Na tarde de 16 de julho de 2019, Daiane Weizemann, 22 anos, tomava chimarrão com a irmã e o cunhado na casa deles em Lajeado, no Vale do Taquari. Enquanto isso, pintou o cabelo de Daniela Weizemann, 35, e fez a última mamadeira para o afilhado Vitor, quatro anos. Daniela tomou banho e colocou roupas de ficar em casa. O menino estava de pijama e meias, deitado no sofá. Daiane saiu às 18h para buscar o filho na creche. Ao se despedir, não via qualquer indicativo de que os familiares viajariam horas depois.
No dia seguinte, foi acordada com a notícia de que Daniela havia sido morta em uma barreira da Polícia Federal, em Cristal, no sul do Estado. Daiane não achou que seria possível. Foi até a casa da irmã. Residência vazia. Procurou a Delegacia da Polícia Civil e só foi convencida quando viu o nome de Daniela em uma reportagem na internet. Agora, um ano depois, ela diz que ainda não consegue acreditar no que aconteceu.
Aline Schimit Pirola, 25, amiga de Daniela, estava em outro veículo e também foi morta. Preso na ação, o marido, Marcos Luís Bergham, 34, segundo imagens da PF, se suicidou dentro de uma cela da Superintendência da Polícia Federal em Porto Alegre, um dia depois. No dia 19, o pequeno Vitor – que levou três tiros e foi socorrido em hospital de Porto Alegre – teve morte cerebral confirmada.
De acordo com a PF, por volta da 1h30min, Daniela, Vitor e Bergham estavam em um Civic que furou uma barreira montada pela corporação. Marcos estava em prisão domiciliar. Tinha passagem pela polícia por roubo, duas tentativas de homicídio e um homicídio. Ele já havia sido condenado a 31 anos de prisão com pena a cumprir a partir de 2005 e foi beneficiado com progressão de regime em 2014.
Conforme a investigação da PF, o cerco foi criado após os policiais receberem informações sobre um grupo que iria tentar resgatar criminosos que atacaram um banco em Dom Feliciano, no dia 6 de julho, e que estavam foragidos. Os dois carros não pararam e houve troca de tiros.
— Parece que eles estão de férias e vão voltar. Mesmo indo lá no túmulo e vendo, é quase impossível acreditar nisso. Tiraram nossa família da noite para o dia — diz Daiane.
Parece que eles estão de férias e vão voltar. Mesmo indo lá no túmulo e vendo, é quase impossível acreditar nisso. Tiraram nossa família da noite para o dia.
DAIANE WEIZEMANN
Irmã de Daniela Weizemann
Daniela era a filha mais velha de três irmãos. Nasceu e cresceu em uma rua sem saída de paralelepípedo do bairro Montanha. Era querida pela vizinhança e, ao se casar com Bergham, com quem se relacionava havia 10 anos, construiu uma casa ao lado da mãe. Da relação, nasceu Vitor, o filho que o casal acreditava que não conseguiria gerar devido a problemas de fertilidade de ambos. Após engravidar, Daniela enfrentou gestação de risco. Foi com o marido que abriu uma loja de roupas no bairro Jardim do Cedro, atendendo a um sonho dele. Desde julho passado, a família não entra na casa de Daniela:
— Chego lá e parece que minha irmã vai sair no portão. Tá tudo do jeito que ela deixou. Há um ano que eu deito na cama e não durmo. Ela era a âncora da família e sempre cuidou de mim e do meu outro irmão. Tínhamos ela como segunda mãe.
A mãe fica cada vez mais na casa de Daiane para evitar abrir a janela e dar de cara com a residência onde a filha e o neto viviam. Quando todos vão juntos ao cemitério, o baque ao ver os três túmulos se repete. Daiane conta que deixou o emprego para focar totalmente no apoio à família. Seu filho cobra a presença do primo e faz acompanhamento psicológico:
— Ele diz que também quer ir para o céu com o Vitor. Uma criança de quatro anos que morreu com três tiros. Como uma criança toma três tiros? E como explico isso para o meu filho?
"Nada disso tem sentido"
O que a Daniela e Bergham planejavam fazer após Daiane deixar a casa da irmã, no começo da noite de 16 de julho de 2019, permanecerá como ponto de interrogação na avaliação da família. Daiane diz que a irmã não costumava viajar para o sul do Estado e que naquela tarde não percebeu nenhuma movimentação que indicasse que o casal e o menino pegariam a estrada:
— Se eles tivessem me dado uma pista de que iam viajar. Não sabia de nada. Meu cunhado não estava nervoso, nem nada parecido. Estávamos dando risada, como se nada fosse acontecer. Nada disso tem sentido. A gente nunca vai saber o que realmente aconteceu. Temos várias perguntas sem respostas. E nunca vamos ouvir a versão da boca deles.
