Há dois anos e três meses, o ex-chefe da Polícia Civil Ranolfo Vieira Jr. acumula as funções de vice-governador do Rio Grande do Sul e secretário da Segurança Pública.
Nesse período, o Estado viu os indicadores de criminalidade caírem, especialmente nos assassinatos e assaltos com morte, os chamados latrocínios. Por outro lado, o governo patina para encontrar soluções para um caótico sistema prisional, dominado pelas organizações criminosas. E ganhou um desafio extra: com a pandemia, os crimes virtuais foram impulsionados – o número de estelionatos mais do que dobrou em um ano no Estado.
Integrante do núcleo duro do governo, o vice se tornou um nome naturalmente aventado à eleição do ano que vem, até porque o governador Eduardo Leite já anunciou repetidas vezes que não concorrerá à reeleição. Antes, no entanto, precisará definir seu futuro partidário, já que ele e os deputados do PTB devem deixar o partido após o choque recente com o presidente nacional da sigla, Roberto Jefferson.
Nesta entrevista, ele aborda o episódio e seus planos políticos futuros.
Como o senhor equaciona as tarefas de vice-governador e secretário de Segurança Pública?
É difícil, até porque sou um vice ativo, participo das decisões de governo e substituo o governador Eduardo Leite. A segurança por si só já é difícil. Mas a vejo como uma missão. Nosso plano de governo para a área foi concebido a várias mãos. Chegamos a convidar, ainda em 2018, o ex-secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. Por razões pessoais, ele não pôde assumir. E chegamos à conclusão de que seria melhor eu assumir, tendo em vista a constituição do plano de governo. Chegamos inclusive a anunciar que seria provisório. No primeiro ano, constituímos a segurança pública, a separamos da administração penitenciária, lançamos o RS Seguro, tivemos resultados bons já em 2019. Por isso, acabei aceitando a recondução a partir do final daquele ano. Em 2020, veio a pandemia e, com ela, um temor de possíveis reflexos na área. Mas conseguimos passar o ano batendo recordes em indicadores de criminalidade e fazendo investimentos. Quando começou 2021, nem tivemos mais essa conversa de eu sair, mesmo com a reformulação do governo.
Que reflexos a pandemia trouxe para a segurança pública, tanto pela questão econômica como para os crimes em si?
Alguns movimentos econômicos feitos no primeiro ano da pandemia foram importantes. Sem dúvida, o auxílio emergencial (do governo federal), a própria suplementação, aquele valor correspondente à frustração da receita do Estado (para suprir a queda na arrecadação de ICMS), que para nós representa R$ 1,945 bilhão. Isso foi importante, porque não precarizamos as áreas essenciais, dentre elas a segurança. Mesmo com a pandemia, mantivemos o calendário de chamamentos (de servidores) e vamos fechar nosso governo com chamamento de 7.471 novos servidores. É um investimento fundamental para que, ao menos, mantenha-se o nível de servidores nas instituições de segurança pública. Não temos dúvida alguma que, no meio da pandemia, com o distanciamento, houve reflexo no roubo a pedestre, com menos pessoas circulando na rua. Talvez também possa ter havido reflexo no roubo de veículo, com menos carros circulando. Mas o roubo de veículo é algo que vem há muito tempo reduzindo. E há aquele indicador que para nós é o principal, que são os crimes violentos letais intencionais. A taxa de homicídio foi novamente reduzida. E o homicídio não tem reflexo da pandemia. Porque não posso crer que uma organização criminosa tenha feito distanciamento social, tenha parado na pandemia. E três quartos dos homicídios praticados no Estado ainda são originários de disputa de organizações criminosas. Vamos ver após a vacinação, que é nossa maior esperança. Com vacinação, esperamos retomar a normalidade. E aí analisar melhor os reflexos econômicos e sociais do período.
Qual sua opinião sobre a demanda das polícias de antecipar a vacinação desse grupo?
