Nos cinco municípios com maior população no Rio Grande do Sul, 496 pessoas morreram vítimas de crimes violentos em 2020. A soma de homicídios, feminicídios e latrocínios é 15,5% menor do que a registrada no ano anterior, quando 587 pessoas foram mortas em Canoas, Caxias do Sul, Pelotas, Porto Alegre e Santa Maria. Na contramão do desempenho do Estado onde os números caíram de maneira geral, em três cidades houve elevação de um indicador em cada. Um deles foi na Capital, onde as mortes de mulheres em contexto de violência de gênero aumentaram 83,3% (confira os gráficos abaixo). Os dados são da Secretaria da Segurança Pública (SSP).
Com 1,4 milhão de habitantes e a maior população no Estado, Porto Alegre alcançou no ano passado nova redução nos homicídios – 60 assassinatos a menos do que em 2019. Nos latrocínios, que são os assaltos com morte, também houve diminuição. A Capital fechou o ano com menos de um caso por mês, com nove latrocínios no ano, frente os 13 registrados em 2019. Por outro lado, os feminicídios não apresentaram a mesma curva e aumentaram de seis casos para 11, na contramão do desempenho estadual. Nas demais cidades, em Santa Maria, Caxias do Sul e Canoas o mesmo crime caiu e em Pelotas se manteve estável.
— O feminicídio resulta de um problema cultural, um histórico de machismo. Nem sempre a investigação, embora seja importante, consegue obter o resultado esperado. Existem muitos fatores. Quando acontece, há um histórico de violências anteriores. Mas a maioria das vítimas não têm medida protetiva. O que precisamos garantir é que elas busquem ajuda, para que a polícia possa agir, seja pela medida protetiva ou pela prisão do agressor. Elucidar um feminicídio não é uma questão complexa, mas o que queremos é evitar. Investigar depois que acontece não nos conforma — avalia o subchefe da Polícia Civil do RS, delegado Fábio Motta Lopes.
No ano passado, foi ampliado o atendimento da Delegacia Online, que agora permite notificar casos de violência doméstica à polícia pela internet. É uma forma de tentar encorajar as mulheres para que denunciem seus agressores, especialmente em um período no qual havia receio de aumento das agressões contra mulheres, por conta do distanciamento social.
Outra medida adotada para melhorar o acolhimento das vítimas foi a reforma do plantão da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher na Capital. Localizada no Palácio da Polícia, com atendimento 24 horas, o espaço foi reinaugurado no início deste mês. Foram realizadas melhorias na estrutura física como instalação de rampa de acesso, três salas reservadas para o registro de ocorrências e flagrantes, sala para interrogatório dos investigados e cela reformada.
Na Brigada Militar, uma das estratégias empregadas nos últimos dois anos em todo o RS foi a ampliação das Patrulhas Maria da Penha de 46 para 108 cidades. São equipes treinadas para fazer o acompanhamento das medidas protetivas obtidas pelas vítimas. Os policiais mantêm contato frequente com as mulheres para verificar se a determinação judicial está sendo cumprida. A meta é aumentar a área de atuação ainda neste ano.
— Com a formação de novos soldados, vamos aumentar as patrulhas novamente em 2021, especialmente em Porto Alegre e Região Metropolitana. Vamos iniciar uma série cursos de formação de patrulheiros e dar um salto substancial no número de patrulheiros em todo o Estado — garante o comandante-geral da BM, coronel Rodrigo Mohr Picon, ainda sem adiantar números.
Interior
Dois municípios do Interior apresentaram indicadores na contramão do desempenho do Estado. Um delas foi Caxias do Sul, na Serra, onde houve aumento de 35% nos homicídios. O desempenho é atribuído à disputa entre facções que fizeram os homicídios saltarem no mês de outubro – foram 20 vítimas, segundo os dados da SSP, contra oito no mesmo período de 2019. A situação levou ao reforço no policiamento e nos meses seguinte os assassinatos reduziram novamente. Foram quatro casos em novembro e dois em dezembro.
Na Região Central, Santa Maria também teve desempenho diverso do registrado na maior parte do RS: dobrou os latrocínios, com quatro casos em 2020, e teve um homicídio a mais. Em três desses crimes, idosos foram mortos durante assaltos a suas residências.
— Foram casos de roubos a residência onde houve agressividade grande e (os bandidos) acabaram matando as vítimas. A forma de tentar diminuir o latrocínio é reduzindo os roubos com arma de fogo. E é isso que temos feito. O que sempre destaco no latrocínio é que muitas vezes há dificuldade de investigação porque não há vínculo entre autor e vítima. A escolha da vítima é muitas vezes aleatória e, ainda assim, a nossa elucidação é de mais de 80% — afirma o delegado Lopes.
