Três meses após detalhar à polícia a morte do enteado, Bruna Nathiele Porto da Rosa, 23 anos, regressará a Imbé, no Litoral Norte, nesta segunda-feira (8), e desta vez explicará à perícia o que aconteceu com o menino. Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, desapareceu no fim de julho, e a investigação apontou que ele foi assassinado. A madrasta e a mãe da criança, Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 26, estão presas pelo crime. Apesar de as buscas terem sido realizadas ao longo de 48 dias, o corpo do garoto não foi localizado.
A previsão é de que Bruna chegue à Delegacia de Polícia de Imbé pouco antes das 18 horas, horário para o qual está previsto o início da reprodução simulada dos fatos. A presa, que está detida no Presídio Feminino Madre Pelletier, em Porto Alegre, será escoltada e custodiada por agentes da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). A reconstituição, como é popularmente conhecida, é a técnica por meio da qual a versão da madrasta será conferida pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP). Bruna será a única a ter o relato analisado pela perícia porque a defesa de Yasmin decidiu que ela não participará.
Nesta segunda-feira é quando a madrasta deve regressar ao local do crime e refazer todos os passos, que resultaram na morte e na ocultação do corpo da criança. A participação de Bruna chegou a ser dúvida, após ela ser encaminhada no fim do mês passado novamente ao Instituto Psiquiátrico Forense (IPF). No entanto, segundo a defesa, ela retornou ao presídio, está estável e confirmou que deverá contribuir com a reconstituição.
A dinâmica da perícia depende do relato que Bruna apresentará às duas peritas do Departamento de Criminalística do IGP, que participarão da reprodução simulada. Embora tenha relatado o crime anteriormente aos policiais, alegando que quem matou Miguel foi Yasmin, a madrasta pode apresentar outra versão. E é esta narrativa que será analisada pelas duas peritas.
No entendimento do promotor André Luiz Tarouco, que denunciou a mãe e a madrasta por homicídio, ocultação de cadáver e tortura, a perícia servirá para verificar se o relato de Bruna encontra veracidade. Isso porque ela alega que não teve participação no assassinato da criança, mas a acusação discorda.
— Minha posição está adiantada no processo. Meu papel é mais de espectador. A perícia vai analisar se realmente é crível aquilo que ela alega. Há alguns pontos, que ela vai esclarecer. Por exemplo, ela (Bruna) disse que a Yasmin quebrou os membros do menino para que ele coubesse na mala. Mas não disse de qual maneira, quais instrumentos foram usados, como ela fez isso — afirma.
A polícia também teve o mesmo entendimento, de que as duas foram responsáveis pela morte e tortura do menino. Embora o indiciamento tenha sido encaminhado em agosto, outra parte do inquérito será remetida nos próximos dias, com o relatório sobre a análise dos celulares da mãe e da madrasta.
— Não temos dúvidas sobre o que aconteceu. A reprodução simulada é só para realmente confirmar a versão. Tanto ela (Bruna), como a mãe não negaram o fato. O Miguel foi morto dentro do apartamento, e o corpo transportado até a beira do rio. A madrasta indicou um trajeto, que apuramos e obtivemos imagens de câmeras — afirma o delegado Antônio Carlos Ractz Júnior, que conduz as investigações do caso.
A reprodução
O primeiro passo das peritas será ouvir Bruna dentro da Delegacia de Polícia. Ali, ela deverá detalhar o que aconteceu no fim de julho. Após, caso a madrasta mantenha o mesmo relato já descrito antes, deve seguir escoltada por 2,6 quilômetros, até a pousada onde elas viviam. O imóvel está localizado na Rua Sapucaia, próximo da Avenida Paraguassú, na área central. Num dos apartamentos alugados, com quarto, sala e banheiro, Yasmin e Bruna viveram duas semanas com o menino.
No local, a proprietária e vizinhos relataram nunca ter visto o garoto. A dona disse, inclusive, que sequer sabia que havia uma criança morando com as duas. Ali também, segundo a investigação, Miguel foi trancado inúmeras vezes em uma espécie de poço de luz, aos fundos do box do banheiro. Manter o garoto no local, gelado e escuro, atrás de uma porta de ferro, serviria como forma de castigá-lo, conforme a acusação.
O perímetro no entorno dos locais onde será realizada a perícia será isolado, com apoio da Guarda Municipal e da Brigada Militar. O intuito é garantir a segurança e impedir que a aproximação de outras pessoas atrapalhe os trabalhos. A Polícia Civil, o Ministério Público e as defesas podem acompanhar a reconstituição.