A segurança pública deve ser prioridade, depois apenas dos agentes de saúde. Mas o Plano Nacional de Imunização (PNI) é do Ministério da Saúde, e não temos como violá-lo. O que estamos fazendo é capitanear um movimento com o Conselho Nacional de Secretários de Segurança para que o ministério altere o PNI trazendo para mais perto a vacinação dos servidores da segurança. Já tivemos 12 mortes no Estado, uma no Corpo de Bombeiros, nove na Brigada Militar e duas na Polícia Civil. Isso já demonstra a necessidade da imunização desse grupo.
Qual é o principal desafio do governo nesse cenário no qual os homicídios são em sua maioria praticados pelo tráfico de drogas?
Sem dúvida, o foco é desarticular as facções criminosas. Como se faz isso? Tocando no bolso da organização. Investigando a lavagem de dinheiro. Um exemplo: no dia 25, no Vale do Sinos, conseguimos apreender quase 40 quilos de cocaína, quase meia tonelada de maconha, quase R$ 200 mil e ainda um fuzil. Ações assim ajudam a desarticular uma organização também financeiramente.
Assim como o governo anterior, o atual apostou no isolamento de lideranças nas prisões federais. Mas essa é uma medida temporária: em algum momento os presos retornam. O Estado tem algum plano para resolver isso?
É importante situar no todo essa questão. Primeira coisa: por que há um sistema penitenciário federal? Por que temos cinco presídios federais no Brasil? Para isolar lideranças de organizações criminosas. Hoje, praticamente todos os Estados se utilizam do sistema federal. Porque os sistemas estaduais, em regra, no mínimo, têm déficit de vagas. Esse déficit estimula a formação das lideranças. Esse é um problema de todo o Brasil, por isso foi criado o sistema penitenciário federal. O Rio Grande do Sul já teve três operações de isolamento dessas lideranças, sendo a Pulso Firme a primeira. Nosso governo é de evolução, não de ruptura. Aquilo que entendemos que era feito de maneira adequada, com resultados, nós continuamos. Por isso fizemos as operações Império da Lei I e II. É claro que o ideal seria o Estado ter um presídio de segurança máxima que pudesse isolar essas lideranças aqui mesmo. Por uma série de circunstâncias, especialmente econômicas, não conseguimos fazer isso. Está no nosso ideário? Sim, é claro, embora seja muito difícil nesse tempo que falta até o fim do governo.
Ainda sobre os indicadores, embora os homicídios tenham reduzido, os feminicídios têm se mantido estáveis em 2021, em relação a 2020.
Os feminicídios diminuíram em 2020. E as pessoas diziam que o distanciamento social aumentaria esse tipo de crime. Importante dizer que não há subnotificação de crime violento letal intencional. Se morreu, tem registro. A violência contra a mulher, não tenho dúvida alguma de que é aquela área que mais transversalidade tem. Não adianta a mulher só fazer o registro de ocorrência. Se ela não tiver para onde ir, não tiver o que dar de comer para os seus filhos, ela vai voltar para casa e cair na mão do agressor. É preciso ter uma rede toda de atendimento. E conscientização. Isso é uma quebra de paradigma. Ainda temos uma visão muito machista. Desculpa dizer isso, mas tem uma visão ainda muito machista, de que a mulher é dominada pelo homem. Precisa haver conscientização de que não é mais assim, inclusive por parte das mulheres. Amigos, familiares, vizinhos precisam denunciar a agressão, não podemos normalizar.
A sociedade gaúcha como um todo foi ofendida pelo senhor Roberto Jefferson. As bancadas estadual e federal do PTB pediram a mim que aguardasse para efetuar o pedido de desligamento (do partido), para que saíssemos todos juntos. Acredito que neste mês de abril a gente tenha essa definição.
Um crime que cresceu no ano passado no Estado foi o estelionato, especialmente os praticado via internet.
Sim, por todas as circunstâncias da pandemia. Em outro momento, vocês estariam aqui no gabinete (a entrevista foi realizada por chamada de vídeo). As pessoas estão com movimentos restritos, em home office, por exemplo. As organizações criminosas se adaptaram a isso. E o que vamos fazer? Com a Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos, a polícia tem investido em tecnologia. Só que aí tem outra coisa: a pena do estelionato. Se já é difícil alguém ficar na cadeia por roubo, que é um crime praticado com violência, imagina um estelionato. O criminoso não é burro. Ele sabe disso. Essa adaptação é da dinâmica do crime.