Entender a origem dos latrocínios é uma das medidas que vem sendo adotada, como forma de tentar prevenir esse tipo de crime. Os roubos de veículos, roubos de celulares e assaltos a residências são justamente os principais delitos que resultam na morte da vítima. Neste cenário, identificar e prender criminosos que roubam veículos, centralizar as investigações, e realizar operações recorrentes em pontos que receptam smartphones roubados estão entre as medidas empregadas, sobretudo em Porto Alegre e na Região Metropolitana.
Estratégias
Os cinco municípios estão dentro do RS Seguro, lançado em fevereiro de 2019 pelo governo do Estado, como forma de combate à criminalidade. Na avaliação da BM e da Polícia Civil, as ações adotadas dentro do programa impactaram nos indicadores positivos, como a redução dos homicídios na Capital, em Pelotas e em Canoas. Entre elas, a integração entre as polícias e emprego de inteligência, para mapear os locais com maior incidência de crimes e intensificar policiamento.
— Acompanhamos todos os homicídios. Há um estudo de inteligência, para ver se pode haver ou não um reflexo. Se o homicídio tem relação com a guerra entre organizações criminosas ou se uma cobrança de dívidas dentro da própria facção. Isso permite evitar que aquela morte dê a outras várias. Temos conseguido, agir preventivamente, para evitar esses reflexos, esse revide — avalia o comandante-geral da BM.
O subchefe da Polícia Civil credita ainda a remoção de líderes de facções para penitenciárias federais como outro fator para a redução de homicídios. Em 2020, foram realizadas duas fases da operação Império da Lei, por meio das quais foram transferidos 27 apenados para fora do Estado. O tráfico de drogas ainda é o principal pano de fundo dos assassinatos no Estado. O delegado também cita o trabalho de investigação, com identificação e prisão de envolvidos em execuções. O índice de elucidação de homicídios foi de 74% em 2020 no RS.
Enfrentamento e prevenção
Diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher (Dipam) e titular da Delegacia da Mulher de Porto Alegre, a delegada Jeiselaure Rocha de Souza ressalta que a violência doméstica tem características peculiares em relação a outros crimes. Um deles é a estimativa de que apenas cerca de 10% dos casos cheguem ao conhecimento da polícia. A maioria ainda não se sente encorajada a denunciar. Neste cenário, fazer com que as mulheres se reconheçam como vítimas da violência doméstica e busquem ajuda é apontado como essencial.
— O feminicídio que é o único número que não é subnotificado, mas decorre de um processo de subnotificação de 90%, que não chegam ao conhecimento das autoridades. Dessas 11 vítimas de Porto Alegre, nenhuma delas tinha registros de ocorrências anteriores ou pedido de medida protetiva com relação aos seus companheiros. Quando falamos nas medidas, que podem ajudar a reduzir esses indicadores, é justamente a informação, a prevenção, as campanhas de encorajar essas mulheres a romperem o silêncio. As mulheres que buscam ajuda no primeiro sinal de violência doméstica é muito pouco provável que venham a ser vítimas de feminicídio — afirma.
A redução dos casos de feminicídio, no entendimento da delegada, é gradual e resultado de ações tomadas ao longo dos últimos anos. Em 2018, o RS enfrentou o período mais crítico em relação à violência contra mulheres. No Estado, em 2020, houve diminuição para 76 casos, frente os 97 registrados em 2019.
— O desafio que nós enfrentamos é cultural. Não é apenas uma questão de segurança pública. É preciso que muitas forças se juntem à Polícia Civil nesse enfrentamento. Neste esforço, que vai desde a formação escolar, ao debate da sociedade como um todo, para que essa cultura mude. Para que as mulheres se sintam cada vez mais encorajadas em pedir ajuda, que confiem na nossa instituição e que estejam cada vez mais informadas, e saibam que vão ser bem acolhidas — afirma Jeiselaure.
Como agir em casos de violência doméstica
Dicas
- Busque ajuda de um familiar e denuncie a violência sofrida. Para isso, é possível procurar a Brigada Militar ou a Polícia Civil: vá até a Delegacia da Mulher ou a delegacia mais próxima
É possível registrar o caso pela Delegacia Online da Polícia Civil. A mulher também direito a solicitar a medida protetiva (como uma ordem judicial que proíba a aproximação do agressor)
Em casos de risco, é preciso que a mulher denuncie e fique em local seguro, para evitar que a situação evolua para algo ainda mais grave. É possível solicitar, na delegacia, abrigamento temporário
Onde pedir ajuda
- Brigada Militar
- Telefone: 190 (em todo o Estado)
- Polícia Civil
- Endereço: Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, 720, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 24 DPs especializadas no Estado
- Telefones: (51) 3288-2173 - 3288-2327 - 3288-2172 ou 197 (emergências)