Os 12 meses de 2020 terminaram com o menor número de homicídios no Rio Grande do Sul em 13 anos. O total de vítimas foi de 1.694 no período, 6,5% menos do que as 1.811 de 2019 — e o acumulado mais baixo desde 2007.
Confirmando reduções que vinham sendo observadas desde 2018, o resultado levou o Estado a alcançar a menor de taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes desde 2010. O índice caiu de 15,9 em 2019, para 14,8 mortes a cada 100 mil habitantes em 2020: abaixo de 15 pela primeira vez em 11 anos.
Estes e outros indicadores foram apresentados na manhã desta quinta-feira (14) em coletiva de imprensa online pelo governador Eduardo Leite e pelo vice-governador e secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior.
Os dados divulgados também mostram que a redução dos assassinatos em Porto Alegre alcançou os 18,6% em 2020. Foram 262 vítimas frente a 322 em 2019. Com isso, a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes da Capital chegou a 17,6. É a primeira vez desde 2010 que a cidade tem índice menor do que 20.
Os indicadores revelam ainda que, em 2020, 117 municípios apresentaram alguma redução no total de vítimas de homicídios na comparação com o ano anterior. Outros 248 registraram estabilidade e 132 fecharam com alguma alta, mas em 67 desses houve um caso a mais. Além disso, 54% (269) das 497 cidades do Rio Grande do Sul não tiveram nenhum assassinato entre janeiro e dezembro.
Na avaliação de Leite, a redução nos indicadores de criminalidade reflete na qualidade de vida e no desenvolvimento do Estado:
— Se falássemos há dois anos em reduzir pela metade os homicídios em Porto Alegre, achariam que estávamos sendo ousados demais. Se falássemos em reduzir pela metade o roubo de veículos no RS, poucos talvez acreditariam. Se falássemos em reduzir em 74% os roubos a banco no nosso Estado, provavelmente, diriam que nós não estávamos trabalhando com a verdade ou com seriedade. Mas é exatamente isso que aconteceu. Um Estado com segurança é onde se deseja viver e investir, o que gera um efeito cascata positivo pela confiança.
O principal indicador de violência contra mulher — o feminicídio — também acompanhou o cenário de reduções. Ao longo de 2020, 76 vítimas do sexo feminino foram mortas por questões de gênero, 21,6% a menos do que nos 12 meses do ano anterior, quando o RS teve 97 mortes deste tipo. Trata-se do número mais baixo de vítimas desde 2014.
— Várias pessoas se manifestaram preocupadas com que o distanciamento social pudesse aumentar este tipo de crime, que é um indicador que não existe subnotificação, e observamos que não houve influência, pois tivemos uma redução — considerou Ranolfo.
O latrocínio (roubo com morte) fechou 2020 com redução de 7,5%, com 62 casos nos últimos 12 meses, contra 67 do ano anterior. É o melhor indicador deste tipo de crime desde 2002, quando os dados passaram a ser contabilizados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP).
A cúpula da segurança pública gaúcha entende que a pandemia — e o distanciamento social mais rigoroso, especialmente nos meses de abril, maio e junho — não tiveram reflexos determinantes na redução da criminalidade em 2020:
— Acompanho diariamente os homicídios no Rio Grande do Sul, recebo a cada 24 horas um extrato dos assassinatos, e três quartos dos crimes violentos e letais ainda ocorrem por disputas de organizações criminosas. Todo mundo parou, mas as organizações criminosas não pararam durante a pandemia. A redução da taxa de homicídio não tem relação com a pandemia. Talvez o distanciamento possa ter influenciado no roubo a pedestre e roubo a transporte público, naquele período que tivemos menos circulação de pessoas na rua — afirmou o vice-governador.
O desempenho do último ano não é exceção, mas acompanha uma queda sistemática que se manteve também em 2020, considera Leite.
— É possível observar que as reduções começaram em 2018, se acentuaram em 2019, anos que não tínhamos a pandemia. Em 2020, foram indicadores caindo mês a mês, mesmo com retorno das atividades econômicas. Temos observado aumento de homicídios em outros Estados, que ainda estão apresentando seus balanços de 2020. Isso mostra que se fosse efeito da pandemia, seria generalizado. Se fosse mera casualidade ou por efeitos externos, o RS não estaria entre no grupo restrito de Estados que tiveram redução de homicídios — avaliou o governador.
Razões para a queda
A redução pelo terceiro ano consecutivo de homicídios no RS tem relação com o investimento em investigação feito pela Polícia Civil, na leitura de Fernanda Vaconcellos, professora do Departamento de Sociologia da UFRGS e do programa de Pós-Graduação em Segurança Cidadão da mesma universidade. A análise da pesquisadora é de que a partir da elucidação dos assassinatos é possível controlar e responsabilizar as lideranças das principais organizações criminosas em atuação no RS:
— Observamos mais investimento em inteligência da Polícia Civil, com uma política criminal voltada à redução de homicídio que segue apresentando efeitos. Quem é criminoso sabe que vai cair em algum momento. Isso tem a ver com inteligência, com transferência de presos e o aumento no número de delegacias especializadas em investigar homicídios. Muitos inquéritos deixaram de ser arquivados sem indiciamento. Responsabilizar, nesse caso, é fundamental para mostrar que a polícia age e quem atua não ficará impune. Isso consegue conter as dinâmicas criminais.
Ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente da Silva Filho considera promissores os números de criminalidade no Rio Grande do Sul. O especialista afirma que o grande fator para que o crime não aconteça passa pelo policiamento ostensivo e pela presença da polícia dentro das comunidades.
— Uma pronta resposta tem efeito na criminalidade, mas não é grande. O trabalho para evitar o crime é mais eficaz. A polícia ajuda e deve trabalhar para se articular na verificação dos problemas que são persistentes na comunidade, seja de meninos fora da escola, locais mal iluminados, pontos de desordem, criando esse ambiente mais salutar. Isso tem efeito mais intenso e profundo do que uma polícia cheia de armas — afirma Silva Filho.