Recentemente, o senhor e o governador foram ofendidos pelo presidente do seu partido, Roberto Jefferson, que ameaçou expulsá-lo. Depois, o senhor e os deputados do PTB anunciaram que deixariam o partido. Por que não saíram?
O governador, o vice, as forças da segurança pública e a sociedade gaúcha como um todo foram ofendidos pelas declarações do senhor Roberto Jefferson, enquanto ele dava entrevista em uma rádio da Capital (em 12 de março). No mesmo dia, assinei o pedido de desfiliação do partido. Fiz uma nota, gravei um vídeo de irresignação, me reuni com as bancadas estadual e federal do PTB, que fizeram uma nota de apoio ao governador e ao vice. Menos de meia hora depois, nas redes sociais, o senhor Roberto Jefferson destituiu a executiva estadual do partido e disse que não precisava de nenhum desses deputados. As bancadas pediram a mim que aguardasse para efetuar o pedido de desligamento, para que saíssemos todos juntos. Pelo que tenho conhecimento, nenhum procedimento foi instaurado pela expulsão do Ranolfo. Não existe expulsão por redes sociais. Ainda não protocolei o desligamento, mas uma coisa é certa: sairei do partido. Os parlamentares têm de estudar uma forma segura de sair. Se não forem expulsos, como sair do partido sem perder seus mandatos? Essa é uma questão jurídica.
Para qual partido o grupo vai migrar?
Entendemos que, pela força do grupo, a saída em conjunto nos fortalece em qualquer partido que venhamos a ingressar. Fui convidado por 11 partidos, da esquerda à extrema-direita. Isso deixa a gente envaidecido. Já sei para onde vou, tenho duas ou três possibilidades, mas por uma questão ética não vou dizer quais são.
Vocês vão trabalhar para atrair prefeitos e líderes locais para o novo partido?
Sim. Temos (o PTB) 31 prefeitos no Estado e 22 já assinaram nota de apoio ao delegado Ranolfo e a esse movimento. Os prefeitos podem sair a qualquer momento, diferentemente de deputados e vereadores. Tem vereador que iniciou o mandato há três meses. Acredito que neste mês de abril a gente tenha essa definição.
Uma das áreas que me preocupam é a educação, e a culpa não é do secretário ou dos servidores, é da pandemia. Fala-se hoje, no Brasil, em um apagão na área. Sei o reflexo que tem na segurança pública a evasão escolar. Isso vai ter um reflexo para a sociedade fora do comum. Se fecharmos dois anos sem aulas, será um baque ali na frente.
Considerando que o governador não buscará a reeleição, quais seus planos para a eleição de 2022? concorrerá a governador?
Embora isso não passe pela minha cabeça, não posso faltar com a verdade. Tenho o entendimento de que, desde a campanha de 2018, o governador dizia que não será candidato à reeleição. Mas ele entende que nosso projeto de governo deve continuar. Quem mais preparado que o vice-governador para dar seguimento a esse projeto? Não tenho dúvida da responsabilidade que é ser governador do Estado. Estou preparado para isso? Acho que estou, tenho me preparado ao longo do tempo. Era uma das aspirações do PTB, inclusive. Somado à possibilidade de que o governador seja candidato a presidente da República, isso se acentua mais, porque, se for candidato, ele tem de se desincompatibilizar até março do ano que vem. Ele renunciando, assume o vice-governador. Sendo governador, só posso ser candidato à reeleição. Essas condições todas me levam a colocar meu nome à disposição para concorrer à sucessão de Eduardo Leite e dar continuidade ao nosso projeto.
Vários partidos que hoje integram a base do governo almejam ter candidatos. O senhor pode concorrer em uma chapa que não seja apoiada pelo governador?
Isso é o tipo de coisa que acho prematuro discutir. Não posso acreditar em qualquer rompimento com o governador. Temos uma integração e uma identidade de propósitos muito nítidos. Não posso crer que o governador saindo, alguém que o sucede e que era seu vice poderá ser seu opositor. Essas dificuldades estão postas, devem ser discutidas, mas acho muito difícil. É legítimo que nossa base tenha candidatos? Claro que é. Nossa base tem uma dezena de partidos, e alguns já com pré-candidaturas postas. Talvez a gente possa conversar e, lá na frente, estarmos com o maior número de partidos juntos. Agora, o nome do delegado Ranolfo está posto. Está à disposição. Mas não é o momento para discutir isso agora.
