Durante o mês de outubro, um morador de Venâncio Aires teve uma conta falsa no WhatsApp criada em seu nome. Os estelionatários tentaram obter dinheiro com familiares dele, mas a trapaça foi descoberta antes que alguém fizesse o depósito. Duas semanas depois, o mesmo comerciante se tornou alvo novamente dos criminosos. Desta vez, numa trama mais elaborada, ele e outros quatro lojistas do município foram ludibriados por golpistas que se passaram pelo proprietário de uma construtora.
Assim como o comerciante do Vale do Rio Pardo, milhares de pessoas no Rio Grande do Sul ficaram na mira de criminosos, que buscam lucro fácil. Em outubro, foram registrados 5.787 casos de golpe no Estado – 148,6% a mais do que no mesmo período do ano passado. A média alcançou 186 registros por dia, confirmando a tendência de aumento nesse tipo de crime ao longo deste ano.
— Os golpistas estão por toda a parte, em todo lugar. Os bandidos muitas vezes são daqui, mas utilizam chipe de celular de outros Estados e conta de laranjas também de fora do Rio Grande do Sul. Quem cair no golpe, perder dinheiro, dificilmente vai conseguir recuperar. Então, o ideal é não cair. Se prevenir — alerta o delegado aposentado da Polícia Civil Leonel Baldasso, autor do livro Golpes e Fraudes – Previna-se contra estelionatários.
O especialista ressalta que a internet se tornou um dos terrenos mais propícios para a disseminação desse tipo de fraude. O comerciante de Venâncio Aires foi alvo dos golpistas em dois momentos, ambos envolvendo o WhatsApp. Primeiro, os estelionatários criaram a conta falta se passando por ele. Os golpistas fizeram contato com uma tia dele pedindo R$ 2,9 mil para fazer o pagamento de alguns produtos. Ela nem desconfiou que pudesse ser golpe.
— Por sorte, ela é uma pessoa de mais idade e não sabia fazer a transferência, disse: "vem aqui, pega meu cartão e saca o valor que tu precisa". Só por isso que eles não conseguiram — descreve o comerciante, que preferiu não ter a identidade publicada na reportagem.
No segundo episódio, a princípio sem relação com o primeiro, os criminosos criaram uma trama envolvendo outra empresa. Eles forjaram um WhatsApp no nome de uma construtora do município e depois entraram em contato com a loja de materiais elétricos do comerciante solicitando orçamento de produtos (cabos elétricos). O comerciante encaminhou o orçamento no valor de R$ 6 mil.
— Como já vendemos para a construtora, já tínhamos os dados cadastrais. Não fomos fazer a investigação para ver se a empresa era idônea. Uns 30 a 40 minutos depois de enviarmos o orçamento, ele confirmou que podíamos faturar o pedido, em boleto para 28 dias. No mesmo dia, um rapaz veio, retirou o material, assinou a nota e saiu — relata o comerciante.
Dias depois, um novo pedido foi feito pelos golpistas, passando-se novamente pela construtora. Da mesma forma, o pedido foi retirado na loja — num total de R$ 12 mil. O golpe só foi descoberto dias depois porque o proprietário de uma distribuidora fez contato com o comerciante para saber se ele tinha vendido algo para a construtora e alertou sobre a trapaça. No dia 10 de novembro, enquanto tentavam aplicar novo golpe em comerciantes, dois estelionatários foram presos em flagrante pela Brigada Militar.
A partir dessas prisões, segundo o delegado Vinicius Assunção, de Venâncio Aires, foram recuperados os materiais que haviam sido levados de cinco lojas. Os produtos estavam armazenados em Farroupilha, na Serra. A suspeita é de que os mesmos golpistas estivessem atuando em outros municípios. A polícia investiga a participação de mais pessoas no mesmo crime.
— É comum recebermos vários tipos de golpes, dos nudes, do primo, clonagem de WhatsApp, mas nessa modalidade, envolvendo empresas, foi novo. Com certeza há mais pessoas envolvidas, além dos dois preso — diz o policial.
O comerciante ainda aguarda para receber os materiais que foram apreendidos. Além dos cabos elétricos, de outras lojas foram levadas ferramentas utilizadas em construção. O prejuízo total seria de cerca de R$ 40 mil (caso os produtos não tivessem sido encontrados).
— Eles tinham até e-mail (falso) em nome da construtora, para onde pediram para enviar nota. Fizeram a coisa bem orquestrada. Sabiam qual material pedir, tinham conhecimento. Não dava para desconfiar. Não sabemos o que eles queriam com esses produtos, se iam revender ou derreter para retirar o cobre. Tivemos muita sorte de terem recuperado — afirma o comerciante.
Combate aos grupos criminosos
O fato de muitos estelionatários estarem dentro de presídios e a pena mais branda para o crime, em razão de não envolver violência, são fatores apontados pelo subchefe da Polícia Civil do RS, delegado Fábio Motta Lopes, como pontos que auxiliam no crescimento desse tipo de delito.
— Quem está preso, não consegue cometer um roubo do lado de fora, mas o estelionato ele consegue. Além disso, a pena base nesse crime, que também gera lucro, é menor do que outros delitos patrimoniais. Creio que esses três fatores auxiliam na geração do aumento — avalia.
Como forma de tentar conter o crescimento desses delitos, a Polícia Civil decidiu apostar no combate às organizações criminosas que estão por trás deles. Por isso, a nova medida será a ampliação de uma delegacia para que ela possa investigar os casos de estelionato nos quais se identifique a atuação do crime organizado. Dessa forma, a Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos, do Departamento Estadual das Investigações Criminais (Deic), investigará outras fraudes, ainda que não tenham sido praticadas pela internet.
— Todas as delegacias acabam investigando esse tipo de crime. Mas a partir da semana que vem, após uma alteração no nosso regimento interno, os casos em que se conseguir identificar as organizações criminosas serão investigados por essa mesma delegacia — explica a chefe da Polícia Civil, delegada Nadine Anflor.
— Queremos mudar o foco, e conseguir derrubar a organização criminosa em si, não apenas apurar os casos pulverizados. Isso faz com que a pena seja maior, em caso de condenação, e que eles fiquem efetivamente presos — complementa Lopes.
Os dados
Desde o início do ano, já foram registrados 48.652 casos de estelionato no RS — no mesmo período de 2019 foram 21.437, elevação de 126%. Em todo o ano passado, o total foi de 25.203. O mês de julho deste ano foi o que teve o maior aumento, com 242,2%.
Como se proteger
- Golpistas, em geral, oferecem alguma vantagem para atrair a vítima e têm pressa para obter a vantagem. Fique atento a isso
- Certifique-se de que a pessoa com quem você está conversando, por WhatsApp por exemplo, é ela mesma. Para isso, uma dica é telefonar para a pessoa
- Desconfie de ligações de pessoas desconhecidas e nunca repasse informações pessoais
- Durante a venda de item, só entregue o produto após o dinheiro entrar na conta ou receber o valor. Não confie em comprovantes de transferência porque eles podem ser falsificados
- Se tiver um familiar idoso, oriente a pessoa sobre os golpes mais comuns e como se prevenir deles
- Caso seja vítima, registre a ocorrência. É possível utilizar a Delegacia Online
Fonte: Polícia Civil do RS.