Aos 20 anos, uma moradora da Região Metropolitana relata ter vivido momentos de pânico no Dia da Mulher. A jovem foi resgatada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) de dentro do carro do ex-namorado dela, estacionado no acostamento da BR-290, a freeway, no dia 8 de março. Segundo os agentes, no momento da prisão, ela era estrangulada pelo homem. Preso em flagrante, o suspeito de 24 anos foi solto no dia seguinte, durante a audiência de custódia – ele foi indiciado por lesão corporal e ameaça. Na mesma sessão, foram concedidas medidas protetivas. Os nomes não são divulgados, para preservar a vítima.
A técnica de enfermagem relata que manteve relacionamento com o rapaz ao longo de três anos. A jovem afirma que o namorado costumava ser controlador, sobre quem eram seus amigos, lhe impedia de sair e monitorava suas redes sociais, por ciúme das pessoas quem ela mantinha contato.
— Nesses últimos meses que tinha começado a ficar estranho. Aumentou o tom de voz e deu um empurrão — descreve.
Um dia antes do caso, ela teria decidido romper o relacionamento. Os dois teriam combinado que, após o trabalho, o ex lhe entregaria seus pertences, como mochilas e roupas. A jovem diz que, até então, tudo parecia bem.
— Ele me buscou, não falou absolutamente nada comigo dentro do carro. Parou no acostamento da BR, passando a Arena do Grêmio. Começou a gritar, brigar, me bater, puxar meu cabelo e prender meus braços. Eu só conseguia mexer minha cabeça. Foi quando eu mordi ele no braço. Gritava bem alto por socorro — detalha.
Segundo os policiais rodoviários, foram recebidas denúncias de que uma mulher estava sendo agredida dentro de um veículo estacionado. Os agentes seguiram para o local e localizaram o Palio no acostamento. Pouco antes disso, segundo a jovem, o ex teria alcançado uma faca que estava dentro da sacola térmica que ela havia levado ao trabalho.
— Ele pegou a faca, e assim que tentou fazer algo, a polícia chegou. Era tanta coisa, grito, ameaça, choro. No momento que eles chegaram, eu só consigo lembrar da cena dele jogando a faca longe. Naquele momento, eu só conseguia olhar e prestar atenção na faca, para que não acontecesse nada — diz a jovem, que afirma não recordar com detalhes de tudo que aconteceu.
Ao chegarem junto ao veículo, os agentes depararam com a jovem sendo estrangulada e gritando por socorro, segundo a PRF. O motorista foi preso em flagrante no local e encaminhado à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) da Capital. Segundo a jovem, depois do episódio ela teve dificuldades para conseguir sair de casa, mas recebeu apoio de amigos e da família.
— Decidi enfrentar e viver a vida normalmente, sabia que se acontecesse algo comigo bastante gente saberia. E tive muito apoio, de todos os lados, pessoas que trabalham comigo, na faculdade, em casa. Estive muito bem cuidada. Segura, como antes, não. Não consigo confiar, acreditar, estou sempre com o pé atrás. Estou tentando mudar tudo, inclusive para outra casa — afirma.
Suspeito foi solto
Na Delegacia da Mulher de Porto Alegre, foi realizado o flagrante pelos crimes de lesão corporal e ameaça. Logo depois, o suspeito foi encaminhado ao Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional de Porto Alegre (Nugesp). No dia seguinte, foi realizada audiência de custódia, na qual ele foi solto. Durante a sessão, a juíza Rosangela Maria Vieira da Silva decidiu conceder liberdade ao preso. Na decisão, a magistrada considerou que "está ausente a materialidade delitiva, como bem ressaltado pela representante do Ministério Público, consoante não acostado aos autos o laudo médico relacionado à lesão corporal que a vítima informa ter sofrido.".
Ou seja, embora conste no auto de prisão em flagrante realizado pela Polícia Civil que as marcas eram visíveis na vítima, como não havia laudo médico comprovando as agressões, a Justiça decidiu por conceder a liberdade e aplicar medidas protetivas de urgência. Ficou determinado que ao longo de seis meses ele não pode se aproximar da vítima, respeitando um distanciamento mínimo de 300 metros, nem manter contato com ela ou com seus familiares, mesmo por telefone ou internet. O descumprimento pode resultar em prisão.
GZH entrou em contato com o Judiciário, que informou que o próprio Ministério Público se manifestou pelo relaxamento da prisão e concessão da liberdade ao acusado. Sobre o laudo das lesões, realizado na vítima, a Justiça informou que o documento só foi anexado ao processo em 20 de março, junto do relatório final da Polícia Civil. Ao fim da apuração, a polícia decidiu indiciar o investigado por lesão corporal e ameaça. O laudo, segundo a polícia, constatou que a jovem possuía lesões das agressões.
O Instituto-Geral de Perícias (IGP) confirmou que a vítima foi submetida à perícia, assim como o preso, em 8 de março, e que os laudos foram assinados uma semana depois, em 15 de março. Segundo o IGP, esse tempo é necessário para que o perito possa concluir as análises, que por vezes necessitam de exames complementares, como testes toxicológicos, e emitir o documento final.
A vítima relata que estava trabalhando quando recebeu um telefonema informando que o ex havia sido solto.
— Bateu um desespero. Mas quem estava trabalhando comigo me acalmou, me disse para que eu não me preocupasse. Gostaria que a Justiça fosse feita — diz a jovem.
O Ministério Público informou que não se manifesta sobre casos de violência doméstica, em razão do sigilo do processo, e que só pode prestar esclarecimentos à própria vítima.
Contraponto
A reportagem entrou em contato com um dos advogados responsáveis pela defesa do suspeito, e aguarda retorno. Durante o depoimento na Polícia Civil, o suspeito optou por permanecer em silêncio.
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone - 190
- Horário - 24 horas
- Serviço - atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço - Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário - 24 horas
- Serviço - registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)