Então o senhor crê que, lançando-se candidato, o governador lhe apoia?
Não é isso que estou dizendo. Estou dizendo que, por todas as circunstâncias, pelo fato de estarmos juntos do governo, compartilhando as decisões, eu tenha condições de representar a continuidade do projeto. E mais, vamos pegar um exemplo concreto: como foi o governador em Pelotas? Lá, quem o sucedeu quando não concorreu à reeleição foi a vice-prefeita Paula Mascarenhas, que foi reeleita agora com excelente votação e representa o projeto iniciado por ele.
Nossa base tem uma dezena de partidos, e alguns já com pré-candidaturas postas. Talvez a gente possa conversar e, lá na frente, estarmos com o maior número de partidos juntos. Agora, o nome do delegado Ranolfo está posto. Está à disposição.
A prefeita Paula era de outro partido, o PPS, quando foi vice, e migrou para o PSDB. Isso pode se repetir com o senhor?
Não pode se repetir porque eu nunca fui do PPS (risos). Não tenho dúvida de que o PSDB é um grande partido, assim como outros com os quais estamos conversando.
Caso o governador Eduardo Leite não concorra a presidente ou a vice, e o senhor permaneça no cargo, poderá concorrer a senador ou mesmo à reeleição como vice-governador?
No mundo político, tudo é possível. Nesse caso, não haveria necessidade de uma renúncia explícita, mas não poderia assumir o governo (durante o período eleitoral). Mesmo que o governador não seja candidato, mantenho-me à disposição. Mas, se esse não for o entendimento daqueles que nos apoiam, posso concorrer a deputado estadual, deputado federal, senador, ou não concorrer a nada. Até isso pode acontecer.
Além dos índices da segurança pública, quais outras credenciais o senhor apresentará para pleitear a vaga de candidato a governador?
Além da segurança, participo ativamente das decisões de governo, e de tudo o que já foi feito até aqui. A questão das reformas administrativa e previdenciária. A mais acentuada reforma realizada nas unidades federativas do Brasil se deu aqui no Rio Grande do Sul, e o Ranolfo participou disso tudo. Articulou com a Assembleia ao lado do Otomar Vivian (ex-chefe da Casa Civil), com os meus deputados. A bancada mais fiel às propostas do governo até aqui foi a do PTB, com os cinco deputados sempre votando de maneira uniforme. A não ser a última votação, da reforma da Previdência dos militares (em que três deputados votaram a favor, um votou contra e outro se ausentou). A questão das privatizações, a concessão de rodovias, a própria reforma tributária, tão mal compreendida pela sociedade, em que nós reduzimos a alíquota de ICMS e acabamos com a Difal (imposto de fronteira). São avanços importantes desse governo que eu componho como vice-governador, e tudo isso me credencia.
Em que áreas o governo deixa a desejar e ainda pode avançar?
Tenho que ter um cuidado especial para não menosprezar áreas, secretários, e faltar com a ética. Uma das áreas que me preocupam é a Educação, e a culpa não é do secretário ou dos servidores, é da pandemia. Fala-se hoje, no Brasil, em um apagão na educação. Sei o reflexo que tem na segurança pública a evasão escolar. Isso vai ter um reflexo para a sociedade fora do comum. Se fecharmos dois anos sem aulas, será um baque ali na frente. Não é nenhuma crítica ao secretário Faisal Karam (que deixou o cargo recentemente). A Raquel (Teixeira, nova secretária de Educação) está sendo trazida. Ela tem um conhecimento da área, tem expertise. E, na área de Logística e Transportes, do meu amigo secretário Juvir Costella. Sem nenhum demérito ao trabalho dele, mas temos falta de capacidade de investimento do Estado na infraestrutura. Talvez agora com as privatizações e o ingresso de recursos extraordinários se possa fazer mais investimentos.