h21min, foi realizado por meio de videoconferência.
— Me causa muito sofrimento, muita dor, participar de algo que por nenhum instante pactuei. Ser taxado de neonazista, racista, no ambiente que eu cresci, destruiu minha vida — disse o advogado, que atualmente reside no Paraná.
Durante o depoimento, uma discussão fez a juíza Lourdes Helena Pacheco deixar o plenário temporariamente. O Ministério Público questionava a testemunha sobre o dia em que ele interrompeu um júri anterior, em 2018. O promotor Luiz Azevedo discordou da testemunha, que disse que não havia entrado no plenário daquela vez. O promotor respondeu que estava no julgamento e presenciou a cena. Os tons de voz se elevaram, e a defesa de Israel interrompeu. A juíza ordenou que os jurados deixassem o plenário. O bate-boca seguiu e a magistrada então decidiu deixar o local, só retornando quando as partes se acalmassem. Quinze minutos depois, o depoimento foi retomado.
Pela manhã, falaram uma ex-companheira do réu Israel e a atual esposa dele. A primeira afirmou que o ex estava numa confraternização familiar em Guaíba na data dos fatos. Melissa Bernardes, 42 anos, falou na condição de informante por ser ex-esposa do acusado. Segundo Melissa, eles comemoravam o aniversário da mãe de Israel e o de casamento na cidade de Guaíba no dia do crime. Ela disse que a festa foi na casa da ex-sogra e que eles foram para o município da Região Metropolitana antes do horário em que aconteceu o ataque aos três judeus na Capital.
Ao ser perguntada pela juíza sobre o tipo de material apreendido em sua casa, na época, ela respondeu:
— Era sobre nazismo, sobre extrema-direita. Eram CDs e livros guardados há muito tempo, às vezes nós abríamos a caixa onde estava este material, mas estávamos vendo como se livrar disso.
Depois de Melissa, a atual esposa do réu, Carolina Flores, 38 anos, foi ouvida. Ela respondeu questões sobre o relacionamento dos dois. Disse que se conheceram a partir de 2008 e ressaltou que o réu contou toda a história sobre o fato de ser suspeito do caso. Além disso, a informante ressaltou que Israel e ela atualmente administram um hostel em Torres. Sobre atos supremacistas, ela negou qualquer tipo de ações atuais por parte do marido e disse não saber detalhes do que possa ter ocorrido na época do ataque.
Contrapontos
O que diz a defesa de Israel Andreotti da Silva
Os advogados José Paulo Schneider dos Santos, Matheus da Silva Antunes e João Augusto Ribeiro Kovalski enviaram nota, na qual sustentam a inocência do cliente e alegam que Israel nunca teve posição de liderança nesses grupos neonazistas. A defesa sustenta que o réu chegou a integrar um grupo, mas se retirou antes de 2005. Confira a nota:
"A defesa de Israel Andreotti da Silva aguarda há quase 18 anos o desfecho deste injusto processo. Adverte-se que, durante o julgamento, serão apresentadas provas da inocência de Israel, sobretudo os áudios constantes no processo, que explicam, de maneira detalhada, a dinâmica e quem foram os verdadeiros responsáveis deste bárbaro crime. Será demonstrando, ainda, que Israel jamais exerceu liderança nos grupos investigados, sendo que a própria denúncia não lhe atribui tal fato. Ademais, será provado que, à época dos fatos, Israel não possuía qualquer tipo de contato ou ligação com as pessoas investigadas. Por fim, esta defesa confia nos Jurados e Juradas do Porto Alegre/RS que, com tranquilidade, responsabilidade e coerência irão desfazer aquele que é o maior e mais longo erro da história do Judiciário gaúcho".
O que diz a defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior
Os advogados Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani enviaram nota, na qual também afirmam a inocência do cliente. Confira:
"A defesa de Valmir Dias da Silva Machado Júnior, por seus procuradores Manoel Pedro Castanheira e Gustavo Gemignani, afirma que será, na defesa em plenário, que se comprovará a total inocência de seu cliente, com a prova já apresentada no processo, desde seu início. Reafirma a total confiança de que será feita a justiça a Valmir".
O que diz a defesa de Leandro Maurício Patino Braun
Procurado, o advogado Rodrigo de Lima Noble optou por não se manifestar sobre o caso.