Boneco e mala
No momento da reprodução simulada, Bruna deverá narrar às peritas o que aconteceu. Para representar a madrasta e a mãe, foram escolhidas duas policiais civis. Elas executarão as ações, conforme forem descritas, e os gestos serão fotografados. Um boneco com estatura e peso semelhantes aos de Miguel foi fabricado e também será usado. Assim, será possível também demonstrar onde estava a criança e o que aconteceu com ela em cada momento.
Caso a versão de Bruna se mantenha, a tendência é de que a perícia reproduza os fatos ocorridos desde 27 de julho, quando Miguel teria sido espancado pela mãe, batendo sua cabeça contra uma parede. Depois, o menino teria passado a ser dopado, com uso de medicamentos, sendo mantido trancado em parte deste período, embora já ferido. Ao entardecer do dia 28, teria ocorrido a morte da criança. Após, o corpo do garoto teria sido colocado dentro de uma mala de viagem. Toda essa etapa deve ser realizada dentro do apartamento da pousada.
Somente após isso é que a reconstituição deverá seguir para a rua, quando será reproduzido o trajeto que a mãe e a madrasta teriam feito já no início da madrugada de 29 de julho. Da mesma forma, as policiais farão o percurso, carregando a mala onde estaria o corpo do menino. Vídeos obtidos pela Polícia Civil mostram que Yasmin levava a mala, e Bruna caminhava ao lado dela. Para a reconstituição, estará disponível a sacola de viagem apreendida após o crime, que será usada caso a madrasta relate que foi desta forma que o crime aconteceu.
No dia 4 de agosto, este mesmo caminho, de 1,9 quilômetro, foi refeito por bombeiros e peritos. O percurso inicia na Rua Sapucaia, depois segue em direção à Avenida Paraguassú. Ali, Yasmin e Bruna atravessaram a via principal da cidade, próximo da prefeitura, para então acessar outras ruas e chegar ao rio. A perícia irá reproduzir o percurso de ida e volta. No retorno, as duas teriam abandonado a mala numa lixeira em frente de uma residência.
A duração da perícia dependerá de como a dinâmica será narrada por Bruna e do tempo necessário para reproduzir os fatos. Em junho de 2020, outro caso envolvendo a morte de uma criança, o do menino Rafael Mateus Winques, 11 anos, em Planalto, no norte do RS, passou pelo mesmo tipo de perícia. Daquela vez, a oitiva da mãe do garoto, presa pelo crime, iniciou por volta das 18 horas e a reconstituição encerrou próximo da meia-noite.
Após a realização da reprodução simulada, os peritos ainda precisam produzir um laudo, onde tudo é descrito e analisado. A estimativa é de que este documento possa levar entre 30 e 60 dias para ser finalizado. Nos dias 18 e 19 de novembro estão agendadas audiências onde serão ouvidas mais de 20 testemunhas de acusação e defesa. No dia 19, também serão interrogadas as presas. As duas defesas prometem que elas detalharão à Justiça o que aconteceu.
Contraponto s
O que diz a defesa de Bruna
As advogadas Helena Von Wurmb e Fernanda Ferreira sustentam que Bruna não teve participação na morte do menino e que ela colaborará com a polícia. A defesa recorre ainda da decisão que concluiu, após avaliação psiquiátrica, que a madrasta era plenamente capaz de compreender seus atos na época do crime.
— Como sempre, vamos contribuir com a polícia, porque ela não tem nada a esconder. Nossa defesa é que ela conte a verdade, o que aconteceu. No homicídio do Miguel, ela não teve participação. Se a Bruna vier a ter qualquer desequilíbrio, entrar em crise, vamos ser obrigadas a interromper, o que é ruim para nós, como defesa dela. Mas estamos trabalhando para conseguir fazer tudo com a maior calma possível — afirma a advogada Helena.
O que diz a defesa de Yasmin
O advogado Jean Severo, responsável por defender a mãe do garoto, afirma que ela não participará da perícia e que só falará à Justiça. O advogado afirma que poderia acompanhar a reconstituição, mas que a defesa optou por não ir a Imbé. Sustenta ainda que Yasmin é inocente e foi coagida a confessar o assassinato, quando ouvida na Polícia Civil. A polícia nega ter havido coação e afirma que ela teve depoimento acompanhada de advogado na época. Yasmin segue detida na Penitenciária Feminina de Guaíba.