Segundo Daiane, Daniela e Aline eram amigas – esta chegou a cuidar do seu filho em uma creche. Aline era cliente da loja. Ainda assim, a dona de casa diz não entender por que Aline estava com a irmã, em outro veículo, no momento em que foram baleadas.
Depois das mortes, a família conta que também precisou enfrentar ataques na internet. Daiane ficou dias sem acessar redes sociais para não ler comentários agressivos contra a irmã.
— As pessoas disseram que minha irmã levou o filho para a morte. Se eles tivessem noção de que estavam fazendo algo realmente perigoso, teriam levado o Vitor junto mesmo assim? O Vitor não seria escudo deles. Minha irmã não tinha ficha suja e passou como criminosa. Acredito que eles estavam no lugar errado. Nada disso faz sentido.
Inquérito sobre atuação dos policiais segue aberto
Em nota enviada a GaúchaZH, a Polícia Federal explicou que a barreira em Cristal ocorreu dentro de uma investigação da PF que apurava a atuação de organização criminosa em roubo à agência da Caixa Econômica Federal em Canguçu _ que aconteceu em agosto de 2018. A mesma quadrilha seria responsável, segundo a PF, por outros ataques a bancos com uso de violência.
"Em uma ação do grupo contra uma agência bancária em Dom Feliciano (julho/2019), quatro indivíduos em fuga disparam contra viaturas da Polícia Federal e da Brigada Militar, ingressaram em uma área de mata, sendo posteriormente identificados e presos. Na tentativa de resgate desse grupo, houve confronto com policiais federais no município de Cristal, que resultou na morte de ocupantes dos veículos utilizados para a fuga.", informa a PF em trecho da nota.
Segundo a corporação, "o inquérito específico sobre a ação policial está em fase final de apuração pela Corregedoria da Polícia Federal e tem o acompanhamento do Ministério Público Federal."
A nota diz ainda que "os policiais que participaram da ação, inicialmente, foram dispensados das atividades até a realização de avaliação psicológica. Todos foram considerados aptos e retornaram as funções policiais."
Em 19 de novembro de 2019, foram presos os últimos dois suspeitos de assalto a um banco em Dom Feliciano. Um dos detidos foi Junior Miorando, companheiro de Aline Schimit Pirola, 25 anos, que morreu em Cristal. Antes, em setembro, outro homem suspeito da ação também foi preso. Segundo a PF, após as prisões desses indivíduos, houve queda acentuada nos ataques a banco com emprego de violência no Estado. Nos seis primeiros meses de 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado, a redução foi de 50% em ataques a agências bancárias no RS — de 59 casos para 29.
Procurado pela reportagem, o MPF afirmou que suas investigações também não foram concluídas pois "acompanham a tramitação do correlato inquérito policial, no qual ainda estão pendentes perícias complementares."
Leia a nota da Polícia Federal na íntegra:
"Os fatos ocorreram dentro de investigação da Polícia Federal que apurava a atuação de organização criminosa em roubo a agência da Caixa Econômica Federal em Canguçu (agosto/2018) e responsável por diversos outros ataques a banco no estado com emprego de violência. Em uma ação do grupo contra uma agência bancária em Dom Feliciano (julho/2019), quatro indivíduos em fuga disparam contra viaturas da Polícia Federal e da Brigada Militar, ingressaram em uma área de mata, sendo posteriormente identificados e presos.
Na tentativa de resgate desse grupo, houve confronto com policiais federais no município de Cristal, que resultou na morte de ocupantes dos veículos utilizados para a fuga. O inquérito específico sobre a ação policial está em fase final de apuração pela Corregedoria da Polícia Federal e tem o acompanhamento do Ministério Público Federal. Destaque-se que após as prisões desses indivíduos, houve queda acentuada nos ataques a banco com emprego de violência no estado, inclusive fato que foi objeto de matéria recente do jornal Zero Hora.
Os policiais que participaram da ação, inicialmente, foram dispensados das atividades até a realização de avaliação psicológica, conforme disciplina a Portaria Interministerial 4226, de 31 de dezembro de 2010. Todos foram considerados aptos e retornaram as funções policiais."