Uma farmacêutica é suspeita de ter enganado uma idosa de 81 anos em Porto Alegre. Após se conhecerem em uma farmácia e ficarem amigas, a profissional passou a morar com a socióloga aposentada em seu apartamento no bairro Mont'Serrat em dezembro do ano passado. Ao longo de 10 meses, a mulher, que era independente, geria suas contas e dirigia o próprio carro, teve uma piora no seu quadro de saúde e se tornou uma pessoa acamada. Além de usufruir da casa, a farmacêutica tomou conta do veículo da vítima, passou a ter acesso ao seu dinheiro, cartão de crédito e a evitar contato da idosa com a família. No último sábado (10), a Polícia Civil cumpriu mandado de busca e apreensão no apartamento da idosa.
Titular da Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso, a delegada Cristiane Ramos afirma que, no quarto em que a farmacêutica estava instalada, foram localizadas duas faturas de cartão de crédito com gastos de R$ 12 mil e R$ 7 mil, em cada uma delas, em itens de grife e eletrônicos. O caso passou a ser investigado depois que a filha da socióloga procurou a polícia por suspeitar que a mãe vinha sendo manipulada. Ao verificar o histórico da suspeita, a polícia identificou antecedentes por fraudes de documentos e estelionato, além de uma condenação de 2006 por dopar outra idosa. Na época, a família desconfiou da sua conduta, instalou câmeras de segurança na casa e flagrou a golpista colocando medicamentos nas garrafinhas de água da idosa.
— Na sexta-feira (9), fomos procurados pela família e o que nos fez agir tão rápido foi esse histórico da investigada. Precisávamos cessar essa situação de maneira imediata. Encontramos a idosa muito fragilizada, com sinais de confusão mental para conversar. Ela não saía da cama, ficava só no quarto — afirma a delegada.
No quarto ao lado, onde a golpista estava instalada, a polícia encontrou diversos artigos de luxo como calçados, perfumes, óculos e cosméticos.
— Temos informação de que dia sim, dia não, chegavam encomendas de compras pela internet que ela fazia. Todas compras em lojas de marcas e grifes. Nos chamou a atenção o gasto de R$ 7 mil em uma única compra. A idosa recebe em torno de R$ 15 mil de pensão, que poderiam dar a ela vida bem melhor, mas o dinheiro todo estava sendo gasto em itens de vestuário e beleza da golpista — relata a delegada.
O que nos fez agir tão rápido foi esse histórico da investigada. Precisávamos cessar essa situação de maneira imediata. Encontramos a idosa muito fragilizada, com sinais de confusão mental para conversar. Ela não saía da cama, ficava só no quarto.
CRISTIANE RAMOS
Titular da Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso de Porto Alegre
Há 10 meses, a família não tinha acesso aos extratos bancários da idosa e nem conseguia visitá-la sem a supervisão da farmacêutica.
— Foi uma coisa muito triste. Eu via minha mãe mas era vigiada, tive brigas com essa mulher pois era considerada visita dentro da casa da minha mãe. Ela conquistou a confiança dela, foi fazendo a cabeça e mexendo com o emocional. Muito persuasiva — afirma a filha da vítima, de 62 anos.
Enquanto esteve morando com a farmacêutica, a idosa chegou a ser internada por intoxicação de medicamentos. No momento das buscas, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) fez coleta de sangue na idosa para verificar se a vítima vinha sendo dopada.
— Encontramos muitos remédios na casa sem receita nenhuma, não sabemos o que era usado na idosa. Ela não sabe dizer qual medicação tomava. A vítima nos disse que era muito bem tratada e no exame de lesão não foi encontrado nenhum sinal de maus-tratos. A questão desse caso é o abuso financeiro — afirma a delegada.
Eu via minha mãe mas era vigiada, tive brigas com essa mulher pois era considerada visita dentro da casa da minha mãe. Ela conquistou a confiança dela, foi fazendo a cabeça e mexendo com o emocional. Muito persuasiva.
FILHA DA VÍTIMA
Prefere não ser identificada
A golpista não foi presa em flagrante pois não estava no apartamento no momento das buscas. À vítima, dizia que cobria plantões de colegas em um hospital da Capital. A polícia está apurando esta informação.
— Quando ela saía, a doméstica ficava no lugar dela, uma pessoa de confiança da família. Ela nos descreveu a golpista como uma pessoa perfeita, querida e preocupada. Os estelionatários sempre passam essa imagem, encantam as pessoas. Este foi o caso de uma grande amizade, que conquistou a confiança da vítima e passou a dar muita atenção a ela. Durante todo tempo em que estivemos na casa, a idosa a defendeu. Disse que a farmacêutica era boa para ela, mas que só a havia autorizado a usar seu cartão para comprar coisas para casa. Nem imaginava que estava comprando todas essas coisas — detalha a delegada.
A polícia busca agora os prontuários médicos da vítima, que sofre de problemas cardíacos, e tenta identificar a extensão do prejuízo causado pelo golpe, com acesso a todos os extratos da idosa desde que conheceu a estelionatária. Desde sábado, a idosa está sob os cuidados da filha. As chaves da casa foram trocadas e a suspeita não tem mais acesso à socióloga.
A suspeita é investigada por crime de estelionato. Se a intoxicação da vítima for confirmada, também poderá ser indiciada por crime contra integridade física e crime contra a vida.
O advogado da família Stephan Doering Darcie também trabalha para apurar a extensão do dano financeiro ao patrimônio da idosa e identificar todas as movimentações financeiras que a suspeita pode ter feito para contribuir com a responsabilização criminal da golpista:
— A situação é bem grave e acreditamos que houve uma exposição a perigo da saúde da própria idosa, já que ela apresentou um declino muito grande em termos clínicos. Não temos elementos para dizer que foi um atentado contra ela por parte dessa mulher, mas o histórico dela nos faz ao menos suspeitar disso.
"Ninguém mais conseguia se aproximar", conta filha
A filha começou a desconfiar da relação da mãe com a farmacêutica quando a idosa passou a ter limitações para dirigir o próprio carro. Suspeitava que algo poderia estar errado mas, sem provas, não sabia o que fazer. Até que, segundo ela, a golpista passou a criar intrigas entre mãe e filha e a apartar a socióloga do convívio com amigos e familiares:
— Minha mãe morava sozinha, não aceitava ninguém morando com ela, era dona do próprio nariz. No início, conseguia ir visitá-la, mas fui ficando de lado com o passar dos meses e a situação veio num crescente. Ela começou a dizer que eu queria interditar minha mãe. Virei a bruxa má. Ninguém mais conseguia se aproximar, nem o telefone ela atendia mais. Na nossa frente, parecia querida e preocupada, por trás, tirava dinheiro dela.
Agora responsável pelos cuidados da mãe, a filha conta que a idosa já voltou a caminhar sozinha e que aos poucos está tomando consciência do que aconteceu.
— Antes, minha mãe precisava ser carregada. Só de vê-la voltando a andar já me sinto outra pessoa. De vez em quando, ela faz uma autocrítica, de ter permitido tudo isso. Essa mulher comprou produtos de grifes, coisas caras, que nem eu ou minha mãe usamos.