A família soube da notícia no almoço: “Fui convidada para ser chefe da Polícia Civil. Vai ser um desafio enorme para nós”, contou, ao telefone, a delegada Nadine Tagliari Farias Anflor, 42 anos, ao marido, o servidor público Elmo Anflor Junior, que estava com o filho do casal, Carlos Eduardo, oito anos.
O nome de Nadine era especulado pelo governo de Eduardo Leite (PSDB) devido à trajetória profissional: são 14 anos como delegada. Foi chamada para reunião com o vice-governador eleito e futuro secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior, na quarta-feira, mas a cerimônia de diplomação dos eleitos adiou para quinta-feira o convite para assumir o cargo máximo da Polícia Civil.
— Agradeci ao governador e ao vice pela confiança, a inovação de colocar à frente e reconhecer as mulheres da Polícia Civil. Não é uma conquista só minha, é de todas as policiais do Rio Grande do Sul e, de modo geral, de todas as mulheres da segurança pública — avalia a delegada Nadine.
A nova chefe da Polícia nasceu em Getúlio Vargas, no norte do Estado. No município, que hoje tem pouco mais de 16 mil habitantes, morou até os 16 anos. Deixou a cidade para terminar o Ensino Médio em Passo Fundo, distante 44 quilômetros. Da casa dos pais, foi dividir apartamento com duas amigas. A decisão de mandar a filha estudar no ensino privado em outra cidade ocorreu por causa de uma longa greve na rede pública. A preocupação dos pais, ambos professores estaduais, era com o desempenho escolar da filha.
Na casa da família, ficaram objetos pessoais. Em um dos cômodos, um troféu recebido por ela, de melhor atriz de um festival de Passo Fundo, em 1992. Quando adolescente, Nadine participava de grupos de teatro. Para a mãe, Leila Inês Tagliari Farias, 68 anos, o envolvimento dela com as artes cênicas influenciou na desenvoltura de Nadine em público.
Na residência dos pais ficaram também os boletins.
— Era aluna nota 10, excelente. Sempre estudiosa, muito interessada — relembra a mãe.
Em Passo Fundo, cursou graduação em Ciências Jurídicas e Sociais e se formou em 1999. Partiu para Porto Alegre, onde passou a atuar como advogada na antiga Febem, hoje Fundação de Atendimento Socioeducativo. Na Capital, começou a se preparar para concursos públicos. Foi nessa época que conheceu o marido, também advogado e concurseiro.
Em 2002, Nadine entrou no Ministério Público como assistente na Vara do Júri de Porto Alegre. Nos dois anos em que esteve no órgão, teve contato direto com processos de crimes violentos. Intrigada com drama humano em meio à papelada, prestou concurso para delegada de polícia. Aprovada, foi chamada para o curso de formação, iniciado em 2004.
— Foi uma turma que teve uma peculiaridade. Éramos exatamente o mesmo número de homens e mulheres — relembra.
Entre os colega, estava a delegada Tatiana Bastos, que pouco tempo depois viria a trabalhar com ela na Delegacia da Mulher.
— Na Academia (de Polícia) era líder de turma. Sempre muito politizada, bem articulada na esfera política, de defender interesses — conta a delegada Tatiana.
Após concluir o curso de formação da polícia, Nadine foi trabalhar em Santo Antônio da Patrulha, no Litoral, onde ficou por um ano. Teve contato direto com vítimas de crimes, realidade antes distante.
— Na Vara do Júri a gente acabava vendo os inquéritos policiais e as fotos, o detalhamento, as oitivas das vítimas, mas tudo no papel. E, a partir do momento que entrei na Polícia Civil, esse mundo se transformou em realidade —resume a delegada.
Nadine voltou à Região Metropolitana para trabalhar por dois anos como plantonista nas delegacias de pronto atendimento, em Gravataí e Alvorada. A trajetória dela foi acompanhada pelo comissário Lindomar Coelho.
A delegacia da mulher me deu olhar diferenciado, de uma violência tão silenciosa. Acabei fazendo contatos, vendo necessidade de trabalho integrado com a Brigada Militar.
NADINE ANFLOR
Delegada de Polícia
— Durante os flagrantes estava sempre presente, orientando. É uma pessoa que tem conhecimento, competência. Acho que a polícia vai ganhar muito com ela. É agregadora, tem visão de futuro — conta o comissário.
Em seguida, Nadine assumiu a Delegacia da Mulher. Atendia, em média, 40 vítimas por dia. Para minimizar as dificuldades da espera, criou um espaço para os filhos das mulheres que procuravam ajuda.
Em 2015, tornou-se a primeira mulher a ser presidente da Associação dos Delegados (Asdep) — havia ficado no cargo de vice nos dois anos anteriores. Nessa época, licenciou-se da função de delegada para atuar integralmente na entidade.
— É uma das melhores profissionais que conheço, extremamente articulada, circula muito bem por diversas classes, isso facilita o trabalho à frente da Polícia Civil. Fez excelente trabalho — conta a delegada Jeiselaure Rocha, que atuava como diretora de convênios.
Atualmente, Nadine é diretora de assessoramento do Departamento de Polícia Metropolitana. Antes, teve passagem pela Central de Termos Circunstanciados. A delegada assumirá a chefia da Polícia Civil em janeiro.